
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001791-28.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ROSALINA DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES - SP111577-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001791-28.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ROSALINA DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES - MS11078-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício previdenciário de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez a trabalhadora rural segurada especial a partir do requerimento administrativo, 26/01/2015.
A sentença proferida 16/05/2017 julgou procedente o pedido e condenou o INSS ao conceder à autora o benefício de aposentadoria por invalidez rural a partir do requerimento administrativo, com o pagamento dos valores em atraso acrescidos de correção monetária pelo IPCA-E e juros de mora nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação da Lei nº 11.960/09, condenando ainda ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a sentença (S. 111/STJ). Foi concedida a tutela antecipada para a imediata implantação do benefício. Dispensado o reexame necessário.
Apela o INSS, sustentando a improcedência do pedido, eis que não preenchido o requisito de qualidade de segurado, ante a ausência de início de prova material do labor rural da parte autora, de forma que não comprovada a qualidade de segurado da previdência social. Subsidiariamente, pede que a correção monetária incida nos termos d Lei nº 11.960/09 e que a DIB seja fixada na data da citação.
Com contrarrazões.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001791-28.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ROSALINA DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: LUZIA GUERRA DE OLIVEIRA RODRIGUES GOMES - MS11078-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos de apelação.
A Lei nº 8.213/91, no artigo 42, estabelece os requisitos necessários para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, quais sejam: qualidade de segurado, cumprimento da carência, quando exigida, e moléstia incapacitante e insuscetível de reabilitação para atividade que lhe garanta a subsistência. O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos artigos 59 a 63 da Lei nº 8.213/91, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária, se impossibilitar o exercício do labor ou da atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias pelo segurado.
A condição de segurado (obrigatório ou facultativo) decorre da inscrição no regime de previdência pública, cumulada com o recolhimento das contribuições correspondentes.
O artigo 15 da Lei nº 8.213/91 dispõe sobre as hipóteses de manutenção da qualidade de segurado, independentemente de contribuições; trata-se do denominado período de graça, durante o qual remanesce o direito a toda a cobertura previdenciária. Também é considerado segurado aquele que trabalhava, mas ficou impossibilitado de recolher contribuições previdenciárias em razão de doença incapacitante.
Nesse passo, acresça-se que no que toca à prorrogação do período de graça ao trabalhador desempregado, não obstante a redação do §2º do artigo 15 da Lei nº. 8.213/1991 mencionar a necessidade de registro perante o Ministério do Trabalho e da Previdência Social para tanto, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de Incidente de Uniformização de Interpretação de Lei Federal (Pet. 7.115), firmou entendimento no sentido de que a ausência desse registro poderá ser suprida quando outras provas constantes dos autos, inclusive a testemunhal, se revelarem aptas a comprovar a situação de desemprego.
A perda da qualidade de segurado está disciplinada no §4º desse dispositivo legal, ocorrendo no dia seguinte ao do término do prazo para recolhimento da contribuição referente ao mês de competência imediatamente posterior ao final dos prazos para manutenção da qualidade de segurado.
Depreende-se, assim, que o segurado mantém essa qualidade por mais um mês e meio após o término do período de graça, independente de contribuição, mantendo para si e para os seus dependentes o direito aos benefícios previdenciários.
Anote-se que a eventual inadimplência das obrigações trabalhistas e previdenciárias acerca do tempo trabalhado como empregado deve ser imputada ao empregador, responsável tributário, conforme preconizado na alínea a do inciso I do artigo 30 da Lei nº 8.213/91, não sendo cabível a punição do empregado urbano pela ausência de recolhimentos, computando-se, assim, o período laborado para fins de verificação da qualidade de segurado.
Acresça-se, também, que será garantida a condição de segurado ao trabalhador rural que não tiver vínculo de emprego devidamente registrado em CTPS desde que comprovado o labor mediante ao menos início de prova documental, consoante estabelecido na Súmula nº 149 do STJ: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Não se exige que a prova material se estenda por todo o período de carência, mas é imprescindível que a prova testemunhal faça referência à época em que foi constituído o documento. (AR 4.094/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/09/2012, DJe 08/10/2012).
