
| D.E. Publicado em 27/08/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo da parte autora para reconhecer o trabalho rural no período de 01/06/1965 a 01/05/1974 e, de ofício, julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, quanto aos períodos após 01/05/1974, com fulcro no art. 485, IV do CPC/2015, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | INES VIRGINIA PRADO SOARES:10084 |
| Nº de Série do Certificado: | 11DE18032058641B |
| Data e Hora: | 15/08/2018 17:56:09 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006650-87.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL DRA. INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Trata-se de ação ordinária movida por GENESIO DE OLIVEIRA LEITE em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com o objetivo de reconhecimento do trabalho rural em regime de economia familiar, nos períodos de 01/06/1965 (quando possuía 11 anos) até 01/05/1974, 01/06/1979 a 30/11/1980, 01/07/1981 a 30/06/1983, 01/10/1983 a 01/05/1989 e, por fim, 01/12/1989 a 30/08/1990 e, após, concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A r.sentença julgou a ação improcedente, condenando a parte autora ao pagamento de custas e honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor da causa suspensa a exigência em vista da gratuidade.
A parte autora requer a reforma da sentença, pelos seguintes fundamentos:
a) as testemunhas foram unânimes em reconhecer o trabalho rural do autor até os 22 anos de idade, desconhecendo o trabalho urbano, eis que tal período está comprovado por documentos hábeis nos autos, não estando em discussão na demanda;
b) não há contradição nos depoimentos, todos os depoentes afirmaram conhecer o autor do meio rural e saber que o mesmo sempre trabalhou com a família, apresentando concordância com os fatos narrados na inicial;
c) o autor, que crescer na área rural, quando não estava empregado no meio urbano retornava à roça para trabalhar.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte Regional.
Certificado pela Subsecretaria da Sétima Turma, nos termos da Ordem de Serviço nº 13/2016, artigo 8º, que a apelação foi interposta no prazo legal e, ainda que a parte autora é beneficiária da Justiça gratuita. (fls. 142)
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA):
Inicialmente, recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
A parte autora pleiteia o reconhecimento, averbação e certidão de tempo de serviço rural exercido de 01/06/1965 (quando possuía 11 anos) até 01/05/1974 e, também, de 01/06/1979 a 30/11/1980, 01/07/1981 a 30/06/1983, 01/10/1983 a 01/05/1989, 01/12/1989 a 30/08/1990, após a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
Afirma a parte autora afirma que após 01/05/1974 possui vários registros em sua CTPS no meio urbano, porém, nos períodos em que não estaria trabalhando no meio urbano, trabalhava na propriedade da família, com seus pais e irmãos, em regime de economia familiar. Pede que, após o reconhecimento do trabalho rural nos períodos citados, lhe seja concedida a aposentadoria por tempo de contribuição.
PROVAS DO TEMPO DE ATIVIDADE RURAL OU URBANA
A comprovação do tempo de serviço em atividade rural, seja para fins de concessão de benefício previdenciário ou para averbação de tempo de serviço, deve ser feita mediante a apresentação de início de prova material, conforme preceitua o artigo 55, § 3º, da Lei de Benefícios, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, entendimento cristalizado na Súmula nº 149, do C. STJ: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Considerando a dificuldade do trabalhador rural na obtenção da prova escrita, o Eg. STJ vem admitindo outros documentos além daqueles previstos no artigo 106, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91, cujo rol não é taxativo, mas sim, exemplificativo (AgRg no REsp nº 1362145/SP, 2ª Turma, Relator Ministro Mauro Campell Marques, DJe 01/04/2013; AgRg no Ag nº 1419422/MG, 6ª Turma, Relatora Ministra Assussete Magalhães, DJe 03/06/2013; AgRg no AREsp nº 324.476/SE, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, DJe 28/06/2013).
E, atendendo as precárias condições em que se desenvolve o trabalho do lavrador, aliado às dificuldades na obtenção de prova material do seu labor, quando do julgamento do REsp. 1.321.493/PR, realizado segundo a sistemática de recurso representativo da controvérsia (CPC, art. 543-C), abrandou-se a exigência da prova admitindo-se início de prova material sobre parte do lapso temporal pretendido, a ser complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
Nesse passo, a jurisprudência sedimentou o entendimento de que a prova testemunhal possui aptidão para ampliar a eficácia probatória da prova material trazida aos autos, sendo desnecessária a sua contemporaneidade para todo o período de carência que se pretende comprovar (Recurso Especial Repetitivo 1.348.633/SP, (Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, DJe 5/12/2014) e Súmula 577 do Eg. STJ.
