
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000010-95.2023.4.03.6122
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS
APELANTE: JOSE FERNANDO LEITE DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: ADRIANA APARECIDA TRAVESSONI - SP261533-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000010-95.2023.4.03.6122
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS
APELANTE: JOSE FERNANDO LEITE DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: ADRIANA APARECIDA TRAVESSONI - SP261533-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
O Desembargador Federal Jean Marcos (Relator):
Trata-se de ação destinada a viabilizar o restabelecimento de benefício previdenciário de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
A r. sentença (ID 291565426) julgou o pedido inicial improcedente em razão da perda da qualidade de segurado, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil e condenou, ainda, a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade, nos termos do artigo 98, §3º, do Código de Processo Civil.
Transcrevo um trecho da r. sentença:
“No caso, perícia médica judicial atestou que o autor padece de alterações degenerativas importantes na coluna lombar, que causam dores e limitação de movimentos e que o incapacitam de forma total para o trabalho braçal (cf. laudo - id. 275676683).
Indagado acerca do marco inicial da incapacidade (DII), asseverou o perito referir-se à data da perícia médica, ou seja, 14.02.2023.
Pontuou o examinador judicial que para fixação DII foram considerados o exame físico realizado durante o ato pericial e a história clínica do autor, ante a ausência de documentos atuais que evidenciem doenças incapacitantes (vide resposta ao quesito 7.1).
Ocorre que, na DII fixada pelo expert, o autor não estava filiado ao RGPS, vez que seu último vínculo com a Previdência Social de que se tem notícia foi o gozo de benefício por incapacidade entre 20.11.2017 e 26.03.2018 (CNIS - id. 310438513).
Deste modo, findo o período de graça de 12 meses previsto no art. 13, inciso II, do Decreto 3.048/99, o autor perdeu a qualidade de segurado em 05.2019.”
A parte autora, ora apelante (ID 291565428) requer a reforma da r. sentença para fixar a data de início do benefício e da incapacidade na cessação administrativa, ocorrida em 2018. Alega que o trabalho exercido não pressupõe capacidade, mas necessidade. Assim, afirma a manutenção da qualidade de segurado.
Sem contrarrazões
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000010-95.2023.4.03.6122
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. JEAN MARCOS
APELANTE: JOSE FERNANDO LEITE DA SILVA
Advogado do(a) APELANTE: ADRIANA APARECIDA TRAVESSONI - SP261533-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Desembargador Federal Jean Marcos (Relator):
A Constituição Federal de 1988, a teor do preceituado no artigo 201, inciso I, garante cobertura à incapacidade laboral.
Dispõe a Lei Federal nº 8.213/91, de 24-07-1991:
“Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
§1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.
§2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão”.
“Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
§1º Não será devido o auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, exceto quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou da lesão”.
Conforme se pode ver, a Lei de Benefícios estabelece que o benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência.
Por sua vez, o auxílio-doença (auxílio por incapacidade temporária) é direito do segurado que tiver atingido, se o caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
A implantação de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez exige carência de 12 (doze) contribuições mensais nos termos dos artigos 25, inciso I, da Lei Federal nº 8.213/91.
Não se exige carência “nos casos de segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, atualizada a cada 3 (três) anos, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado”, conforme artigo 26, inciso II, da Lei de Benefícios.
Também independe de carência, para a concessão dos referidos benefícios, nas hipóteses de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao RGPS, for acometido por uma das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei.
É oportuno observar que a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no RGPS não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da moléstia.
A lei determina que para o implemento dos benefícios em tela, é de rigor a existência do atributo de segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as respectivas contribuições, àquele que conservar todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art. 15 da Lei Federal nº 8.213, in verbis:
“Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
(...)
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º. O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º. Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º. Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º. A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos”.
Observa-se, desse modo, que o §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o lapso da graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
O §2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de mais 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
Na hipótese de perda de qualidade de segurado, é viável a implantação do benefício mediante prova do cumprimento de metade da carência, conforme artigo 27-A, da Lei Federal nº 8.213/91.
Em se tratando de benefícios por incapacidade, a comprovação do fato se faz por meio de prova pericial, salvo se desnecessária em vista de outras provas produzidas (CPC, art. 464).
Ainda quanto às provas, é oportuno ressaltar que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, na medida em que, a teor do art. 479 do CPC: “O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito”.
Contudo, é igualmente certo afirmar que a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que não englobe a questão jurídica em debate, depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto.
À vista do exposto, examina-se o caso concreto.