Também é pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos trabalhadores rurais, admitir a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou companheira, bem como da filha solteira residente na casa paterna. (REsp 707.846/CE, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ de 14/3/2005)
Por fim, quanto à carência, exige-se o cumprimento de 12 (doze) contribuições mensais para a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, conforme prescreve a Lei n.º 8.213/91, em seu artigo 25, inciso I, in verbis: "Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;".
No caso dos autos.
A devolução veiculada no recurso ficou limitada à questão da qualidade de trabalhadora rural segurada especial da autora.
A sentença proferida em audiência julgou procedente o pedido inicial, reconhecendo a condição de trabalhadora rural segurada especial da autora nos termos seguintes:
“ No que concerne à qualidade de segurado e ao período de carência, fez prova a CTPS da autora ( pg 33/39), certidão de nascimento (pág. 40) e CTPS do companheiro da autora (págs. 44/63). Estes documentos comprovam o exercício de trabalho rural da autora até a perda de sua capacidade laboral. Por sua vez, a prova oral contribuiu para alargar a eficácia probatória dos documentos juntados, confirmando o exercício da atividade rural por parte da autora. Em depoimento pessoal a autora disse que é lavradora e parou de trabalhar há um ano. Começou a trabalhar no campo com 7 anos de idade, juntamente com seus pais . É casada e seu marido trabalha na usina, na função de serviços gerais, é empregado registrado. Moravam no sitio Tem filhos Seus filhos não trabalham no campo Trabalhava de empregado nas propriedades rurais. Parou de trabalhar em razão de problemas de saúde. Trabalhou no “Rossen" quebrando milho, no circo Arco-íris.Trabalhava por dia. Morava no sítio Arco-iris. Atualmente reside na cidade, há três anos. Moram em casa própria, da Cohab. Tem duas filhas.Uma das filhas é casada e não mora com ela. A outra tem 12 anos. Já a testemunha Deuzélia Cordeiro Teixeira Bregantin disse que conhece a autora há trinta anos. Quando a conheceu a autora trabalhava na roça, colhia milho, arroz, feijão, serviços gerais. A autora era diarista.Conheceu a autora quando ela trabalhava na Fazenda de propriedade do Valdir. Trabalhou na Fazenda do Rossen, e do Eide. A autora morava nas propriedades. Presenciou a autora trabalhando no campo. Atualmente a autora não trabalha em razão de problemas de saúde.Depois que a autora mudou-se da última propriedade rural para a cidade de Nova Canaã Paulista,ela ainda trabalhou na roça. A autora parou de trabalhar há um ano. Já trabalhou com a autora na roça. Trabalhou com a autora pela última vez faz 10 sisos. Mas depois disso a autora continuou trabalhando. Por fim, a testemunha Donizete Abdon dos Reis disse que conhece a autora desde o ano de 1986, quando a família dela foi meeira no sítio do seu pai, plantando café. Após, foram para a Fazenda de propriedade do Rossen e depois para a propriedade do Bertão, Sítio Arco -iria,no Município de Nova Canaã. Presenciou a autora trabalhando. Após, a autora mudou-se para a cidade de Nova Canaã Paulista. Sabe que a autora parou de trabalhar há um ano e meio em razão de problemas de saúde. Presenciou a autora trabalhando pela última vez há um ano e meio, Fazenda Arco-iris. Destarte, perfaz de rigor a procedência do pedido.
No entanto, entendo não ter restado comprovada a qualidade de segurado especial do autor.
