
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012540-45.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ARNALDO DE SOUZA CARVALHO
Advogado do(a) APELANTE: SILAS MARIANO RODRIGUES - SP358829-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012540-45.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ARNALDO DE SOUZA CARVALHO
Advogado do(a) APELANTE: SILAS MARIANO RODRIGUES - SP358829-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço especial, com vistas à conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial ou, subsidiariamente, à revisão da Renda Mensal Inicial (RMI) do benefício que atualmente percebe.
A sentença julgou improcedente o pedido, nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil (CPC). Condenou a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa.
Inconformada, a parte autora interpôs recurso de apelação, no qual sustenta, preliminarmente, alteração significativa na sua renda, razão pela qual requer a concessão da justiça gratuita. No mérito, exora a procedência integral dos pedidos arrolados na inicial, com o reconhecimento da especialidade dos períodos de 6/3/1997 a 29/9/2002, de 30/9/2002 a 2/1/2005, de 1º/5/2006 a 30/4/2008 e de 1º/9/2008 a 30/6/2013 e a obtenção do benefício em foco.
Subsidiariamente, requer a anulação da sentença, em virtude da ocorrência de cerceamento ao direito de defesa, com a conversão do feito em diligência e o retorno dos autos à vara de origem, para a realização de perícia técnica ou, ainda, a extinção sem resolução do mérito, do pedido de reconhecimento da especialidade do labor nos períodos debatidos, por ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, com fulcro no artigo 485, IV, CPC.
Sem contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012540-45.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: ARNALDO DE SOUZA CARVALHO
Advogado do(a) APELANTE: SILAS MARIANO RODRIGUES - SP358829-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.
Discute-se, preliminarmente, a concessão da justiça gratuita.
Destaca-se, inicialmente, que o Código de Processo Civil (CPC), em seu artigo 1.072, revogou expressamente os artigos 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 11, 12 e 17 da Lei n. 1.060/1950, por serem incompatíveis com as disposições trazidas pelos artigos 98 e 99 do diploma processual civil.
Dispõe o artigo 99, § 3º, do CPC:
“O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
(...)
§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.”
Assim, em princípio, tem-se que a concessão desse benefício depende da simples afirmação de insuficiência de recursos pela parte, a qual, no entanto, por gozar de presunção juris tantum de veracidade, pode ser ilidida por prova em contrário.
Além disso, cabe ao juiz verificar se os requisitos estão satisfeitos, pois, segundo o artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal, é devida a justiça gratuita a quem “comprovar” a insuficiência de recursos.
Esse é o sentido constitucional da justiça gratuita, que prevalece sobre o teor da legislação ordinária.
A assistência judiciária prestada pela Defensoria Pública da União (DPU) alcança somente quem percebe renda inferior a R$ 2.000,00 - valor próximo do limite de isenção da incidência de Imposto de Renda (Resolução CSDPU n. 134, editada em 7/12/2016, publicada no DOU de 2/5/2017).
Esse critério, bastante objetivo, poderia ser seguido como regra não absoluta, de modo que quem recebe renda superior àquele valor tenha contra si presunção juris tantum de ausência de hipossuficiência, cabendo ao julgador possibilitar a comprovação de eventual miserabilidade por circunstâncias excepcionais. Alegações de existência de dívidas ou de abatimento de valores da remuneração ou de benefício por empréstimos consignados não constituiriam desculpas legítimas para a obtenção da gratuidade, exceto se motivadas por circunstâncias extraordinárias ou imprevistas devidamente comprovadas. Esse entendimento induziria maior cuidado na propositura de ações temerárias ou aventureiras, semeando a ideia de maior responsabilidade do litigante.
Não se desconhece que há outros critérios, igualmente relevantes, para a apuração da hipossuficiência.
Contudo, adoto como critério legítimo e razoável para a aferição do direito à justiça gratuita o teto fixado para os benefícios previdenciários, atualmente no valor de R$ 8.157,41.
Com essas ponderações, passo à análise do caso concreto.
Segundo dados do Cadastro Nacional do Seguro Social (CNIS), o último vínculo empregatício da parte autora foi encerrado em janeiro de 2025, passando sua única fonte de renda a ser o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição NB 42/177.438.427-0, cujo valor está, logicamente, abaixo do teto dos benefícios previdenciários.
Efetivamente, a parte autora demonstrou alteração em sua condição de renda em relação àquela existente no momento do ajuizamento da ação, que havia motivado o indeferimento anterior do pedido.
