Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5085265-69.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
30/09/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 02/10/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AUXÍLIO DOENÇA/APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. TRABALHADOR RURAL SEGURADO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE
PROVA MATERIAL. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RESP REPETITIVO
1352721/SP.
1. Nos termos do art. 25, I, da Lei de Benefícios, deveria comprovar o exercício de atividade rural
nos 12 meses anteriores à situação de incapacidade.
2. Não merece reparos a sentença, pois não houve a produção de início de prova material apto a
comprovar a condição da parte autora de trabalhador rural segurado especial durante o período
de carência do benefício e contemporâneo ao requerimento do benefício e a conseqüente
inaptidão laboral em decorrência da patologia cardíaca apresentada.
3. Conforme entendimento firmando nos tribunais superiores, a ausência de prova material apta a
comprovar o exercício da atividade rural caracteriza carência de pressuposto de constituição e
desenvolvimento válido do processo a ensejar a extinção da ação sem exame do mérito
5. De ofício, processo extinto sem resolução de mérito. Apelação da autora prejudicada.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5085265-69.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARCOS ANTONIO FIORI
Advogados do(a) APELANTE: ANTONIO GUERCHE FILHO - SP112769-N, VALDEMAR GULLO
JUNIOR - SP302886-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5085265-69.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARCOS ANTONIO FIORI
Advogados do(a) APELANTE: ANTONIO GUERCHE FILHO - SP112769-N, VALDEMAR GULLO
JUNIOR - SP302886-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício de aposentadoria por invalidez, auxílio-
acidente ou auxílio-doença a partir da alta médica ocorrida em 24/08/2017.
A sentença julgou improcedente o pedido, reconhecendo não ter sido comprovada a incapacidade
para o trabalho, por se encontrar apto para sua atividade laboral habitual, que não demanda
esforço físico, conforme conclusão no laudo médico pericial. Condenou o autor em honorários
advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, observada a gratuidade concedida.
Apela a parte autora, sustentando o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício
de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez postulados, a partir da alta médica ocorrida em
23.08.2017, sustentando sua filiação como trabalhador rural segurado especial, invocando a
situação socioeconômica para a concessão do benefício.
Sem contrarrazões.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5085265-69.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARCOS ANTONIO FIORI
Advogados do(a) APELANTE: ANTONIO GUERCHE FILHO - SP112769-N, VALDEMAR GULLO
JUNIOR - SP302886-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
A Lei nº 8.213/91, no artigo 42, estabelece os requisitos necessários para a concessão do
benefício de aposentadoria por invalidez, quais sejam: qualidade de segurado, cumprimento da
carência, quando exigida, e moléstia incapacitante e insuscetível de reabilitação para atividade
que lhe garanta a subsistência. O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos
nos artigos 59 a 63 da Lei nº 8.213/91, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
É dizer: a incapacidade total e permanente para o exercício de atividade que garanta a
subsistência enseja a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez; a incapacidade
total e temporária para o exercício de atividade que garanta a subsistência justifica a concessão
do benefício de auxílio-doença e a incapacidade parcial e temporária somente legitima a
concessão do benefício de auxílio-doença se impossibilitar o exercício do labor ou da atividade
habitual por mais de 15 (quinze) dias pelo segurado.
O conceito de segurado especial é dado pelo artigo 11, inciso VII, da Lei n.º 8.213/91. A Lei n.º
11.718, de 20 de junho de 2008, estendeu ao seringueiro ou extrativista vegetal (que labore na
forma do art. 2º, caput, inciso XII da Lei n.º 9.985/200), bem como ao pescador artesanal ou a
este assemelhado a condição de segurado especial.
O §1º do artigo 11 da Lei n.º 8.213/91 define o regime de economia familiar. É possível ao
segurado especial valer-se de empregados contratados, em épocas de safra, por no máximo 120
(cento e vinte) dias, nos termos do §7º do artigo acima referido. Por outro laudo, o §8º descreve
determinadas atividades que não descaracterizam a condição de segurado especial, enquanto
que os incisos do §9º trazem um rol dos rendimentos que podem ser auferidos por membro do
grupo familiar, sem que este perca sua condição de segurado especial.
