
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5088871-32.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: A. D. L., DOUGLAS ALEX LOPES
Advogado do(a) APELADO: EVELISE SIMONE DE MELO ANDREASSA - SP135328-N
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5088871-32.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: A. D. L., DOUGLAS ALEX LOPES
Advogado do(a) APELADO: EVELISE SIMONE DE MELO ANDREASSA - SP135328-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Desembargador Federal Jean Marcos (Relator):
Trata-se de ação destinada a viabilizar a concessão de benefício previdenciário de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
A r. sentença (ID 300526688) julgou o pedido inicial procedente para determinar que o INSS converta o benefício de auxílio-doença concedido à parte autora, em sede de tutela antecipada, em aposentadoria por invalidez desde a retirada do rim transplantado. Condenou, ainda, a Autarquia ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação, observada a Súmula 111, do Superior Tribunal de Justiça. Sentença não sujeita ao reexame necessário.
Transcrevo um trecho da r. sentença:
“Assim, diante as conclusões obtidas pela prova pericial produzida nos autos e pelos demais documentos acostados aos autos, conclui-se que o quadro de saúde do autor Douglas era, de fato, grave, resultante em incapacidade laborativa total por insuficiência renal crônica, tanto que veio a óbito em janeiro/2.022.
E, desta forma, acolho o parecer ministerial de fls. 512/515, convertendo o auxílio-doença a que fazia gozo o autor em benefício de aposentadoria por invalidez.
A própria necessidade de realização de hemodiálise, três vezes, por semanas, por período não inferior à quatro horas, é causa impeditiva, por si só, do exercício de atividade laborativa.
Ademais, produzida a prova pericial não trouxe aos autos o INSS nenhum laudo pericial produzido por Assistente Técnico capaz de confrontar as conclusões obtidas pelo laudo oficial.
A data do início do pagamento do benefício de aposentadoria por invalidez será a data em que se verificou a retirada do rim transplantado, retornando o falecido para as sessões de hemodiálise, fator este determinando para a configuração da incapacidade do autor Douglas. Desde já, ressalto que, eventual Auxílio-Doença percebido a partir da data da conversão deverá ser abatido do montante total dos valores já recebidos pelo autor e seus herdeiros, vedando-se pagamentos em duplicidade e, por conseguinte, enriquecimento ilícito.”
O INSS, ora apelante (ID 300526694), requer a reforma da r. sentença. Alega perda da qualidade de segurado da parte autora. Alega a presunção de legitimidade da perícia administrativa que concluiu pela ausência de incapacidade e aponta ausência dos requisitos para a concessão de aposentadoria por invalidez.
Contrarrazões (ID 300526703).
A Procuradoria Regional da República apresentou parecer desfavorável ao recurso da autarquia (ID 302366108).
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5088871-32.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: A. D. L., DOUGLAS ALEX LOPES
Advogado do(a) APELADO: EVELISE SIMONE DE MELO ANDREASSA - SP135328-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Desembargador Federal Jean Marcos (Relator):
A Constituição Federal de 1988, a teor do preceituado no artigo 201, inciso I, garante cobertura à incapacidade laboral.
Dispõe a Lei Federal nº 8.213/91, de 24-07-1991:
“Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
§1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.
§2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão”.
“Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
§1º Não será devido o auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão”.
Conforme se pode ver, a Lei de Benefícios estabelece que o benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência.
Por sua vez, o auxílio-doença (auxílio por incapacidade temporária) é direito do segurado que tiver atingido, se o caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
A implantação de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez exige carência de 12 (doze) contribuições mensais nos termos dos artigos 25, inciso I, da Lei Federal nº 8.213/91.
Não se exige carência “nos casos de segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada 3 (três) anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado”, conforme artigo 26, inciso II, da Lei de Benefícios.
Também independe de carência, para a concessão dos referidos benefícios, nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido por uma das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei.
É oportuno observar que a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no RGPS não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da moléstia.