Diante da nova situação demonstrada, impõe-se o deferimento da justiça gratuita, a qual, contudo, deverá abranger apenas os atos processuais posteriores à sua concessão, e não os anteriores.
Vale dizer: os benefícios da gratuidade (desde que não revogados) compreendem todos os atos processuais praticados a partir do deferimento, até a decisão final, em todas as instâncias. É inadmissível, porém, sua aplicação retroativa.
À luz das lições da doutrina, "embora o benefício possa ser pleiteado e concedido a qualquer tempo (art. 99, §1 °, CPC), inclusive em grau de recurso (art. 99, §7°, CPC), a concessão da gratuidade, em casos tais, terá eficácia prospectiva (ex nunc), surtindo efeitos apenas para os fatos geradores vindouros, nunca para os atos processuais pretéritos, sob pena de o benefício terminar por converter-se em verdadeira anistia para o vencido." (Didier Jr, Fredie. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA: DE ACORDO COM O NOVO CPC. 6. ed. rev. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 112)
Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
"AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECLAMO. IRRESIGNAÇÃO DA PARTE AGRAVANTE. 1. O recurso especial não se presta ao exame de suposta violação a dispositivos constitucionais, por se tratar de matéria reservada à análise do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, da Constituição da República. 2.Violação ao artigo 1.022 do CPC/15 não configurada. Acórdão estadual que enfrentou os aspectos essenciais à resolução da controvérsia de forma ampla e fundamentada, sem omissões. Precedentes. 3. Conforme compreensão firmada por este Superior Tribunal de Justiça, a concessão da gratuidade da justiça, embora possa ser requerida a qualquer momento, apenas produz efeitos ex nunc, não retroagindo para abarcar atos processuais pretéritos. 4. Agravo interno desprovido." (AgInt nos EDcl no AREsp nº 1552867/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª T., j. 31/5/2021, STJ)
Dessa forma, acolho a preliminar para conceder a justiça gratuita, mas sem efeitos retroativos.
Passo à análise das questões trazidas a julgamento.
Do Tempo de Serviço Especial
A caracterização da atividade especial deve observar a legislação vigente à época da prestação do serviço. A conversão de tempo especial em comum, por sua vez, é regulada pela norma vigente na data em que o segurado reúne os requisitos para a aposentadoria, conforme entendimento consolidado nos Temas Repetitivos 422 e 546 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019 vedou a conversão de tempo especial para comum a partir de sua vigência (13/11/2019), conforme artigo 25, § 2º, mantendo-se, contudo, o direito à conversão dos períodos anteriores, bem como a possibilidade de concessão de aposentadoria especial com base no artigo 19, § 1º, I.
A evolução normativa sobre a matéria pode ser resumida assim:
a) até 28/4/1995: admissível o enquadramento por categoria profissional (Decretos n. 53.831/1964 e 83.080/1979) ou exposição a agentes nocivos, com exceção de ruído e calor, que exigem prova técnica.
b) de 29/4/1995 a 5/3/1997: necessária comprovação da exposição habitual e permanente a agentes nocivos, sendo suficiente o formulário-padrão (SB-40 ou DSS-8030), salvo para ruído e calor.
c) de 6/3/1997 em diante: exigência de formulário fundado em laudo técnico ou produção de perícia (Decreto n. 2.172/1997).
d) a partir de 1º/1/2004: o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) torna-se documento essencial e substitui os antigos formulários, dispensando o laudo técnico se preenchido corretamente.
Da Fonte de Custeio
A ausência de recolhimento de contribuições adicionais pelo empregador não impede o reconhecimento da atividade especial pelo segurado, conforme os princípios da solidariedade e automaticidade (art. 30, I, da Lei n. 8.212/1991).
Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), os benefícios previstos diretamente na Constituição, como a aposentadoria especial, não estão condicionados à prévia fonte de custeio (art. 195, § 5º, da CF).
Do Agente Nocivo Ruído
Os limites legais de tolerância ao ruído são:
(i) até 5/3/1997: acima de 80 dB;
(ii) de 6/3/1997 a 18/11/2003: acima de 90 dB;
(iii) a partir de 19/11/2003: acima de 85 dB.
Nos termos do Tema Repetitivo 694 do STJ, é inviável a aplicação retroativa do novo limite (85 dB). A comprovação da exposição pode ser feita por PPP ou laudo técnico, sendo válida a metodologia diversa quando constatada a insalubridade.