Muito se discutiu acerca da previsão contida no art. 55, §3º, da Lei de Benefícios, segundo a qual
a comprovação do tempo de serviço exige início de prova material. O que a Lei nº 8.213/91 exige
é apenas o início de prova material e é esse igualmente o teor da Súmula 149 do Superior
Tribunal de Justiça.
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito
de obtenção do benefício previdenciário".
Exigir documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se quer
reconhecer equivaleria a erigir a prova documental como a única válida na espécie, com
desconsideração da prova testemunhal produzida, ultrapassando-se, em desfavor do segurado, a
exigência legal. Neste sentido, o C. STJ: AgRg no AREsp 547.042/SP, Rel. Ministro MAURO
CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014.
Tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no sentido
de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Também é pacífico o entendimento dos Tribunais, considerando as difíceis condições dos
trabalhadores rurais, admitir a extensão da qualificação do cônjuge ou companheiro à esposa ou
companheira, bem como da filha solteira residente na casa paterna. (REsp 707.846/CE, Rel. Min.
LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ de 14/3/2005)
Por fim, quanto à carência, exige-se o cumprimento de 12 (doze) contribuições mensais para a
concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, conforme prescreve a Lei n.º
8.213/91, em seu artigo 25, inciso I, in verbis: "Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias
do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado
o disposto no art. 26: I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições
mensais;".
No caso concreto.
No caso dos autos, a improcedência do pedido inicial foi fundada na ausência de incapacidade
laboral do autor para a atividade laboral habitual de proprietário rural e professor de geografia, por
serem compatíveis com a limitação funcional decorrente da patologia apresentada.
Nascido em 04/10/1971, o autor alegou a persistência das patologias incapacidades que
motivaram a concessão do benefício de auxílio-doença no período de 21/06/2013 a 23/08/2017.
Apresentou requerimento de prorrogação do benefício de auxílio-doença em 08/07/2017 e
23/09/2017, indeferidos por ausência de incapacidade.
Do documento de fls. 47 consta que o autor é cadastrado como contribuinte do ICMS na condição
de produtor rural contribuinte individual desde 07/11/2008, em unidade produtiva na atividade de
criação de bovinos para leite e corte e cultivo de banana, estabelecimento situado no Sítio
Paraíso, de 21,78 ha, arrendado pelo autor no período de 10/01/2011 a 10/01/2014 pelo valor de
1 salário mínimo mensal, conforme contrato de arrendamento juntado.
Segundo dados do CNIS, o autor possui ensino médio completo e reside na zona urbana da
cidade de Votuporanga, com histórico contributivo como segurado contribuinte individual no
período de 01/08/2000 a 31/07/2002 e como segurado empregado no período de 01/04/2003 a
30/06/2008.
A fls. 57 consta termo de homologação de atividade rural emitido pelo INSS qualificando o autor
como trabalhador rural segurado especial, na mesma propriedade rural, no período de 01/01/2010
a 31/05/2013.
Na perícia administrativa realizada em 24/07/2008 consta que o autor alugava tratores,
trabalhando como autônomo. Nas perícias de 02/07/2013 a 23/08/2017 declarou atividade de
agricultor segurado especial e proprietário rural segurado especial, sendo que na última perícia
administrativa foi reconhecida a aptidão para atividades leves, por apresentar curso superior
como professor de geografia e ser proprietário rural.
O laudo médico pericial, exame realizado em 06/04/2018 (fls. 108), constatou que o autor, então
aos 46 anos de idade, declarou na perícia ocupação de produtor rural e apresenta quadro de
hipertensão arterial, diabetes mellitus, dislipidemia e doença arterial coronariana crônica, tendo
sofrido infarto do miocárdio em junho/2013 e sido submetido a revascularização do miocárdio,
concluindo pela existência de incapacidade parcial e permanente para o trabalho, com limitação
para atividades que demandem esforços físicos de moderados e intensos, fixada a data de início
da doença e da incapacidade em junho/2013.
