
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0034156-09.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: MARIA CAMILA COSTA DE PAIVA - SP252435-N
APELADO: LUZIA DE OLIVEIRA ROCHA
Advogado do(a) APELADO: GISELA TERCINI PACHECO - SP212257-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0034156-09.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: MARIA CAMILA COSTA DE PAIVA - SP252435-N
APELADO: LUZIA DE OLIVEIRA ROCHA
Advogado do(a) APELADO: GISELA TERCINI PACHECO - SP212257-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez e/ou auxílio doença.
A sentença prolatada em 01/07/2016 julgou procedente o pedido, condenando a autarquia a conceder o benefício de auxílio doença em favor da autora, desde a data do requerimento administrativo, em 16/06/2015. As parcelas em atraso serão acrescidas de juros de mora, nos termos da Lei nº 11.960/09. Honorários advocatícios fixados em 15% do valor das parcelas vencidas até a sentença. Concedida a antecipação da tutela. Dispensado o reexame necessário.
Apela a autarquia alegando, em síntese, que a parte autora não preenche os requisitos para concessão do benefício, no tocante à qualidade de segurado na data do início da incapacidade. Sustenta, em síntese, que o período em que houve recebimento de benefício, por decisão judicial posteriormente revogada, não mantém a qualidade de segurado. Requer a condenação da parte autora e sua advogada em multa e indenização por litigância de má fé.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0034156-09.2016.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: MARIA CAMILA COSTA DE PAIVA - SP252435-N
APELADO: LUZIA DE OLIVEIRA ROCHA
Advogado do(a) APELADO: GISELA TERCINI PACHECO - SP212257-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
A Lei nº 8.213/91, no artigo 42, estabelece os requisitos necessários para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, quais sejam: qualidade de segurado, cumprimento da carência, quando exigida, e moléstia incapacitante e insuscetível de reabilitação para atividade que lhe garanta a subsistência. O auxílio-doença, por sua vez, tem seus pressupostos previstos nos artigos 59 a 63 da Lei nº 8.213/91, sendo concedido nos casos de incapacidade temporária.
É dizer: a incapacidade total e permanente para o exercício de atividade que garanta a subsistência enseja a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez; a incapacidade total e temporária para o exercício de atividade que garanta a subsistência justifica a concessão do benefício de auxílio-doença e a incapacidade parcial e temporária somente legitima a concessão do benefício de auxílio-doença se impossibilitar o exercício do labor ou da atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias pelo segurado.
A condição de segurado (obrigatório ou facultativo) decorre da inscrição no regime de previdência pública, cumulada com o recolhimento das contribuições correspondentes.
O artigo 15 da Lei nº 8.213/91 dispõe sobre as hipóteses de manutenção da qualidade de segurado, independentemente de contribuições; trata-se do denominado período de graça, durante o qual remanesce o direito a toda a cobertura previdenciária. Também é considerado segurado aquele que trabalhava, mas ficou impossibilitado de recolher contribuições previdenciárias em razão de doença incapacitante.
Nesse passo, acresça-se que no que toca à prorrogação do período de graça ao trabalhador desempregado, não obstante a redação do §2º do artigo 15 da Lei nº. 8.213/1991 mencionar a necessidade de registro perante o Ministério do Trabalho e da Previdência Social para tanto, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de Incidente de Uniformização de Interpretação de Lei Federal (Pet. 7.115), firmou entendimento no sentido de que a ausência desse registro poderá ser suprida quando outras provas constantes dos autos, inclusive a testemunhal, se revelarem aptas a comprovar a situação de desemprego.
A perda da qualidade de segurado está disciplinada no §4º desse dispositivo legal, ocorrendo no dia seguinte ao do término do prazo para recolhimento da contribuição referente ao mês de competência imediatamente posterior ao final dos prazos para manutenção da qualidade de segurado.
Depreende-se, assim, que o segurado mantém essa qualidade por mais um mês e meio após o término do período de graça, independente de contribuição, mantendo para si e para os seus dependentes o direito aos benefícios previdenciários.
Anote-se que a eventual inadimplência das obrigações trabalhistas e previdenciárias acerca do tempo trabalhado como empregado deve ser imputada ao empregador, responsável tributário, conforme preconizado na alínea a do inciso I do artigo 30 da Lei nº 8.213/91, não sendo cabível a punição do empregado urbano pela ausência de recolhimentos, computando-se, assim, o período laborado para fins de verificação da qualidade de segurado.