Para demonstrar sua condição de trabalhador rural segurado especial, a autora carreou aos autos:
- cópia de sua CTPS contendo anotações de dois vínculos laborais, um como trabalhadora em estabelecimento agropecuário como serviços gerais de 19/04/1989 a 10/04/90, e o segundo como empregada doméstica no período de 01/01/2003 a 30/11/2003 ; j
- cópia da certidão de nascimento da filha, ocorrido em 2005, da qual consta a condição do pai, José Tereza Silva, de lavrador,residindo no sítio Arco-íris;
- cópia da CTPS de seu companheiro, José Tereza Silva, contendo anotações de vínculos de natureza urbana e rural a partir da década de 80, sendo o último deles como auxiliar de serviços gerais em estabelecimento rural de produção de álcool, com admissão em 2013 e sem anotação de saída.
A perícia médica judicial, realizada em 31/10/2016, constatou encontrar-se a autora acometida de lumbago com ciática, fibromialgia e osteoartose de mãos, fixada a data de início das doenças no ano de 2012 e data de início da incapacidade um ano antes do exame, concluindo pela existência de incapacidade parcial e definitiva, com possibilidade de reabilitação profissional.
Também foram ouvidas duas testemunhas que relataram o labor rural da autora.
Em que pese o teor da prova testemunhal, verifica-se a ausência de início de prova material em período anterior ao início da incapacidade laboral ora apurada (2015).
As cópias da CTPS da autora não fazem prova da condição da autora de trabalhadora rural segurada especial, mas demonstram que a autora manteve a qualidade de segurada da Previdência Social até o mês de janeiro de 2005, de forma que já cessado o período de graça por ocasião do início da incapacidade fixada no laudo pericial.
A certidão de nascimento apresentada não é contemporânea ao período de carência do benefício.
Quanto ao companheiro, trata-se de trabalhador segurado obrigatório da Previdência Social, com vínculo laboral em empresa rural, qualificação não extensível à autora como meio de prova de labor rural como segurada especial.
Não comprovado o labor rural no período de carência do benefício, de rigor a improcedência da ação.
Tendo em vista que o conjunto probatório foi insuficiente para a comprovação da atividade rural pelo período necessário, de acordo com a técnica processual vigente, de rigor seria a improcedência da ação.
Entretanto, o entendimento atual do STJ, expresso no Recurso Especial n. 1352721/SP, processado sob o rito dos recursos repetitivos, é no sentido de que a ausência de prova no processo previdenciário, no qual se pleiteia benefícios previdenciário para rurícolas, implica em extinção do processo sem resolução de mérito, proporcionando ao trabalhador rural a possibilidade de ingressar com nova ação caso obtenha início de prova material suficiente à concessão do benefício pleiteado.
Confira-se:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido."
Portanto, considerando o entendimento atual do STJ exarado em sede de recurso repetitivo, em que pese a posição contrária deste relator o processo deve ser extinto sem resolução do mérito.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado, que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §8º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Diante do exposto, de ofício, julgo extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, IV, do CPC/2015, ante a insuficiência de início de prova material do labor rural (REsp 1352721/SP), restando prejudicada a apelação do INSS.
Revogo a antecipação de tutela anteriormente concedida. A questão referente à eventual devolução dos valores recebidos a este título deverá ser analisada e decidida em sede de execução, nos termos do artigo 302, I, e parágrafo único, do CPC/2015, e de acordo com o que restar decidido no julgamento do Tema 692, pelo C. Superior Tribunal de Justiça.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AUXÍLIO DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TRABALHADOR RURAL SEGURADO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL DO LABOR RURAL EM PERÍODO ANTERIOR AO INÍCIO DA INCAPACIDADE. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. Conforme entendimento firmando nos tribunais superiores, a ausência de prova material apta a comprovar o exercício da atividade rural caracteriza carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo a ensejar a extinção da ação sem exame do mérito
2. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98 do CPC/2015.
3. De ofício, processo extinto sem resolução de mérito. Apelação do INSS prejudicada. Tutela revogada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu de ofício, julgar extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 485, IV, do CPC/2015, ante a insuficiência de início de prova material do labor rural (REsp 1352721/SP), restando prejudicada a apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
