
| D.E. Publicado em 29/11/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0014298-28.2007.4.03.6112/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação objetivando a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez ou de auxílio doença, previstos nos artigos 42/47 e 59/63 da Lei n° 8.213/91.
A sentença, prolatada em 20.08.2013, julgou improcedente o pedido inicial, cassando a decisão que antecipou os efeitos da tutela anteriormente concedida. Deixou de condenar a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, em razão de ser beneficiária da justiça gratuita.
Apela a parte autora, pleiteando a reforma da sentença, para que seja homologado o acordo proposto pelo INSS, que foi aceito pela parte autora. Eventualmente, requer a concessão de auxílio doença, com submissão à reabilitação profissional, e posterior concessão de aposentadoria por invalidez, alegando que preencheu os requisitos legais para a concessão do benefício de auxílio doença e/ou aposentadoria por invalidez.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Por primeiro, observo que a análise do pedido de homologação do acordo proposto pelo INSS, e aceito pela parte autora, se confunde com o mérito, e com este será analisado.
Passo ao exame do mérito.
A Lei nº 8.213/91, no artigo 42, estabelece os requisitos necessários para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, quais sejam: qualidade de segurado, cumprimento da carência, quando exigida, e moléstia incapacitante e insuscetível de reabilitação para atividade que lhe garanta a subsistência. O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos artigos 59 a 63 da Lei nº 8.213/91, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
É dizer: a incapacidade total e permanente para o exercício de atividade que garanta a subsistência enseja a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez; a incapacidade total e temporária para o exercício de atividade que garanta a subsistência justifica a concessão do benefício de auxílio-doença e a incapacidade parcial e temporária somente legitima a concessão do benefício de auxílio-doença se impossibilitar o exercício do labor ou da atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias pelo segurado.
A condição de segurado (obrigatório ou facultativo) decorre da inscrição no regime de previdência pública, cumulada com o recolhimento das contribuições correspondentes.
O artigo 15 da Lei nº 8.213/91 dispõe sobre as hipóteses de manutenção da qualidade de segurado, independentemente de contribuições; trata-se do denominado período de graça, durante o qual remanesce o direito a toda a cobertura previdenciária. Também é considerado segurado aquele que trabalhava, mas ficou impossibilitado de recolher contribuições previdenciárias em razão de doença incapacitante.
Nesse passo, acresça-se que no que toca à prorrogação do período de graça ao trabalhador desempregado, não obstante a redação do §2º do artigo 15 da Lei nº. 8.213/1991 mencionar a necessidade de registro perante o Ministério do Trabalho e da Previdência Social para tanto, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de Incidente de Uniformização de Interpretação de Lei Federal (Pet. 7.115), firmou entendimento no sentido de que a ausência desse registro poderá ser suprida quando outras provas constantes dos autos, inclusive a testemunhal, se revelarem aptas a comprovar a situação de desemprego.
A perda da qualidade de segurado está disciplinada no §4º desse dispositivo legal, ocorrendo no dia seguinte ao do término do prazo para recolhimento da contribuição referente ao mês de competência imediatamente posterior ao final dos prazos para manutenção da qualidade de segurado.
Depreende-se, assim, que o segurado mantém essa qualidade por mais um mês e meio após o término do período de graça, independente de contribuição, mantendo para si e para os seus dependentes o direito aos benefícios previdenciários.
Anote-se que a eventual inadimplência das obrigações trabalhistas e previdenciárias acerca do tempo trabalhado como empregado deve ser imputada ao empregador, responsável tributário, conforme preconizado na alínea a do inciso I do artigo 30 da Lei nº 8.213/91, não sendo cabível a punição do empregado urbano pela ausência de recolhimentos, computando-se, assim, o período laborado para fins de verificação da qualidade de segurado.
Por fim, quanto à carência, exige-se o cumprimento de 12 (doze) contribuições mensais para a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, conforme prescreve a Lei n.º 8.213/91, em seu artigo 25, inciso I, in verbis: "Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;".
No caso concreto, a perícia judicial na área cardiológica (fls. 78-80) atesta que a autora, do lar/restauradora de móveis (fls. 02-03, 18-20, 95, 97, 102 e 130), 64 anos de idade, é portadora de hipertensão arterial sistêmica, que está controlada com medicação, apresentando-se, ao exame físico, normotensa e sem evidência de arritmia cardíaca, não sendo constatada lesão em nenhum órgão alvo. Conclui pela inexistência de incapacidade laborativa, ressaltando a possibilidade de reabilitação profissional.
Por sua vez, a perícia judicial na área psiquiátrica (fls. 101-106) atesta que a autora é portadora de episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos e transtorno de somatização, e de queixas de dores ósseas e musculares em membros superiores. Afirma que seus transtornos depressivos e de somatização não a incapacita para atividade laboral, sendo possível a reabilitação profissional, solicitando avaliação de médico perito ortopedista para avaliação das queixas ortopédicas. Conclui pela inexistência de incapacidade laborativa.