Do Equipamento de Proteção Individual - EPI
Segundo deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF), no Tema 555 da repercussão geral (ARE n. 664.335), o uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI) somente afasta o reconhecimento da especialidade da atividade quando comprovadamente eficaz na neutralização da nocividade. Havendo dúvida quanto à eficácia do equipamento ou em caso de exposição a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância, deve-se reconhecer a especialidade da atividade, ainda que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) indique o fornecimento de EPI tido como eficaz.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema Repetitivo n. 1.090, firmou as seguintes teses jurídicas sobre a matéria:
I – A informação constante do PPP acerca da utilização de EPI descaracteriza, em princípio, o tempo especial, ressalvadas as hipóteses excepcionais em que, mesmo diante de proteção comprovada, é reconhecido o direito à contagem diferenciada.
II – Compete à parte autora da ação previdenciária demonstrar:
(i) a inadequação do EPI ao risco da atividade exercida;
(ii) a inexistência ou irregularidade do respectivo certificado de conformidade;
(iii) o descumprimento das normas relativas à manutenção, substituição e higienização do EPI;
(iv) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento quanto ao uso correto, guarda e conservação do equipamento;
(v) ou qualquer outro fator que permita concluir pela ineficácia do EPI.
III – Se a análise probatória revelar dúvida razoável ou divergência quanto à real eficácia do EPI, a conclusão deve ser favorável ao segurado.
Conforme disposto no artigo 291 da Instrução Normativa INSS n. 128/2022, a eficácia do EPI não obsta o reconhecimento de atividade especial exercida até 3/12/1998, data da vigência da Medida Provisória n. 1.729/1998, posteriormente convertida na Lei n. 9.732/1998, para qualquer agente nocivo.
À luz dos desdobramentos dos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, verifica-se que, em determinadas hipóteses de exposição a agentes nocivos, o uso de EPI não afasta o reconhecimento da especialidade da atividade, seja pela inexistência de equipamento eficaz, seja por sua ineficácia prática (inocuidade).
As principais hipóteses em que se presume a ineficácia prática do EPI são:
(i) Agentes Biológicos:
Não há EPI capaz de neutralizar integralmente o risco de contaminação, em razão da natureza invisível e difusa dos agentes, da possibilidade de falhas humanas ou técnicas no uso dos equipamentos e do fato de a exposição ser inerente à função. Por isso, há presunção de ineficácia prática nesse caso.
(ii) Agentes Cancerígenos (até 2020):
Até a edição da IN INSS n. 128/2022, era reconhecida a inexistência de EPI eficaz para agentes reconhecidamente cancerígenos, conforme a Lista Nacional de Doenças Relacionadas ao Trabalho – LINACH (Portaria GM/MS n. 2.309/2022). A jurisprudência, até então, reconhecia a impossibilidade de neutralização total do risco cancerígeno.
(iii) Periculosidade:
O risco decorre da possibilidade de acidente de grandes proporções, de natureza acidental e imprevisível. O EPI, nesse caso, não elimina o perigo, apenas atenua os danos, razão pela qual não se reconhece eficácia plena do equipamento.
(iv) Ruído acima dos limites legais:
Conforme deliberação nos Temas 555 do STF e 1.090 do STJ, o fornecimento de EPI, ainda que considerado eficaz, não descaracteriza a especialidade da atividade, pois não é possível assegurar a neutralização integral dos efeitos agressivos do ruído sobre o organismo do trabalhador, os quais vão muito além daqueles relacionados à perda das funções auditivas.
Do Caso Concreto
Analisados os autos, é possível reconhecer a especialidade dos períodos debatidos de:
(i) 6/3/1997 a 31/12/2003 - laudo técnico pericial (Id. 332854970 - fl. 37/44), emitido em nome do autor, registra exposição a agentes químicos (hidrocarbonetos aromáticos: graxas, solventes e óleos), situação que possibilita o reconhecimento da atividade insalutífera em conformidade com os códigos 1.2.11 do anexo do Decreto n. 53.831/1964 e 1.2.10 do anexo do Decreto n. 83.080/1979.