Quanto à carência, exige-se o cumprimento de 12 (doze) contribuições mensais para a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, conforme prescreve a Lei n.º 8.213/91, em seu artigo 25, inciso I, in verbis: "Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 (doze) contribuições mensais;".
Por fim, não será devido o auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão (art. 42, § 2º e 59, § 1º da Lei 8213/91).
No caso concreto.
A parte autora, auxiliar de limpeza, com 55 anos de idade no momento da perícia médica, afirma que é portadora de doenças ortopédicas e clínicas, condição que a torna incapaz para o trabalho.
No caso sob exame, antes de ajuizada a presente ação, em 16/12/2015, a parte autora já havia proposto outras duas ações perante o Juizado Especial Federal da Subseção Judiciária de Ribeirão Preto. A primeira ação, proc. nº 0011058-67.2012.403.6302, distribuída em 30/11/2012, a autora postulou igualmente a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, alegando incapacidade para suas atividades habituais em decorrência das mesmas patologias apresentadas como causa de pedir na presente ação.
O laudo médico produzido na primeira ação, datado de 18/03/2013 (fls.212/219.pdf) avaliou o autor em relação às patologias ortopédicas e clínicas, concluindo pela inexistência de incapacidade laboral. A sentença julgou procedente o pedido, mas em sede de recurso foi reformada, revogando-se a tutela. Transitou em julgado em 11/03/2016 (fls.230.pdf).
Em 14/11/2014 a autora ingressou novamente com o mesmo pedido e diante da constatação, na perícia judicial, da inexistência de incapacidade foi julgado improcedente. A sentença foi mantida em sede recursal e transitou em julgado em 21/03/2016 (fls.254).
Na presente ação, o laudo médico pericial elaborado em 06/06/2016 (fls.101.pdf) revela que a parte autora é portadora de osteodiscoartrose da coluna cervical, osteodiscoartrose da coluna lombossacra, hipertensão arterial, fibromialgia, epicondilite lateral direita. Conclui pela incapacidade total e temporária devendo ser reavalidada em seis meses. A doença é suscetível de recuperação. Estabelece o início da incapacidade em junho/2016, data da perícia.
Embora o médico perito tenha fixado a data de início da incapacidade no momento da perícia, não informou a ausência de incapacidade para o trabalho em momento próximo ao novo requerimento administrativo.
A documentação médica carreada aos autos revela que no momento do ajuizamento do feito o autor apresentava: alterações degenerativas da coluna cervical com sinais de discopatia; herniações discais protrusas visualizadas nos níveis cervicais causando comprometimento foraminal difuso, mais acentuado de c5-c6a c7-di. Em se tratando de patologia de natureza degenerativa, razoável presumir que a incapacidade já se fazia presente na data do requerimento administrativo, em 16/06/2015.
O extrato do sistema CNIS (fls.68.pdf) e CTPS (fls.42.pdf) indica a existência de vínculos empregatícios mantidos pela autora, de forma descontínua, de 02/05/1990 a 10/05/2000; de 07/02/2003 a 16/09/2009 e de 18/09/2009 a 02/11/2011; o que a priori lhe garantiria a qualidade de segurado até 15/01/2013, nos termos do art. 15, II, e § 4°, da Lei n° 8.213/91.
Por outro lado, verifica-se que o autor recebeu o benefício de auxílio-acidente 17/04/2010 a 09/05/2010 e auxílio-doença de 19/08/2011 a 19/09/2011; e de 17/10/2012 a 17/10/2012 (NB 6025392173).
Depreende-se do conjunto probatório que o benefício de auxílio-doença (NB 602392173) foi concedido em razão de decisão judicial proferida pelo JEF de Ribeirão Preto (Proc. Nº 0011058-67.2012.403.6302) posteriormente revogada. O extrato do sistema Dataprev (fls.67.pdf) indica que o benefício supracitado foi pago até a competência 08/2014.
Nesse passo, nota-se que o art. 15, I da Lei 8.213/91 preceitua que mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições, sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício.
Vê-se que a lei não faz discriminação sobre o tipo de benefício, ou se decorrente de concessão administrativa ou judicial, pois o legislador não trouxe ressalvas, e tratando-se de direitos sociais constitucionalmente previstos, não cabe ao intérprete criá-las.