Por fim, a perícia judicial na área ortopédica (fls. 130-134) atesta que a pericianda, à época já com 66 anos de idade, é portadora de alterações psiquiátricas, com reflexo psíquico afetando o comportamento, necessitando de tratamento especializado. Conclui pela existência de incapacidade laborativa total e temporária para o trabalho, sugerindo um prazo de 06 meses para reavaliação da capacidade laborativa, suscetível de reabilitação profissional após o tratamento psiquiátrico, e fixa a data de início da incapacidade laboral em 2003, embasado em laudo médico que atesta alterações psiquiátricas.
Ressalto que apesar de existirem três laudos periciais em direções não integralmente convergentes, não deve ser considerado um ou outro por ser mais recente, ou não. O art. 439, parágrafo único, do CPC/1973 (art. 480, § 3°, do CPC/2015) estabelece que a segunda perícia não substitui a primeira, contudo, frise-se, permite ao juiz apreciar livremente o valor de uma e outra.
No caso, verifico que a terceira perícia judicial se coaduna com os relatórios médicos particulares juntados aos autos.
Desse modo, comprovada a incapacidade laborativa para o exercício do trabalho.
Todavia, depreende-se da cópia da CTPS (fls. 18-20) e do extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS (fls. 95 e 97-98) que a parte autora teve cessado seu vínculo empregatício em 12.1988, que lhe garantiu a qualidade de segurada até 15.02.1990, nos termos do art. 15, II, e § 4°, da Lei n° 8.213/91, e não readquiriu a qualidade de segurada, nem recuperou a carência no ano de 2000, considerando que não foi vertida a quantidade mínima de contribuições prevista no artigo 24, parágrafo único c.c art. 25, da Lei nº 8.213/91, vigente à época no caso concreto, necessária à concessão dos benefícios por incapacidade. Após mais de doze anos sem vínculo com a Previdência, refiliou-se ao RGPS, aos 58 anos de idade, recolhendo contribuições previdenciárias, na condição de contribuinte individual, no período de 04.2003 a 08.2003 (fl. 98), e requereu administrativamente o benefício de auxílio doença em 22.09.2003 (fl. 92), que gozou nos períodos de 17.09.2003 a 18.12.2005 (fl. 92) e de 19.01.2006 a 30.09.2007 (fls. 34-35 e 93).
Nesse passo, ressalto que a legislação de regência exige a comprovação da impossibilidade ao exercício do trabalho habitualmente exercido pelo segurado, em razão de doença incapacitante, para a concessão dos benefícios por incapacidade.
Observo que não houve comprovação do exercício de atividade laborativa pela requerente no período controverso (2002/2003), ressalvando-se que a autora afirma que não trabalha mais há oito anos (desde pelo menos 2003 - fl. 130).
Ademais, não foi constatada a impossibilidade ao exercício das suas atividades no lar pelos peritos judiciais (fls. 78-80, 101-106 e 130-134).
Desse modo, ressalto que, nos termos do art. 332 e 333, I do CPC/1973 (arts. 369 e 373, I, do CPC/2015), cabe à parte autora a comprovação do direito alegado, ônus do qual não se desincumbiu.
Não obstante, nota-se do teor dos documentos médicos (fls. 36-42 e 86-88) que as doenças psiquiátricas constadas pelos Experts nas perícias judiciais eram presentes em momento pretérito à sua refiliação e já lhe causavam incapacidade laborativa em período anterior ao início dos seus recolhimentos ao RGPS (04.2003 - fl. 95).
Nesse sentido, ressalva-se que em 15.10.2004 foi atestado pelo médico particular a existência da doença crônica ansiedade há anos, inclusive com lapsos de memória (fls. 36-37), observando-se, ainda, que apesar dos tratamentos dispendidos só houve o agravamento do quadro clínico (fls. 38-42, 86-88 e 132).
Ademais, verifica-se que em 31.01.2009 (fls. 86-88) o mesmo médico particular atesta que há mais de 05 anos (pelo menos desde 2003 / início dos recolhimentos 04.2003 - fl. 95) a autora faz tratamento ininterrupto em seu consultório, com situação clínica em relação ao sistema nervoso central grave, que impede qualquer possibilidade de que a mesma exerça mínimas funções de trabalho.
Acrescente-se o relato da própria requerente, na perícia judicial (29.03.2011 - fl. 130), que afirma que há 08 anos (aproximadamente 2003 / início dos recolhimentos 04.2003 - fl. 95) começou a sentir ansiedades, e que devido a estas alterações de comportamento está sem trabalhar desde essa época, a corroborar o entendimento de que já apresentava incapacidade laboral ao refiliar-se à Previdência.
Nesse passo, verifico que houve a progressão das doenças da requerente (fls. 38-42, 86-88 e 132), até mesmo pela idade avançada, mas a prova dos autos demonstra que a incapacidade laborativa já era presente em período anterior à sua refiliação ao RGPS.