A lei determina que para o implemento dos benefícios em tela, é de rigor a existência do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as respectivas contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art. 15 da Lei Federal nº 8.213, in verbis:
“Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
(...)
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º. O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º. Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º. Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º. A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos”.
Observa-se, desse modo, que o §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o lapso da graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
O §2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de mais 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
Na hipótese de perda de qualidade de segurado, é viável a implantação do benefício mediante prova do cumprimento de metade da carência, conforme artigo 27-A, da Lei Federal nº 8.213/91.
Em se tratando de benefícios por incapacidade, a comprovação do fato se faz por meio de prova pericial, salvo se desnecessária em vista de outras provas produzidas (CPC, art. 464).
Ainda quanto às provas, é oportuno ressaltar que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, na medida em que, a teor do art. 479 do CPC: “O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito”.
Contudo, é igualmente certo afirmar que a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que não englobe a questão jurídica em debate, depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto.
À vista do exposto, examina-se o caso concreto.
Quanto à incapacidade, o laudo do exame pericial realizado em 18/10/2018 (fls. 40/59, ID 300524756) assim consigna:
" O segurado é portador de INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA em processo de DIÁLISE 3 VEXES POR SEMANA DESDE 2007, com REJEIÇÃO DE TRANSPLANTE RENAL REALIZADO EM 2010 NA UNICAP, em tratamento para OSTEODISTROFIA RENAL, realizou em 2015 PARATIREOIDECTOMIA DEVIDO A UM HIPERPARATIREOIDISMO SECUNDÁRIO A INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA. Apresentando dores importantes a deambulação.
Nova perícia foi realizada em 26/09/2019 (fls. 153/167, ID 300524756):
“De acordo com os dados obtidos na perícia médica, conclui-se que o periciando apresenta quadro de insuficiência renal crônica de longa evolução efetivamente constatada no ano de 2007 quando passou a apresentar elevação dos níveis pressóricos.
Após investigação através de exames complementares, foi feito o diagnóstico de uma insuficiência renal crônica, demandando imediata hemodiálise, que foi mantida de 2007 até agosto de 2010, quando o periciando foi submetido a transplante renal de doador cadáver na UNICAMP.
Entretanto, o periciando evoluiu com complicação caracterizada pela formação de um aneurisma do rim transplantado, com necessidade de colocação de uma endoprótese e retirada do rim, retornando então às sessões de hemodiálise mantidas até o presente momento.
Posteriormente, em março de 2019 foi constatado novo aneurisma de aorta abdominal com colocação de outra endoprótese em 09 de abril de 2019 com resultado satisfatório.
Atualmente, o autor encontra-se em esquema de hemodiálise 3 vezes por semana, novamente na fila do transplante renal.
Portanto, fica definida uma incapacidade laborativa total e temporária até que seja realizado o novo transplante renal, devendo ser reavaliado em aproximadamente 1 ano.
(...)
4 – É possível precisar qual a data de início da doença? Se essa doença gera incapacidade laborativa, DETERMINE/FIXE o(a) senhor(a) perito(a) Judicial a data do início da incapacidade (ainda que aproximada). Se não for possível determinar/fixar a data de início da incapacidade, é possível dizer que esse evento se deu a menos de 6 ou 12 meses? Ou se houve agravamento de doença, lesão ou deficiência, desde quando?
2007 e 2015. ”
*Foi transcrita a pergunta para melhor compreensão do laudo
O perito judicial conclui pela incapacidade total e temporária.
A parte autora nasceu em 11/01/1983 (fl. 157, ID 300524755). Veio a óbito em 08/01/2022, com 38 anos de idade.
O magistrado não está adstrito às conclusões do laudo pericial, nos termos dos artigos 436 do CPC/1973 e 479 do CPC/2015, embora estas devem ser consideradas, por se tratar de prova técnica, elaborada por profissional da confiança do Juízo e equidistante das partes.
Antes de analisar a qualidade de segurado e o cumprimento da carência, impugnados, algumas ponderações.
