Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5002121-71.2017.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
01/06/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/06/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AUXÍLIO DOENÇA/APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. TRABALHADOR RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP. INVERSÃO DO
ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. Conforme entendimento firmando nos tribunais superiores, a ausência de prova material apta a
comprovar o exercício da atividade rural caracteriza carência de pressuposto de constituição e
desenvolvimento válido do processo a ensejar a extinção da ação sem exame do mérito
2. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98
do CPC/2015.
3. De ofício, processo extinto sem resolução de mérito. Apelação do INSS prejudicada.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002121-71.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELADO: EUDOXIO FRANCO RODRIGUES
Advogado do(a) APELADO: ECLAIR SOCORRO NANTES VIEIRA - MS8332-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002121-71.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: EUDOXIO FRANCO RODRIGUES
Advogado do(a) APELADO: ECLAIR SOCORRO NANTES VIEIRA - MS8332-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou benefício
previdenciário de auxílio doença.
A sentença prolatada em 01/06/2015, declarada em 07/07/2015, julgou procedente o pedido, para
condenar o INSS ao pagamento de aposentadoria por invalidez, a partir do indeferimento
administrativo (14/09/2012). As parcelas em atraso serão acrescidas e juros de mora e correção
monetária, nos termos da Lei nº 11.960/2009 a partir de 29/06/2009. Honorários advocatícios
fixados em 10% do valor das parcelas vencidas até a sentença. Concedeu a tutela antecipada.
Apela a autarquia sustenta, em síntese, que não restou demonstrados os requisitos para
concessão do benefício. Subsidiariamente, requer a alteração do termo inicial para a data da
juntada do laudo.
Com contrarrazões da parte autora, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002121-71.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: EUDOXIO FRANCO RODRIGUES
Advogado do(a) APELADO: ECLAIR SOCORRO NANTES VIEIRA - MS8332-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
A Lei nº 8.213/91, no artigo 42, estabelece os requisitos necessários para a concessão do
benefício de aposentadoria por invalidez, quais sejam: qualidade de segurado, cumprimento da
carência, quando exigida, e moléstia incapacitante e insuscetível de reabilitação para atividade
que lhe garanta a subsistência. O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos
nos artigos 59 a 63 da Lei nº 8.213/91, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária
se impossibilitar o exercício do labor ou da atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias pelo
segurado.
A condição de segurado (obrigatório ou facultativo) decorre da inscrição no regime de previdência
pública, cumulada com o recolhimento das contribuições correspondentes.
O artigo 15 da Lei nº 8.213/91 dispõe sobre as hipóteses de manutenção da qualidade de
segurado, independentemente de contribuições; trata-se do denominado período de graça,
durante o qual remanesce o direito a toda a cobertura previdenciária. Também é considerado
segurado aquele que trabalhava, mas ficou impossibilitado de recolher contribuições
previdenciárias em razão de doença incapacitante.
Nesse passo, acresça-se que no que toca à prorrogação do período de graça ao trabalhador
desempregado, não obstante a redação do §2º do artigo 15 da Lei nº. 8.213/1991 mencionar a
necessidade de registro perante o Ministério do Trabalho e da Previdência Social para tanto, o
Superior Tribunal de Justiça, em sede de Incidente de Uniformização de Interpretação de Lei
Federal (Pet. 7.115), firmou entendimento no sentido de que a ausência desse registro poderá ser
suprida quando outras provas constantes dos autos, inclusive a testemunhal, se revelarem aptas
a comprovar a situação de desemprego.
A perda da qualidade de segurado está disciplinada no §4º desse dispositivo legal, ocorrendo no
dia seguinte ao do término do prazo para recolhimento da contribuição referente ao mês de
competência imediatamente posterior ao final dos prazos para manutenção da qualidade de
segurado.
Depreende-se, assim, que o segurado mantém essa qualidade por mais um mês e meio após o
término do período de graça, independente de contribuição, mantendo para si e para os seus
dependentes o direito aos benefícios previdenciários.
Anote-se que a eventual inadimplência das obrigações trabalhistas e previdenciárias acerca do
tempo trabalhado como empregado deve ser imputada ao empregador, responsável tributário,
conforme preconizado na alínea a do inciso I do artigo 30 da Lei nº 8.213/91, não sendo cabível a
punição do empregado urbano pela ausência de recolhimentos, computando-se, assim, o período
laborado para fins de verificação da qualidade de segurado.