Quanto à incapacidade, o laudo do exame pericial realizado em 14/02/2023 (ID 291565403) assim consigna:
" II- Conclusão e Comentários:
O quadro relatado pelo requerente condiz com a patologia alegada porque apresenta alterações degenerativas na coluna lombar, que são importantes e causam dores e limitação de movimentos, que no momento o incapacitam de forma total para o trabalho braçal. Relata que trabalhou na informalidade até alguns dias antes da perícia médica, sendo assim, a data da perícia deve ser considerada como início da incapacidade laboral.
III - Nexo entre a Patologia e o Desempenho do Trabalho. Descrição do Caso.
A patologia alegada é geradora de incapacidade total e temporária para o desempenho das atividades profissionais desempenhadas pelo autor.
Com efeito, o Periciando relata trabalhar como chapa, ou saqueiro, em movimentação de cargas.
Verifica-se, pois, que existe incapacidade total e temporária para o labor, devendo ser reavaliado em 6 meses."
A parte autora nasceu em 28/11/1964 (ID 291565369). Possui, portanto, 59 anos.
O perito concluiu pela incapacidade total e temporária.
A qualidade de segurado e o cumprimento de carência foram impugnados.
O CNIS (ID 291565374) da pare autora prova sua filiação ao regime RGPS em 15/01/1983, na qualidade de empregado, vertendo contribuições nos períodos de 15/01/1983 a 14/02/1983; 12/06/1985 a 31/10/1985; 02/06/1986 a 10/10/1986; 10/07/1987 a 23/11/1987; 01/07/1997 a 13/02/1998; 01/02/2010 a 13/03/2010; 04/01/2016 a 17/02/2017
Gozou de auxílio-doença de 09/05/1999 a 12/04/2002 e de 20/11/2017 a 26/03/2018. Após, não verteu contribuições ou gozou de benefícios.
O perito judicial fixou a data de início da incapacidade em 14/02/2023. A análise dos autos requer que a incapacidade seja alterada, tendo em vista os relatórios médicos e exames trazidos e considerando, ainda que o perito fixou a data da incapacidade na data da perícia porque afirmou que a parte autora “Relata que trabalhou na informalidade até alguns dias antes da perícia médica”.
A questão da exclusão dos períodos de trabalho registrado foi objeto de análise pelo Superior Tribunal de Justiça em regime de repetitividade, nos seguintes termos:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ARTS. 1.036 E SEGUINTES DO CPC/2015. TEMA REPETITIVO 1.013/STJ. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E AUXÍLIO-DOENÇA. DEMORA NA IMPLEMENTAÇÃO DO BENEFÍCIO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA PELO SEGURADO. NECESSIDADE DE SUBSISTÊNCIA DO SEGURADO. FUNÇÃO SUBSTITUTIVA DA RENDA NÃO CONSUBSTANCIADA. POSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO CONJUNTO DA RENDA DO TRABALHO E DAS PARCELAS RETROATIVAS DO BENEFÍCIO ATÉ A EFETIVA IMPLANTAÇÃO. TESE REPETITIVA FIXADA. IDENTIFICAÇÃO E DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA
1. O tema repetitivo ora controvertido consiste em definir a "possibilidade de recebimento de benefício, por incapacidade, do Regime Geral de Previdência Social, de caráter substitutivo da renda (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez), concedido judicialmente em período de abrangência concomitante àquele em que o segurado estava trabalhando e aguardava o deferimento do benefício”.
2. Os fatos constatados no presente Recurso Especial consistem cronologicamente em: a) o segurado teve indeferido benefício por incapacidade (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) na via administrativa; b) para prover seu sustento, trabalhou após o indeferimento e entrou com ação judicial para a concessão de benefício por incapacidade; c) a ação foi julgada procedente para conceder o benefício desde o requerimento administrativo, o que acabou por abranger o período de tempo em que o segurado trabalhou; e d) o debate, travado ainda na fase ordinária, consiste no entendimento do INSS de que o benefício por incapacidade concedido judicialmente não pode ser pago no período em que o segurado estava trabalhando, ante seu caráter substitutivo da renda e à luz dos arts. 42, 46 e 59 da Lei 8.213/1991.
3. A presente controvérsia e, consequentemente, a tese repetitiva que for fixada não abrangem as seguintes hipóteses:
3.1. O segurado está recebendo regularmente benefício por incapacidade e passa a exercer atividade remunerada incompatível com sua incapacidade, em que não há o caráter da necessidade de sobrevivência como elemento que justifique a cumulação, e a função substitutiva da renda do segurado é implementada de forma eficaz. Outro aspecto que pode ser analisado sob perspectiva diferente é o relativo à boa-fé do segurado. Há jurisprudência das duas Turmas da Primeira Seção que analisa essa hipótese, tendo prevalecido a compreensão de que há incompatibilidade no recebimento conjunto das verbas. A exemplo: AgInt no REsp 1.597.369/SC, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 13.4.2018; REsp 1.454.163/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 18.12.2015; e REsp 1.554.318/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 2.9.2016.