(ii) 1º/9/2008 a 30/6/2013 - Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP (Id. 332854970 – fl. 30/34) e laudo técnico (Id. 332855073 – fl. 8) informam exposição habitual e permanente a agentes químicos (hidrocarbonetos aromáticos: óleos minerais e graxas), situação que possibilita o reconhecimento da atividade insalutífera em conformidade com os códigos 1.2.11 do anexo do Decreto n. 53.831/1964 e 1.2.10 do anexo do Decreto n. 83.080/1979.
Consoante acima mencionado, observa-se que os agentes químicos em questão são reconhecidamente cancerígenos e estão inseridos na Lista Nacional de Doenças Relacionadas ao Trabalho – LINACH (Portaria GM/MS n. 2.309/2022).
Assim, o uso de EPI não afasta o reconhecimento da especialidade da atividade nesses interregnos.
Nesse sentido os seguintes julgados desta Corte Regional: TRF3, APELAÇÃO CÍVEL, ApCiv 5002065-92.2023.4.03.6130, Relator: Desembargador Federal ERIK FREDERICO GRAMSTRUP, 7ª Turma, DJEN DATA: 23/06/2025; TRF3, APELAÇÃO CÍVEL, ApCiv 5000928-09.2021.4.03.6110, Relator: Desembargador Federal MARCELO VIEIRA DE CAMPOS, 7ª Turma, DJEN DATA: 26/06/2025; TRF3, APELAÇÃO CÍVEL, ApCiv 5004571-87.2021.4.03.6105, Relator: Desembargador Federal JEAN MARCOS FERREIRA, 7ª Turma, DJEN DATA: 24/06/2025.
(iii) 1º/1/2004 a 31/5/2004 - Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP (Id. 332854970 – fl. 30/34) informa a exposição habitual e permanente ao fator de risco ruído em níveis superiores aos limites de tolerância previstos pela legislação previdenciária.
(iv) 1º/6/2004 a 2/1/2005 e de 1º/5/2006 a 30/4/2008 - Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP (Id. 332854970 – fl. 30/34) e laudo técnico (Id. 332855073 – fl. 8) apontam a exposição a vapores orgânicos (tolueno e xileno), com o fornecimento regular de EPI eficaz.
Cumpre destacar que o tolueno (metilbenzeno) e o xileno contém benzeno em sua composição, agente classificado como cancerígeno para humanos no Grupo 1 da LINACH, publicada pela Portaria Interministerial n. 9/2014 do Ministério do Trabalho e Emprego, bem como relacionado no Anexo n. 13 da NR-15.
Nessas hipóteses, a análise da exposição é qualitativa, sendo irrelevante a aferição de concentração. Ademais, a utilização de EPI, ainda que eficaz, não afasta a especialidade do labor quando presente agente cancerígeno.
Nesse sentido, trago à colação precedentes desta Corte Regional (g.n.):
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. POSSIBILIDADE. ATIVIDADE ESPECIAL. SUJEIÇÃO A AGENTE QUÍMICO. VIGILANTE. EPI EFICAZ. BENEFÍCIO DEVIDO. AGRAVO DESPROVIDO. - Recurso conhecido, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade recursal. - Sopesando o disposto no art. 932, II, IV e V, do CPC, e aplicando analogicamente a Súmula n.º 568, do C.STJ, entendo cabível o julgamento monocrático no presente caso, já que este atende aos princípios da celeridade processual e da observância aos precedentes judiciais. - A interposição do agravo interno (artigo 1.021 do CPC) possibilita a submissão do feito a julgamento pelo órgão colegiado, inclusive com possibilidade de sustentação oral pela parte interessada (art. 7º, § 2º-B da Lei 8.3906/94), pelo que restam resguardados os princípios da colegialidade e da ampla defesa. Precedentes desta Corte. - Conforme ressaltado na decisão monocrática, o reconhecimento da especialidade dos interstícios em questão se deu em virtude do conjunto probatório carreado aos autos, em especial a prova documental apresentada. - Como visto, apenas com a edição da Lei nº 9.032/95, que conferiu nova redação ao artigo 57, parágrafos 3º e 4º, da Lei nº 8.213/91, para o reconhecimento do trabalho em condições especiais e o consequente cômputo diferenciado do tempo de contribuição, o segurado passou a ter que comprovar a efetiva exposição a agentes físicos, químicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou integridade física. Até então, reconhecia-se a especialidade do labor de acordo com a categoria profissional, presumindo-se que os trabalhadores de determinadas categorias se expunham a ambiente insalubre. A jurisprudência desta C. Turma é firme em reconhecer que, até 28/04/1995, é possível o reconhecimento da especialidade da