Apresentou na perícia médica Carteira Nacional de Habilitação emitida em 10/04/2015, com
validade até 09/04/2020.
O exame de aptidão física para obtenção de Carteira Nacional de Habilitação é regulado na
Resolução do Contran nº 425, de 27/11/2012, que em seu artigo 4º, III, alínea “e” prevê:
“avaliação do aparelho locomotor, onde serão exploradas a integridade e funcionalidade de cada
membro e coluna vertebral, buscando-se constatar a existência de malformações, agenesias ou
amputações, assim como o grau de amplitude articular dos movimentos;”
A aprovação em tal exame é manifestamente incompatível com a alegada incapacidade total para
o trabalho.
Não merece reparos a sentença, pois não houve a produção de início de prova material apto a
comprovar a condição da parte autora de trabalhador rural segurado especial durante o período
de carência do benefício e contemporâneo ao requerimento do benefício e a conseqüente
inaptidão laboral em decorrência da patologia cardíaca apresentada.
Uma vez não demonstrada a qualidade de segurado do autor, resta prejudicado o exame dos
demais requisitos para a concessão do benefício.
Tendo em vista que o conjunto probatório foi insuficiente para a comprovação da atividade rural
pelo período necessário, de acordo com a técnica processual vigente, de rigor seria a
improcedência da ação.
Entretanto, o entendimento atual do STJ, expresso no Recurso Especial n. 1352721/SP,
processado sob o rito dos recursos repetitivos, é no sentido de que a ausência de prova no
processo previdenciário, no qual se pleiteia benefícios previdenciário para rurícolas, implica em
extinção do processo sem resolução de mérito, proporcionando ao trabalhador rural a
possibilidade de ingressar com nova ação caso obtenha início de prova material suficiente à
concessão do benefício pleiteado.
Confira-se:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR
IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA
ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E
DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO
DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS
ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL
DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus
procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas
previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta
os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social
adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da
Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência
Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a
parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização
dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica
previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as
normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação
previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística
civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar
prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas
demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual
garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir
como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo
certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente
dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura
previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela
via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do
CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo,
impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente
possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos
necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido."
Portanto, considerando o entendimento atual do STJ exarado em sede de recurso repetitivo, em
que pese a posição contrária deste relator o processo deve ser extinto sem resolução do mérito.
Diante do exposto, de ofício, julgo extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do
artigo 485, IV, do CPC/2015, ante a insuficiência de início de prova material do labor rural (REsp
1352721/SP), restando prejudicada a apelação da autora.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AUXÍLIO DOENÇA/APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. TRABALHADOR RURAL SEGURADO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE
PROVA MATERIAL. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RESP REPETITIVO
1352721/SP.
1. Nos termos do art. 25, I, da Lei de Benefícios, deveria comprovar o exercício de atividade rural
nos 12 meses anteriores à situação de incapacidade.
2. Não merece reparos a sentença, pois não houve a produção de início de prova material apto a
comprovar a condição da parte autora de trabalhador rural segurado especial durante o período
de carência do benefício e contemporâneo ao requerimento do benefício e a conseqüente
inaptidão laboral em decorrência da patologia cardíaca apresentada.
3. Conforme entendimento firmando nos tribunais superiores, a ausência de prova material apta a
comprovar o exercício da atividade rural caracteriza carência de pressuposto de constituição e
desenvolvimento válido do processo a ensejar a extinção da ação sem exame do mérito
5. De ofício, processo extinto sem resolução de mérito. Apelação da autora prejudicada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu, de ofício, julgar extinto o processo, sem resolução de mérito, restando
prejudicado o apelo do autor, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