3.2. O INSS alega o fato impeditivo do direito (o exercício de trabalho pelo segurado) somente na fase de cumprimento da sentença, pois há elementos de natureza processual prejudiciais à presente tese a serem considerados, notadamente a aplicabilidade da tese repetitiva fixada no REsp 1.253.513/AL (Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, DJe de 20.8.2012).
RESOLUÇÃO DA TESE CONTROVERTIDA
4. Alguns benefícios previdenciários possuem a função substitutiva da renda auferida pelo segurado em decorrência do seu trabalho, como mencionado nos arts. 2º, VI, e 33 da Lei 8.213/1991. Em algumas hipóteses, a substitutividade é abrandada, como no caso de ser possível a volta ao trabalho após a aposentadoria por tempo de contribuição (art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991). Em outras, a substitutividade resulta na incompatibilidade entre as duas situações (benefício e atividade remunerada), como ocorre com os benefícios auxílio-doença por incapacidade e aposentadoria por invalidez.
5. Desses casos de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, é pressuposto que a incapacidade total para o trabalho seja temporária ou definitiva, respectivamente.
6. Como consequência, o Regime Geral de Previdência Social arca com os citados benefícios por incapacidade para consubstanciar a função substitutiva da renda, de forma que o segurado que não pode trabalhar proveja seu sustento.
7. A cobertura previdenciária, suportada pelo regime contributivo solidário, é o provimento do sustento do segurado enquanto estiver incapaz para o trabalho.
8. É decorrência lógica da natureza dos benefícios por incapacidade, substitutivos da renda, que a volta ao trabalho seja, em regra, causa automática de cessação desses benefícios, como se infere do requisito da incapacidade total previsto nos arts. 42 e 59 da Lei 8.213/1991, com ressalva ao auxílio-doença.
9. No caso de aposentadoria por invalidez, o art. 42 da Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS) estabelece como requisito a incapacidade "para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência", e, assim, a volta a qualquer atividade resulta no automático cancelamento do benefício (art. 46).
10. Já o auxílio-doença estabelece como requisito (art. 59) que o segurado esteja "incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual". Desse modo, a função substitutiva do auxílio-doença é restrita às duas hipóteses, fora das quais o segurado poderá trabalhar em atividade não limitada por sua incapacidade.
11. Alinhada a essa compreensão, já implícita desde a redação original da Lei 8.213/1991, a Lei 13.135/2015 incluiu os §§ 6º e 7º no art. 60 daquela, com a seguinte redação (grifos acrescentados): "§ 6º O segurado que durante o gozo do auxílio-doença vier a exercer atividade que lhe garanta subsistência poderá ter o benefício cancelado a partir do retorno à atividade. § 7º Na hipótese do § 6º, caso o segurado, durante o gozo do auxílio-doença, venha a exercer atividade diversa daquela que gerou o benefício, deverá ser verificada a incapacidade para cada uma das atividades exercidas."
12. Apresentado esse panorama legal sobre o tema, importa estabelecer o ponto diferencial entre a hipótese fática dos autos e aquela tratada na lei: aqui o segurado requereu o benefício, que lhe foi indeferido, e acabou trabalhando enquanto não obteve seu direito na via judicial; já a lei trata da situação em que o benefício é concedido, e o segurado volta a trabalhar.
13. A presente controvérsia cuida de caso, portanto, em que falhou a função substitutiva da renda, base da cobertura previdenciária dos benefícios auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.
14. O provimento do sustento do segurado não se materializou, no exato momento da incapacidade, por falha administrativa do INSS, que indeferiu incorretamente o benefício, sendo inexigível do segurado que aguarde a efetivação da tutela jurisdicional sem que busque, pelo trabalho, o suprimento da sua subsistência.
15. Por culpa do INSS, resultado do equivocado indeferimento do benefício, o segurado teve de trabalhar, incapacitado, para o provimento de suas necessidades básicas, o que doutrinária e jurisprudencialmente convencionou-se chamar de sobre-esforço. Assim, a remuneração por esse trabalho tem resultado inafastável da justa contraprestação pecuniária.