Vale ressaltar que, exceto para o "empregado rural" (cujo ônus do recolhimento da contribuição é do empregador), a Lei nº 8.213/91 não admite, para fins de carência, o cômputo do tempo de serviço rural reconhecido judicialmente, sem comprovação do recolhimento da contribuição (artigo 24) ou da indenização (artigo 96, inciso IV). No entanto, na ausência destes, ainda assim o trabalhador tem direito à obtenção de certidão de averbação (CF/88, artigo 5º, inciso XXXIV), a qual pode ser utilizada para a obtenção dos benefícios previstos no artigo 39, inciso I, ou da aposentadoria rural por idade (art. 143) - para os quais não se exige carência, mas tão-somente tempo de serviço rural por período equivalente ao da carência exigida para a concessão do benefício -, ou mesmo da aposentadoria por tempo de serviço, prevista no artigo 52 - para a qual se exige um tempo mínimo de serviço que não se confunde com o período de carência.
CASO CONCRETO
No caso concreto, para comprovar suas alegações, a parte autora apresentou cópia dos seguintes documentos:
- certificado de reservista, emitido em 21/06/1973, onde consta a profissão da parte autora a de lavrador, residente no Sítio São Joaquim;
- título de eleitor emitido em 05/06/1973, onde consta a profissão da parte autora a de lavrador;
- certidão de nascimento da parte autora (ocorrido em domicílio), onde consta a profissão de seu genitor como sendo a de agricultor;
- CTPS nº 019133, série 384ª, com registros de contrato de trabalho de natureza urbana desde 05/05/1974, sendo o último com data de saída em 24/03/2000;
- CTPS nº 089138, série 00384-SP, com registros de contratos de trabalho de natureza urbana desde 01/11/2000, sendo o último com data de saída em 28/01/2010;
- documentos escolares em nome do irmão da parte autora, relativos ao ano de 1970, onde consta a profissão do genitor como lavrador;
- título de eleitor do irmão da parte autora, emitido em 09/02/1977, onde consta a profissão de lavrador;
- cópia de pagamento do ITR em nome do genitor da parte autora, relativo aos anos de 1970, 1972 e 1973;
- nota fiscal de produtor, relativo a mercadorias expedida pelo genitor do autor (Joaquim Rosa), datadas de 03/90, destinado à Fazenda Guarapiranga;
- demonstrativo de movimento de gado efetuado pelo Sítio São Joaquim relativo ao período de julho a dezembro de 1995, assinado pela genitora do autor;
- certidão da matrícula nº 7.911, relativa a imóvel rural, com registro de formal de partilha ante o falecimento do genitor do autor, cabendo a esse 10% do referido imóvel;
- certidão emitida pelo Registro de Imóveis de Lucelia/SP, constando que os genitores do autor adquiriram em 23/07/1973 um lote de 10 alqueires na Fazenda Guataporanga (registrado na matrícula 7.911);
- atualização cadastral de ITR relativo ao Sítio São Joaquim do ano de 2005, onde consta que a parte autora possui 10% do referido imóvel;
- certidão expedida pelo Sindicato Rural de Lucélia em 27 de janeiro de 2016, constando que JOAQUIM ROSA, genitor do autor, possuía registro de filiação naquele sindicato no período de 1973 a 1986;
- certidão emitida pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo em 19/06/2006, constando que o genitor do autor foi inscrito como produtor rural a partir de 04/07/1968, tendo tal inscrição sido transferida à sua genitora e demais herdeiros em 25/03/1996;
- certidão de casamento dos genitores da parte autora ocorrido em 20/06/1951, onde consta a profissão de seu genitor como sendo a de lavrador;
- certidão de óbito da genitora do autor, ocorrido em 13/05/2002, constando a profissão como sendo do lar (pensionista);
As testemunhas ouvidas em juízo confirmaram que o autor teria trabalhado na roça com sua família e, depois, teria ido para a cidade trabalhar, tendo retornado esporadicamente ao campo, mas não souberam precisar datas, nem locais onde o autor teria trabalhado, sendo os depoimentos, portanto, vagos e imprecisos nesse aspecto.
Portanto, cotejando-se o início de prova material existente nos autos, com o depoimento testemunhas, forçoso é concluir-se que comprovado o trabalho rural relativamente ao período de 01/06/1965 a 01/05/1974, data anterior ao início de seu primeiro contrato de trabalho constante de sua CTPS.