atividade com base na função constante da anotação em CTPS, independentemente da comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos, se enquadradas nos Decretos n°s 53.831/64 ou 83.080/1979. - O trabalho desenvolvido pelo guarda patrimonial, vigia, vigilante e afins, com ou sem o uso de ama de fogo, deve ser enquadrado no código 2.5.7 do Decreto nº 53.831/64, por analogia à atividade de guarda. - A questão relativa ao reconhecimento da atividade especial desempenhada pelo vigia/vigilante após 28/04/1995 foi afetada pelo Colendo STJ sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.031) e, contra o acórdão ali proferido, foi interposto Recurso Extraordinário (Tema 1209), estando pendente de julgamento. Contudo, não há óbice ao reconhecimento da especialidade de tal atividade quando esta foi desempenhada anteriormente a 28/04/1995. - Possível o enquadramento do agente nocivo tolueno nos itens 1.2.11 do Decreto n.º 53.831/64, 1.2.10 do Anexo I do Decreto n.º 83.080/79 e do Anexo IV, do Decreto n.º 3048/99. - Ademais, cumpre notar que o tolueno (metil benzeno) possui benzeno em sua composição, o qual consta entre os agentes confirmados como cancerígenos no grupo 1 da LINACH (Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos), publicada através da Portaria Interministerial n° 9/2014 pelo Ministério do Trabalho e Emprego e são relacionados como cancerígenos no anexo nº 13 da NR-15 do Ministério do Trabalho, razão pela qual, como visto, a análise é feita de forma apenas qualitativa e a utilização de EPC e/ou EPI, ainda que eficazes, não descaracterizam o período como especial. E, nos termos do §2º do art.68 do Decreto 8.123/2013, que deu nova redação do Decreto 3.048/99, a exposição, habitual e permanente, às substâncias químicas com potencial cancerígeno justifica a contagem especial, independentemente de sua concentração. - Agravo interno desprovido." (TRF3, APELAÇÃO CÍVEL, ApCiv 5000802-36.2018.4.03.6183, Relator: Desembargador Federal ERIK FREDERICO GRAMSTRUP, 7ª Turma, DJEN DATA: 24/06/2025)
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONVERSÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. AGENTES QUÍMICOS CANCERÍGENOS. HIDROCARBONETOS AROMÁTICOS. USO DE EPI EFICAZ. INDIFERENÇA. OMISSÃO RECONHECIDA. PERÍODO CONSIDERADO ESPECIAL. TEMPO INSUFICIENTE PARA APOSENTADORIA ESPECIAL. MANTIDA AVERBAÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. RECURSO DA PARTE AUTORA PROVIDO. EFEITOS INFRINGENTES. 1 - Pela dicção do art. 1.022, I e II, do Código de Processo Civil, os embargos de declaração são o recurso próprio para esclarecer obscuridade, dúvida, contradição ou omissão de ponto que o magistrado ou o Tribunal deveria se manifestar. 2 - Procede a insurgência do demandante quanto à ausência de manifestação acerca dos agentes químicos qualitativos tidos como cancerígenos. 3 - Pretende a parte autora o reconhecimento da especialidade no interstício de 06/03/1997 a 09/11/2007 e a conversão dos períodos comuns, de 06/07/1976 a 23/04/1977 e de 27/05/1977 a 31/01/1985, em tempo especial com fator de redução 0,71. 4 - Para comprovar a especialidade de 06/03/1997 a 09/11/2007, laborado na empresa "Basf S/A", como "coordenador de controle cores", "químico" e "colorista I", anexou aos autos Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP (ID 106183083 - Pág. 68/75 e ID 106178056 - Pág. 27/34), no qual consta a exposição aos seguintes fatores de risco: de 06/03/1997 a 21/09/1999: agentes químicos "nafta VM & P, tolueno, butanol, metil, isobutil, cetona, isobutanol, etil benzeno, acetato de butila, acetato de etil glicol, xileno, metil étil cetona", ruído de 84dB(A); de 22/09/1999 a 31/08/2001: agentes químicos "aguarrás, tolueno, acetato de butila, isobutanol, butanol"; de 1º/09/2001 a 09/11/2007: agentes químicos "butanol, isobutanol, etil benzeno, aguarrás, acetato de etila, nafta VM & P, xileno, acetato de butila, tolueno", e ruído 80,8dB(A). 5 - Possível o reconhecimento da especialidade de todo o período vindicado (06/03/1997 a 09/11/2007), pelos agentes químicos previstos no item 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64 e item 1.2.10 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79. 