Nesse sentido:
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. GOZO DE BENEFÍCIO. TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. ART. 15, I, DA LEI 8.213/91. APLICABILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
1. Uniformizada a tese de no sentido de que 'a previsão legal de manutenção da qualidade de segurado, contida no art. 15, I, da Lei 8.213/91, inclui os benefícios deferidos em caráter provisório, inclusive os implantados por força de tutela antecipada'.
2. Pedido de Uniformização improvido."
(TRF4, Incidente de Uniformização nº 5019682-24.2012.4.04.7100, Relator Henrique Luiz Hartmann, julgado em 25.06.2015)
Cumpre salientar que, em sessão realizada em 22/02/2018, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais fixou tese, em sede de pedido de uniformização de jurisprudência, no sentido de que "o período de percepção de benefício previdenciário, concedido por força de tutela provisória, pode ser utilizado para efeitos de manutenção da qualidade de segurado" (PEDILEF 50029073520164047215, Rel. Juiz Fed. Fábio César dos Santos Oliveira, DJe 23/03/2018).
Assim, por ter permanecido em gozo de benefício de auxílio-doença até 08/2014, concedido por decisão judicial, ainda que posteriormente revogada, o autor manteve a qualidade de segurado até 10/2015. Considerando o pedido administrativo formulado em 16/06/2015, resta demonstrado a qualidade de segurado e carência.
No que tange aos critérios de atualização do débito, verifico que a sentença desborda do entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Assim, tratando-se de matéria cognoscível de ofício (AgRg no AREsp 288026/MG, AgRg no REsp 1291244/RJ), corrijo a sentença e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR – Taxa Referencial.
Anoto que os embargos de declaração opostos perante o STF que objetivavam a modulação dos efeitos da decisão supra, para fins de atribuição de eficácia prospectiva, foram rejeitados no julgamento realizado em 03.10.2019.
Quanto ao pedido de condenação em litigância de má-fé, não vislumbro a presença dos requisitos para aplicação da penalidade.
Observo que se reputa litigante de má-fé aquele que, no processo, age de forma dolosa ou culposa, de forma a causar prejuízo à parte contrária.
Nesse passo, nota-se que o caráter social do Direito Previdenciário, as questões de saúde que permeiam muitas das ações que versam sobre benefícios previdenciários e assistenciais - cuja melhora ou agravamento provocam a modificação dos fatos - e a variedade dos lapsos temporais que se verificam entre análise administrativa e à apreciação judicial (incluindo os momentos em que são realizadas as perícias médicas e/ou sociais), recomendam uma visão das normas processuais atenta a tais peculiaridades.
Resta evidenciado que a parte autora agiu de forma a garantir uma prestação jurisdicional favorável, e não protelatória, pelo que não há que se falar em litigância de má-fé.
Nesse sentido, confira-se os julgados: TRF3, AC 0039745-79.2016.4.03.9999/SP, OITAVA TURMA, Relatora Des. Fed. TANIA MARANGONI, julgamento: 06.03.2017, e-DJF3 Judicial 1: 20.03.2017, TRF 3ª Região - AI 314450 - Relator Desembargador Fausto de Sanctis, Sétima Turma, j. 22.04.2013, e-DJF3 02.05.2013, STJ, RESP nº 334259; Rel. Min. Castro Filho; 3ª Turma; DJ 10.03.2003, p. 0185.
Diante do exposto, nego provimento ao apelo do INSS e, de oficio, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE LABORAL TOTAL E TEMPORÁRIA. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. GOZO DE BENEFÍCIO. TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
1.Trata-se de ação objetivando a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio doença previdenciário.
2.Laudo médico pericial indica a existência de incapacidade laboral total e temporária que enseja a concessão do auxílio-doença.
3.Qualidade de segurado e carência cumprida. O conjunto probatório indica que a incapacidade apurada teve início enquanto a parte autora mantinha a qualidade de segurado.
4. Benefício concedido por decisão judicial, posteriormente revogada. Mantida a qualidade de segurado.
5. Juros e correção monetária pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR - Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux, observado quanto a este o termo inicial a ser fixado pela Suprema Corte no julgamento dos embargos de declaração. Correção de ofício.
6. Considerando o não provimento do recurso do INSS, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%.
7. Apelação não provida. Sentença corrigida de ofício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento ao apelo do INSS e, de oficio, corrigir a sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