Acresça-se, também, que será garantida a condição de segurado ao trabalhador rural que não
tiver vínculo de emprego devidamente registrado em CTPS desde que comprovado o labor
mediante ao menos início de prova documental, consoante estabelecido na Súmula nº 149 do
STJ: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para
efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Não se exige que a prova material se estenda por todo o período de carência, mas é
imprescindível que a prova testemunhal faça referência à época em que foi constituído o
documento. (AR 4.094/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 26/09/2012, DJe 08/10/2012).
Também é pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos
trabalhadores rurais, admitir a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou
companheira, bem como da filha solteira residente na casa paterna. (REsp 707.846/CE, Rel. Min.
LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ de 14/3/2005)
Por fim, quanto à carência, exige-se o cumprimento de 12 (doze) contribuições mensais para a
concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, conforme prescreve a Lei n.º
8.213/91, em seu artigo 25, inciso I, in verbis: "Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias
do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado
o disposto no art. 26:I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições
mensais;".
No caso concreto.
O autor, trabalhador rural, 58 anos de idade no momento da perícia médica, afirma que foi
acometido por aneurisma cerebral, estando incapacitado para o trabalho.
Para demonstrar sua condição de trabalhador rural a parte autora carreou aos autos os seguintes
documentos:
- certidão emitida pelo INCRA, em 01/11/2007, informando que o autor e sua companheira são
assentados no PA Eldorado (Lote nº 509, com área de 8,000 ha), no município de Sidrolândia,
onde desenvolvem atividades rurais em regime de economia familiar, desde 28/09/2005;
- comprovante de inscrição no cadastro da agropecuária, da Secretaria de Estado de Fazenda do
Mato Grosso do Sul, em nome do autor.
Não foram ouvidas testemunhas.
Os documentos apresentados poderiam servir, a princípio, como início de prova material.
No entanto, não há nos autos qualquer documento que indique o labor rural, ou mesmo urbano no
momento do surgimento da incapacidade para o trabalho apurado na perícia médica judicial.
A aferição da qualidade de segurado na condição de trabalhador rural, desguarnecida da devida
contribuição previdenciária, requer um robusto conjunto probatório harmônico e coerente que não
se afigura neste feito. A prova testemunhal, ainda que produzida, por si só, não tem o condão de
demonstrar o labor rural.
Tendo em vista que o conjunto probatório foi insuficiente para a comprovação da atividade rural
pelo período necessário, de acordo com a técnica processual vigente, de rigor seria a
improcedência da ação.
Entretanto, o entendimento atual do STJ, expresso no Recurso Especial n. 1352721/SP,
processado sob o rito dos recursos repetitivos, é no sentido de que a ausência de prova no
processo previdenciário, no qual se pleiteia benefícios previdenciário para rurícolas, implica em
extinção do processo sem resolução de mérito, proporcionando ao trabalhador rural a
possibilidade de ingressar com nova ação caso obtenha início de prova material suficiente à
concessão do benefício pleiteado.
Confira-se:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR
IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA
ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E
DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO
DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS
ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU
DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus
procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas
previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta
os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social
adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da
Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência
Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a
parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização
dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica
previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as
normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação
previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística
civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar
prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas
demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual
garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir
como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo
certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente
dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura
previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela
via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do
CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo,
impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente
possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos
necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido."
Portanto, considerando o entendimento atual do STJ exarado em sede de recurso repetitivo, em
que pese a posição contrária deste relator o processo deve ser extinto sem resolução do mérito.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, de acordo com o
§6º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência
judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98
do Código de Processo Civil/2015.
Revogo a antecipação de tutela anteriormente concedida. A questão referente à eventual
devolução dos valores recebidos a este título deverá ser analisada e decidida por eventual juiz de
execução, nos termos do artigo 302, I, e parágrafo único, do CPC/2015, e de acordo com o que
restar decidido no julgamento do Tema 692, pelo C. Superior Tribunal de Justiça.
Diante do exposto, DE OFÍCIO, JULGO EXTINTO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE
MÉRITO, nos termos do artigo 485, IV, do CPC/2015, ante a ausência de início de prova material
do labor rural (REsp 1352721/SP), restando PREJUDICADAA APELAÇÃO DOINSS.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AUXÍLIO DOENÇA/APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. TRABALHADOR RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP. INVERSÃO DO
ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. Conforme entendimento firmando nos tribunais superiores, a ausência de prova material apta a
comprovar o exercício da atividade rural caracteriza carência de pressuposto de constituição e
desenvolvimento válido do processo a ensejar a extinção da ação sem exame do mérito
2. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98
do CPC/2015.
3. De ofício, processo extinto sem resolução de mérito. Apelação do INSS prejudicada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu, de ofício, julgar extinto o processo sem resolução do mérito, restando
prejudicado o apelo do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