6 - De acordo com o §4º do art. 68 do Decreto nº 8.123/13, que deu nova redação ao Decreto 3.048/99, a sujeição a substâncias químicas com potencial cancerígeno autoriza a contagem especial, sem que interfira, neste ponto, a concentração verificada. Irrelevante, desta forma, se houve uso de equipamentos de proteção. E segundo ensinamentos químicos, os hidrocarbonetos aromáticos contêm em sua composição o benzeno, substância listada como cancerígena na NR-15 do Ministério do Trabalho (anexo nº 13-A). Precedentes. 7 - Somando-se a atividade especial ora reconhecida ao tempo assim já considerado pelo INSS (1º/02/1985 a 05/03/1997), verifica-se que o autor alcançou 22 anos, 09 meses e 09 dias de serviço especial, na data do requerimento administrativo (09/11/2007), tempo insuficiente para a concessão da aposentadoria pleiteada na inicial, restando improcedente a demanda quanto à conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial. 8 - De toda sorte, fica reconhecida a especialidade do labor no período de 06/03/1997 a 09/11/2007, devendo o INSS proceder à sua respectiva averbação. 9 - Por conseguinte, fixada a sucumbência recíproca e considerados os honorários advocatícios por compensados entre as partes, nos termos do art. 21 do CPC/1973, vigente à época da prolação da sentença, deixando de condenar qualquer delas no reembolso das custas e despesas processuais, por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita e o INSS isento daquelas. 10 - Embargos de declaração da parte autora providos. Efeitos infringentes." (TRF3, APELAÇÃO CÍVEL, ApCiv 0004521-30.2014.4.03.6126, Relator: Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, 7ª Turma, e - DJF3 Judicial 1)
Cumpre consignar que a controvérsia a respeito da possibilidade de cômputo do período de auxílio-doença como tempo de serviço especial encontra-se pacificada, haja vista a tese firmada no Tema Repetitivo n. 998 do STJ, de que “o segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial” (STJ, REsp 1723181/RS e REsp 1759098/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/06/2019, DJe 01/08/2019).
Em síntese, a totalidade dos intervalos pleiteados merece ser enquadrada como especial (de 6/3/1997 a 31/12/2003, de 1º/1/2004 a 31/5/2004, de 1º/6/2004 a 2/1/2005, de 1º/5/2006 a 30/4/2008 e de 1º/9/2008 a 30/6/2013).
Da Aposentadoria Especial
Somados os lapsos especiais reconhecidos administrativamente e judicialmente, a parte autora reúne mais de 25 (vinte e cinco) anos de trabalho em condições deletérias e, desse modo, faz jus à convolação do benefício (NB 177.438.427-0) em aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
Nesse sentido, confira-se a seguinte apuração:
Ademais, deve ser observada a incompatibilidade de continuidade do exercício em atividade especial, sob pena de cessação da aposentadoria especial, na forma do artigo 57, § 8º, da Lei n. 8.213/1991 e nos termos do julgamento do Tema 709 do STF.
O termo inicial dos efeitos financeiros da revisão do benefício deve ser a data do requerimento administrativo (DER 18/6/2017), porquanto os elementos apresentados naquele momento já permitiam o cômputo dos períodos reconhecidos nestes autos.
Em relação à prescrição quinquenal, esta não se aplica ao caso concreto, por não ter decorrido, entre o requerimento na via administrativa e o ajuizamento desta ação, período superior a 5 (cinco) anos. Nesse sentido: TRF 3ª R; AC n. 2004.61.83.001529-8/SP; 7ª Turma; Rel. Des. Fed. Walter do Amaral; J. 17/12/2007; DJU 8/2/2008, p. 2072.
Sobre atualização do débito e compensação da mora, até o mês anterior à promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, há de ser adotado o seguinte:
(i) a correção monetária deve ser aplicada nos termos da Lei n. 6.899/1981 e da legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal;
(ii) os juros moratórios devem ser contados da citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a vigência do CC/2002 (11/1/2003), quando esse percentual foi elevado a 1% (um por cento) ao mês, utilizando-se, a partir de julho de 2009, a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE n. 870.947), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n. 579.431.