Pela análise dos documentos médicos juntados bem como na explanação do perito judicial é possível verificar que o segurado, desde 2007, vem numa espiral de degradação do seu estado de saúde.
Em 2007 foi detectado a insuficiência renal em razão do descontrole da pressão arterial. Foi indicado tratamento de hemodiálise, que foi realizada até 2010, quando se submeteu à cirurgia de transplante do rim.
O rim transplantado sofreu um aneurisma e teve que ser retirado, mantendo-se as sessões de hemodiálise três vezes por semana, o que por si só já inviabilizaria o exercício de qualquer labor (fls. 56/58, ID 300524756).
Sua doença evoluiu com hiperparatireodismo secundário, de difícil tratamento no caso do segurado.
Logo, embora o perito judicial tenha fixado a incapacidade em 2015, entendo que, no caso concreto, há continuidade patológica, motivo pelo qual, fixo a incapacidade total e temporária em 2007, quando iniciou o tratamento de hemodiálise de forma semanal e regular. Em 2013, quando seu quadro de saúde foi agravado pela evolução da patologia para hiperparatireodismo secundário, entendo que a incapacidade se tornou total e permanente.
Quanto à perda da qualidade de segurado, verifico que o benefício que o segurado vinha recebendo foi cessado administrativamente porque o vínculo junto à empresa não foi confirmado (fl. 84, ID 300524755).
O CNIS (ID 300526695) da parte autora prova sua filiação ao regime RGPS em 08/05/2006, na qualidade de empregado, vertendo contribuições até 08/2007.
Assim, a parte autora quando do início da incapacidade, detinha a qualidade de segurado.
Assim sendo, é devido o benefício de aposentadoria por invalidez porque há prova da incapacidade permanente, nos temos do artigo 42, da Lei nº 8.213/91. Considerando que não houve recurso da parte autora para alteração da data de início do benefício, mantenho a data fixada na r. sentença.
Apliquem-se para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios estabelecidos pelo Manual De Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação.
Considerado o trabalho adicional realizado pelos advogados, em decorrência da interposição de recurso, majoro os honorários advocatícios em 1% (um por cento), sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, observados os termos da Súmula nº 111 e de acordo com o decidido no Tema 1105, ambos do Superior Tribunal de Justiça.
Por tais fundamentos, nego provimento à apelação do INSS, bem como, altero, de ofício, os critérios de correção monetário e juros de mora.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AUXÍLIO-DOENÇA OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. CONTINUIDADE PATOLÓGICA. DIB NO AGRAVAMENTO. QUALIDADE DE SEGURADO PROVADA. ALTERAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS.
1. O perito judicial conclui pela incapacidade total e temporária.
2. Antes de analisar a qualidade de segurado e o cumprimento da carência, impugnados, algumas ponderações.
3. Pela análise dos documentos médicos juntados bem como na explanação do perito judicial é possível verificar que o segurado, desde 2007, vem numa espiral de degradação do seu estado de saúde.
4. Logo, embora o perito judicial tenha fixado a incapacidade em 2015, entendo que, no caso concreto, há continuidade patológica, motivo pelo qual, fixo a incapacidade total e temporária em 2007, quando iniciou o tratamento de hemodiálise de forma semanal e regular. Em 2013, quando seu quadro de saúde foi agravado pela evolução da patologia para hiperparatireodismo secundário, entendo que a incapacidade se tornou total e permanente.
5. Assim, a parte autora quando do início da incapacidade, detinha a qualidade de segurado.
6. Assim sendo, é devido o benefício de aposentadoria por invalidez porque há prova da incapacidade permanente, nos temos do artigo 42, da Lei nº 8.213/91. Considerando que não houve recurso da parte autora para alteração da data de início do benefício, mantenho a data fixada na r. sentença.
7. Apliquem-se para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios estabelecidos pelo Manual De Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação.
8. Apelação do INSS desprovida. Alteração, de ofício, dos critérios de correção monetária e juros.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