No que tange à possibilidade do cômputo do labor rural efetuado pelo menor de idade, o próprio C. STF entende que as normas constitucionais devem ser interpretadas em benefício do menor.
Por conseguinte, a norma constitucional que proíbe o trabalho remunerado a quem não possua idade mínima para tal não pode ser estabelecida em seu desfavor, privando o menor do direito de ver reconhecido o exercício da atividade rural para fins do benefício previdenciário, especialmente se considerarmos a dura realidade das lides do campo que obrigada ao trabalho em tenra idade (ARE 1045867, Relator: Ministro Alexandre de Moraes, 03/08/2017, RE 906.259, Rel: Ministro Luiz Fux, in DJe de 21/09/2015).
Nesse sentido os precedentes desta E. 7ª Turma: AC nº 2016.03.99.040416-4/SP, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, DJe 13/03/2017; AC 2003.61.25.001445-4, Rel. Des. Fed. Carlos Delgado, DJ 09/04/2018.
Trago à baila recente julgado sobre o tema, proferido pelo C. TRF da 4ª Região, afastando, inclusive, a idade mínima de 12 anos, com base no princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, bem como da proteção do trabalho infantil, a fim de evitar uma dupla punição para esses trabalhadores, qual seja, a perda da plenitude de sua infância e o não reconhecimento do trabalho efetivamente ocorrido.
Vejamos:
Contudo, após o início do trabalho urbano (01/05/1974) não há início de prova material no sentido de que a parte autora teria continuado a laborar no meio rural.
Outrossim, a prova testemunhal produzida nos autos não evidenciou de forma segura e induvidosa o labor rural da parte autora após tal data, tendo os depoentes prestado declarações vagas e imprecisas acerca do trabalho do autor, seja no meio urbano, seja no rural.
A propósito trago excerto da sentença recorrida onde o magistrado afirma:
Nessa esteira, considerando que o conjunto probatório foi insuficiente à comprovação da atividade rural, após 01/05/1974 seria o caso de se julgar improcedente a ação quanto ao tal período, por não ter a parte autora se desincumbido do ônus probatório que lhe cabe, ex vi do art. 373, I, do CPC/2015.
Entretanto, o entendimento consolidado pelo C. STJ, em julgado proferido sob a sistemática de recursos repetitivos, conforme art. 543-C, do CPC/1973 é no sentido de que a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito propiciando ao autor intentar novamente a ação caso reúna os elementos necessários (REsp 1352721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016).
DA SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA E DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
Diante do parcial provimento do recurso da parte autora, com o indeferimento parcial do pedido de reconhecimento de trabalho rural e do pedido de aposentadoria por tempo de contribuição, a hipótese dos autos é de sucumbência recíproca, motivo pelo qual as despesas processuais devem ser proporcionalmente distribuídas entre as partes, na forma do artigo 86, do CPC/15, não havendo como se compensar as verbas honorárias, por se tratar de verbas de titularidade dos advogados e não da parte (artigo 85, § 14, do CPC/15).
Por tais razões, com base no artigo 85, §§2° e 3°, do CPC/15, condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios aos patronos do INSS, que fixo em 10% do valor atualizado da causa, considerando que não se trata de causa de grande complexidade, mas sim repetitiva, o que facilita o trabalho realizado pelo advogado, diminuindo o tempo exigido para o seu serviço.
Suspendo, no entanto, a sua execução, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser a parte autora beneficiária da Justiça Gratuita.
Por outro lado, vencido o INSS no que tange ao reconhecimento como trabalhador rural de parte do período pleiteado na inicial, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios ao particular, fixados, da mesma forma, em 10% do valor atualizado da causa.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo da parte autora para reconhecer o período de 01/06/1965 a 01/05/1974, devendo o mesmo ser averbado junto a seus registros perante o INSS, não podendo, apenas, ser considerado para fins de carência para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição e, de ofício, julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, quanto aos períodos após 01/05/1974, com fulcro no art. 485, IV do CPC/2015, diante da não comprovação do trabalho rural e restando prejudicado o apelo da parte autora nesse tocante.
É o voto.
INÊS VIRGÍNIA
Desembargadora Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | INES VIRGINIA PRADO SOARES:10084 |
| Nº de Série do Certificado: | 11DE18032058641B |
| Data e Hora: | 15/08/2018 17:56:06 |
