
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0041666-73.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARIA NEIDE DA SILVA XAVIER
Advogado do(a) APELANTE: REGIS FERNANDO HIGINO MEDEIROS - SP201984-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0041666-73.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARIA NEIDE DA SILVA XAVIER
Advogado do(a) APELANTE: REGIS FERNANDO HIGINO MEDEIROS - SP201984-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal.
A sentença, prolatada em 05.07.2016, julgou improcedente o pedido ante o não preenchimento do requisito de miserabilidade imprescindível para a concessão do benefício. Condenou-a ao pagamento de honorários de advogado fixados em R$ 800,00 (oitocentos reais), cuja exigibilidade ficou suspensa ante a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita.
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a concessão do benefício, eis que não tem condição de prover a sua própria subsistência ou tê-la provida pela sua família.
Sem contrarrazões do INSS, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0041666-73.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARIA NEIDE DA SILVA XAVIER
Advogado do(a) APELANTE: REGIS FERNANDO HIGINO MEDEIROS - SP201984-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a concessão do benefício.
Confira-se:
“Com efeito, muito embora o estudo social acostado aos autos (fls. 54/63 e 126/133) demonstre a carência material da autora e suas dificuldades financeiras, os rendimentos do grupo familiar superam o limite de 1/4 (um quarto) do salário-mínimo por pessoa, tornando incompatível a concessão do benefício pretendido, uma vez que dispõe de condições para manter sua subsistência, tendo em vista que a renda familiar perfaz o montante de R$ 1680,00, referente a aposentadoria do seu marido, os rendimentos do trabalho dos seus dois filhos, e a pensão de seu neto, menor de idade. Ainda, em que pese o laudo pericial de fls. 68/93 tenha sido categórico em afirmar a incapacidade total para as atividades laborativas da autora, nenhum benefício lhe é devido, uma vez que falta o preenchimento cumulativo dos requisitos legais do benefício pretendido.”
De fato, o estudo social (ID 87819177 – pag. 57/64), elaborado em 20.11.2014, revela que a parte autora reside com seu marido, dois filhos maiores de idade (solteiros) e um neto em imóvel cedido, de alvenaria, com dois quartos, sala, cozinha, banheiro e garagem em regular estado de conservação.
No que concerne a renda da casa informaram que:
- o marido da parte autora recebe aposentadoria no valor de um salário mínimo (R$ 720,00);
- o filho iniciou trabalho mas não souberam informar o valor por ele auferido;
- a filha trabalha como autônoma e aufere cerca de R$ 200,00/mês;
Relataram despesas com energia elétrica (R$46,00), água (R$ 32,00), medicamentos (R$ 80,00), gás (R$ 40,00), credito celular (R$ 15,00), roupas (R$ 100,00), transporte (R$ 20,00), plano funerário (R$ 27,00), alimentação (R$ 350,00), prod. de hig. e limpeza (R$ 50,00), perfazendo total de R$ 760,00.
A perita emitiu parecer nos termos que seguem: “PARECER TÉCNICO SOCIAL - - Família está residindo em parte de imóvel cedida por um parente, após o desmoronamento da casa onde residiam. Alguns móveis encontram-se desmontados, por não ter onde colocá-los. Relata que a família negociou com um construtor, que este ficará com a metade do terreno onde existia a casa que residiam e em contrapartida construirá uma casa na outra metade do terreno para a família. Requerente apresenta dificuldade a deambulação, devido a sequela de poliomielite e também da cirurgia de fêmur e fortes dores nas articulações. Filha da Autora faz tratamento para depressão, estando desempregada há quatro anos, não conseguindo emprego regular devido ao quadro mental que apresenta. Filho iniciou trabalho esta semana, estando ainda em contrato de experiência. Neto não recebe pensão alimentícia. Enfim, família sobrevive basicamente com a aposentadoria (salário mínimo) de seu esposo.”
Novo laudo social foi elaborado em 11.04.2016 (ID 87819177 – pág. 129/134), na qual apurou-se que a composição familiar continua a mesma, mas que o grupo estava residindo em imóvel próprio, recém construído (a edificação foi realizada por construtor em troca de metade do terreno). Trata-se construção de alvenaria, semiacabada, com laje e piso de cerâmica, três quartos, sala, cozinha, banheiro, área de serviço e garagem, em bom estado de conservação. A casa está adequadamente guarnecida com móveis e eletrodomésticos.
Quanto à renda familiar consta que:
- os filhos da autora exercem atividade autônoma trabalhado em casa (para confecção de enfeites para calçados) auferindo em média R$ 700,00/mês;
- o marido da autora recebe aposentadoria no valor de um salário mínimo (R$ 880,00);
- o neto da autora recebe cerca de R$ 100,00/mês a título de pensão alimentícia;
Verifica-se, portanto, que o grupo perfaz cerca de R$ 1.680,00/mês.
Relataram despesas com energia elétrica (R$ 250,00), água (R$ 40,00), empréstimo bancário (R$ 280,00), medicamentos (R$ 50,00), gás (R$ 55,00), crédito celular (R$ 10,00), roupas (R$ 50,00), cabelereiro (R$ 50,00), transporte (R$ 50,00), plano funerário (R$ 30,00), alimentação (R$ 400,00) e prod. de hig. e limpeza (R$ 80,00), perfazendo total de R$ 1.345,00.
Consta ainda que a autora realiza tratamento médico pelo SUS.
A Expert emitiu parecer nos termos que seguem: “PARECER TÉCNICO SOCIAL: No momento da visita, encontravam se na residência todos os membros da família. Requerente encontra-se com humor deprimido e em repouso, devido a retirada de uma das mamas (esquerda) em fevereiro deste ano e a indisposição em consequência das sessões de quimioterapia, deixando-a debilitada fisicamente. Necessita de auxilio de terceiros para os cuidados em geral, pois também apresenta dificuldade a deambulação devido a sequelas da poliomielite e problemas de coluna. Filha da paciente (Alessandra) a está acompanhando nas consultas, tratamento e internação, portanto tem trabalhado muito pouco (Autônoma), diminuindo a renda familiar.”
Em que pese o delicado estado de saúde da autora, apura-se que vive em casa própria que oferece o abrigo necessário, e que o grupo conta com elementos jovens e aptos ao trabalho.
Depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas e, nesse sentido, ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