Contudo, desde o mês de promulgação da Emenda Constitucional n. 113, de 8/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.
Invertida a sucumbência, condeno o INSS a pagar honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, computando-se o valor das parcelas vencidas até a data deste acórdão, já aplicada a sucumbência recursal pelo aumento da base de cálculo (acórdão em vez de sentença), consoante critérios do artigo 85 do CPC e Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
Sobre as custas processuais, no Estado de São Paulo, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto nas Leis Federais n. 6.032/1974, 8.620/1993 e 9.289/1996, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/1985 e 11.608/2003. Contudo, essa isenção não a exime do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Dispositivo
Diante do exposto, acolho a matéria preliminar para conceder a justiça gratuita, sem efeitos retroativos e, no mérito, dou provimento à apelação da parte autora para, nos termos da fundamentação supra: (i) enquadrar como atividade especial os intervalos de 6/3/1997 a 31/12/2003, de 1º/1/2004 a 31/5/2004, de 1º/6/2004 a 2/1/2005, de 1º/5/2006 a 30/4/2008 e de 1º/9/2008 a 30/6/2013; (ii) determinar a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição (NB 177.438.427-0) em aposentadoria especial, desde a data do requerimento administrativo (DER 18/6/2017); (iii) estabelecer a forma de incidência dos consectários legais.
É o voto.
| Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 5012540-45.2023.4.03.6183 |
| Requerente: | ARNALDO DE SOUZA CARVALHO |
| Requerido: | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. JUSTIÇA GRATUITA. CONCESSÃO SEM EFEITOS RETROATIVOS. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. AGENTES QUÍMICOS CANCERÍGENOS E RUÍDO. CONVERSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. RECURSO PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
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Ação ajuizada contra o INSS visando ao reconhecimento de tempo de serviço especial para conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, ou, subsidiariamente, à revisão da RMI. Sentença de improcedência. Recurso da parte autora com pedido de concessão de justiça gratuita e reconhecimento dos períodos laborados sob condições insalubres.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
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Há duas questões em discussão:
(i) definir se estão preenchidos os requisitos para a concessão da justiça gratuita; (ii) verificar se a exposição a agentes nocivos caracteriza tempo de serviço especial apto à conversão do benefício previdenciário.
III. RAZÕES DE DECIDIR
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Demonstrada a redução da capacidade financeira do segurado, é devida a concessão da gratuidade, sem efeitos retroativos.
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O uso de EPI só afasta a especialidade se comprovadamente eficaz, conforme os Temas n. 555 do STF e n. 1.090 do STJ.
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A exposição habitual a agentes químicos cancerígenos e a ruído acima dos limites legais enseja o reconhecimento do tempo especial, sendo irrelevante o uso de EPI.
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Comprovado o tempo suficiente de atividade especial, é devida a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 da Lei n. 8.213/1991.
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Os efeitos financeiros retroagem à data do requerimento administrativo, porquanto os elementos apresentados naquele momento já permitiam o cômputo dos períodos reconhecidos nestes autos.
IV. DISPOSITIVO E TESE
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Matéria preliminar acolhida para conceder os benefícios da justiça gratuita, sem efeitos retroativos. Recurso provido.
Tese de julgamento:
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A concessão da justiça gratuita pode ocorrer em grau recursal, sem efeitos retroativos.
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A exposição habitual a agentes químicos cancerígenos e a ruído acima dos limites legais caracteriza tempo de serviço especial, independentemente da utilização de EPI.
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O segurado que totaliza 25 anos de labor especial tem direito à aposentadoria especial, conforme artigo 57 da Lei n. 8.213/1991.
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, artigos 5º, LXXIV, e 195, § 5º; Lei 8.213/1991, artigos 57 e 58; Lei 8.212/1991, artigo 30, I; CPC, artigos 98 e 99, § 3º; EC 103/2019, artigo 25, § 2º; EC 113/2021, artigo 3º.
Jurisprudência relevante citada: STF, Tema 555 (ARE 664.335); STF, Tema 709 (RE 791.961); STJ, Temas 422, 546, 694, 998 e 1.090; STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 1552867/SP, Rel. Min. Marco Buzzi; TRF3, ApCiv 5002065-92.2023.4.03.6130; TRF3, ApCiv 5000928-09.2021.4.03.6110; TRF3, ApCiv 5004571-87.2021.4.03.6105.
ACÓRDÃO
Desembargadora Federal