Vale salientar, conforme conjunto probatório, que tratam-se de doenças degenerativas e evolutivas, não sendo crível que surgissem abruptamente e a incapacitasse exatamente após o recolhimento das contribuições previdenciárias necessárias para readquirir a qualidade de segurada e recuperar a carência exigida para a concessão dos benefícios em espécie.
O fato de o INSS ter concedido o benefício de auxílio doença à autora não gera a presunção absoluta quanto ao preenchimento dos requisitos exigidos pela legislação de regência, que não restou minimamente comprovada nos autos. Ao Poder Judiciário cabe a função de analisar a legalidade das concessões administrativas, ou seja, o preenchimento de todos os requisitos legais (carência, qualidade de segurado e incapacidade laboral) dos casos concretos que lhe são apresentados.
Assim, não basta a prova de ter contribuído em determinada época ao RGPS; há que se demonstrar a não existência da incapacidade laborativa, quando se filiou (ou refiliou) à Previdência Social, conforme comprovado pelo conjunto probatório.
Ora, é sabido que a Previdência Social é ramo da seguridade social assemelhado ao seguro, vez que possui caráter eminentemente contributivo. O custeio do sistema pressupõe o recolhimento de contribuições para o fundo que será revertido àqueles que, preenchidos os requisitos, padecerem em eventos previstos e por ele cobertos.
Para outras situações de desamparo social, previu o constituinte benefícios assistenciais que dispensam contribuições regulares (art. 6º c/c art. 203, CF).
A doença ou invalidez são contingências futuras e incertas, todavia, as doenças degenerativas, evolutivas, próprias do envelhecer devem ser analisadas com parcimônia, já que filiações extemporâneas e reingressos tardios afrontam a lógica do sistema, causando desequilíbrio financeiro e atuarial.
Nesse sentido, os seguintes julgados: TRF3, AC 0034800-49.2016.403.9999SP, Décima Turma, Des. Fed. NELSON PORFIRIO, Julgamento: 20/06/2017, e-DJF3 Judicial I: 29/06/2017, TRF3, AC 0000986-12.2017.403.9999 SP, Oitava Turma, Des. Fed. TANIA MARANGONI, Julgamento: 06/03/2017, e-DJF3 Judicial I: 20/03/2017.
Logo, tratando-se de doenças, geradoras de incapacidade laborativa preexistente à refiliação ao RGPS, nos termos do parágrafo único do art. 59 e art. 42, § 2°, ambos, da Lei n° 8.213/91, não preencheu a parte autora um dos requisitos legais exigidos pela legislação de regência para a concessão dos benefícios por incapacidade, a tornar inviável a concessão dos benefícios pleiteados.
Por fim, observo que o juiz não está obrigado a homologar acordo apenas porque há manifestação de vontades das partes nesse sentido. É poder-dever do magistrado evitar eventuais vícios, atos simulados, fraudes ou de excesso de lesividade a alguma das partes ou a terceiros, relativamente a direitos fundamentais, em transação que lhe é submetida.
Com efeito, de acordo com o art. 849, do Código Civil de 2002, a transação só se anula por dolo, coação, ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa.
Na hipótese dos autos, nota-se que o juízo "a quo", sopesando os elementos dos presentes autos e processo apenso (contestação e reconvenção apresentados pelo INSS após proposta de acordo nesta ação - fls. 30-35 e 37-41 dos autos n° 0011857-06.2009.4.03.6112/apenso), deixou de homologar o acordo entabulado pelas partes, à evidência, ainda, de que a parte autora não preenche os requisitos legais para a concessão dos benefícios pleiteados.
No caso, deve ser mantida a decisão, pois a prova dos autos demonstra que a autora era portadora de incapacidade preexistente quando da sua refiliação ao RGPS, caracterizando erro essencial quanto à coisa controversa, a que se refere o art. 849 do Código Civil/2002, que autoriza, inclusive, a anulação da sentença que homologou o acordo para a concessão de benefício.
Nesse sentido, confira-se julgados, por similaridade, aplicáveis ao caso concreto: TRF4, AC 50146625720144047205 SC 5014662-57.2014.404.7205, Rel. Des. Fed. JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, SEXTA TURMA, Julgamento: 04.05.2016, STJ, REsp 825425/MT, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 08/06/2010.
No que tange aos honorários de advogado, entendo que a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita não isenta a parte do pagamento das verbas de sucumbência; cuida-se de hipótese de suspensão da obrigação, que deverá ser cumprida caso cesse a condição de miserabilidade do beneficiário, nos termos do artigo 98, § 3°, do CPC/2015. Precedente do STJ. (RE-AgR 514451, Min. Relator Eros Grau).
Contudo, não havendo recurso do INSS nesse ponto, mantenho a sentença como proferida também nesse ponto, não cabendo, igualmente, a majoração em decorrência da sucumbência recursal prevista no §11º do artigo 85 do CPC/2015.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação exposta.
Traslade-se cópia da presente aos autos do Processo nº 0011857-06.2009-4.03.6112.
É o voto.
PAULO DOMINGUES
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| Data e Hora: | 14/11/2018 17:07:45 |