16. Na hipótese, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa atua contra a autarquia previdenciária, pois, por culpa sua - indeferimento equivocado do benefício por incapacidade -, o segurado foi privado da efetivação da função substitutiva da renda laboral, objeto da cobertura previdenciária, inerente aos mencionados benefícios.
17. Como tempero do elemento volitivo do segurado, constata-se objetivamente que, ao trabalhar enquanto espera a concessão de benefício por incapacidade, está ele atuando de boa-fé, cláusula geral hodiernamente fortalecida na regência das relações de direito.
18. Assim, enquanto a função substitutiva da renda do trabalho não for materializada pelo efetivo pagamento do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, é legítimo que o segurado exerça atividade remunerada para sua subsistência, independentemente do exame da compatibilidade dessa atividade com a incapacidade laboral.
19. No mesmo sentido do entendimento aqui defendido: AgInt no AREsp 1.415.347/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, Je de 28.10.2019; REsp 1.745.633/PR, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe de 18.3.2019; AgInt no REsp 1.669.033/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 30.8.2018; REsp 1.573.146/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe de 13.11.2017; AgInt no AgInt no AREsp 1.170.040/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 10.10.2018; AgInt no REsp 1.620.697/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 2.8.2018; AgInt no AREsp 1.393.909/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 6.6.2019; e REsp 1.724.369/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 25.5.2018.
FIXAÇÃO DA TESE REPETITIVA
20. O Tema Repetitivo 1.013/STJ é assim resolvido: "No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente."
RESOLUÇÃO DO CASO CONCRETO
21. Ao Recurso Especial deve-se negar provimento, pois o Tribunal de origem julgou o presente caso no mesmo sentido do entendimento aqui proposto (fl. 142-143/e-STJ): "A permanência do segurado no exercício das atividades laborativas decorre da necessidade de prover sua subsistência enquanto a administração ou o Judiciário não reconheça sua incapacidade, não obstando a concessão do benefício vindicado durante a incapacidade."
22. Consubstanciado o que previsto no Enunciado Administrativo 7/STJ, o recorrente é condenado ao pagamento de honorários advocatícios de 10% (dez por cento) sobre o valor total da verba sucumbencial fixada nas instâncias ordinárias, com base no § 11 do art. 85 do CPC/2015.
CONCLUSÃO
23. Recurso Especial não provido, sob o rito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(STJ, 1ª Seção, REsp. 1.786.590/SP, j. 24/06/2020, DJe 01/07/2020, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, grifei).
No caso concreto, há documentos médicos com os mesmos achados da perícia judicial, datados de 23/09/2021. Assim, fixo a incapacidade em 23/09/2021.
Contudo, a alteração da fixação da data de início da incapacidade não altera, na prática, o resultado do julgamento dos autos, considerando que a qualidade de segurado da parte autora se manteve até 15/05/2019. E se considerarmos o desemprego involuntário, se estenderia até 15/05/2020.
Dessa forma, inviável a concessão de benefício previdenciário. Incabível a reforma da r. sentença neste ponto.
Por tais fundamentos, dou parcial provimento à apelação da parte autora para fixar a data da incapacidade em 23/09/2021, mantendo-se a inviabilidade da implantação do benefício previdenciário por perda da qualidade de segurado.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. AUXÍLIO-DOENÇA OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA. QUALIDADE DE SEGURADO NÃO PROVADA. TEMA 1.013/STJ. ALTERAÇÃO DA DATA DA INCAPACIDADE SEM REPERCUSSÃO PRÁTICA.
1. O perito concluiu pela incapacidade total e temporária.
2. A qualidade de segurado e o cumprimento de carência forma impugnados.
3. O perito judicial fixou a data de início da incapacidade em 14/02/2023. A análise dos autos requer que a incapacidade seja alterada, tendo em vista os relatórios médicos e exames trazidos e considerando, ainda que o perito fixou a data da incapacidade na data da perícia porque afirmou que a parte autora “Relata que trabalhou na informalidade até alguns dias antes da perícia médica”.
4. O Tema Repetitivo 1.013/STJ foi assim resolvido: "No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente”.
5. No caso concreto, há documentos médicos com os mesmos achados da perícia judicial, datados de 23/09/2021. Assim, fixo a incapacidade em 23/09/2021.
6. Contudo, a alteração da fixação da data de início da incapacidade não altera, na prática, o resultado do julgamento dos autos, considerando que a qualidade de segurado da parte autora se manteve até 15/05/2019. E se considerarmos o desemprego involuntário, se estenderia até 15/05/2020. Dessa forma, inviável a concessão de benefício previdenciário. Incabível a reforma da r. sentença neste ponto.
7. Apelação da parte autora parcialmente provida.
