
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002862-14.2021.4.03.6106
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DAVI PAULO ALVES
Advogado do(a) APELADO: EDMILSON PEREIRA ALVES - SP309771-N
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002862-14.2021.4.03.6106
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DAVI PAULO ALVES
Advogado do(a) APELADO: EDMILSON PEREIRA ALVES - SP309771-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA VANESSA MELLO (RELATORA):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, em ação ajuizada por DAVI PAULO ALVES, objetivando o pagamento dos valores atrasados relativos ao benefício assistencial (art. 203, inciso V, da Constituição Federal).
A r. sentença (ID 277540484– fls. 817/820) julgou procedente o pedido para condenar o INSS ao pagamento das prestações em atraso do benefício de prestação continuada do NB 160599089-0 referente ao período de 01/05/2013 a 30/06/2020, acrescidas as prestações atrasadas de correção monetária e juros de mora, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente à data do cálculo de liquidação. Ainda, condenou a autarquia ao reembolso de eventuais despesas e ao pagamento de honorários advocatícios, fixados no percentual mínimo do art. 85, § 3º, do CPC.
Em razões recursais de ID 27540486 – fls. 825/829, o INSS alega a ocorrência da prescrição de fundo do direito de todas as parcelas vencidas, uma vez que a ação judicial foi proposta em 17/06/2021, enquanto o pedido administrativo ou o cancelamento da prestação assistencial ocorreu em 01/05/2013.
A parte autora apresentou contrarrazões (ID 277540489 – fls. 832/840).
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
O Ministério Público Federal, em seu parecer (ID 278549393 – fls. 859/860), opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002862-14.2021.4.03.6106
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DAVI PAULO ALVES
Advogado do(a) APELADO: EDMILSON PEREIRA ALVES - SP309771-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA. SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA VANESSA MELLO (RELATORA):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Inicialmente, observo que a controvérsia cinge-se ao reconhecimento da prescrição do total das parcelas atrasadas do benefício de prestação continuada, com base no artigo 1º do Decreto n. 20.910/1932, e no artigo 2º do Decreto-lei n. 4.597/1942, tendo em vista o decurso de prazo superior a 5 (cinco) anos entre a data do requerimento administrativo, realizado em 01/05/2013, e o ajuizamento do presente feito, em 30/06/2020.
Contudo, a tese levantada pela autarquia não merece prosperar.
O Eg. STF, em sede de repercussão geral, pacificou entendimento no sentido de que, tratando-se de direito fundamental, uma vez preenchidos os requisitos para a sua obtenção, o direito ao benefício previdenciário não deve ser afetado pelo decurso do tempo:
RECURSO EXTRAODINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS). REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA.
1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário.
2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema previdenciário.
3. O prazo decadencial de dez anos, instituído pela Medida Provisória 1.523, de 28.06.1997, tem como termo inicial o dia 1º de agosto de 1997, por força de disposição nela expressamente prevista. Tal regra incide, inclusive, sobre benefícios concedidos anteriormente, sem que isso importe em retroatividade vedada pela Constituição.
4. Inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência.
5. Recurso extraordinário conhecido e provido.
(RE nº 626.489/SE, Tribunal Pleno, Relator Ministro Roberto Barroso, DJe 23/09/2014)
Em matéria de concessão de benefício previdenciário ou assistencial, não corre a prescrição do fundo de direito do benefício requerido ou indeferido na via administrativa, prescrevendo somente as parcelas anteriores aos 5 (cinco) anos que antecederam a data do ajuizamento da ação, consoante previsão do parágrafo único do art. 103 da Lei n.º 8.213/1991, in verbis:
“Art. 103. O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício e do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de 10 (dez) anos, contado: (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
(...)
Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)”
A respeito do tema, trago, ainda, a súmula nº 85 do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual:
“Súmula nº 85. Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação”.
Não obstante a referida súmula ressalve as hipóteses em que “não tiver sido negado o próprio direito reclamado”, a jurisprudência do C. STJ consolidou-se no sentido de que não se configura a prescrição de fundo de direito, ainda que ocorra a negativa de concessão de benefício pelo INSS, porquanto o direito fundamental a benefício previdenciário ou assistencial não pode ser fulminado sob tal perspectiva.
Neste sentido, colaciono os seguintes precedentes do Eg. STJ:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. INDEFERIMENTO DE APOSENTADORIA. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. NÃO OCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DO PRAZO DECADENCIAL DO CAPUT DO ARTIGO 103 DA LEI 8.213/1991. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência do STJ é firme e uníssona no sentido de que, mesmo na hipótese de negativa de concessão de benefício previdenciário e/ou assistencial pelo INSS, não há falar em prescrição do próprio fundo de direito, porquanto o direito fundamental a benefício previdenciário não pode ser fulminado sob tal perspectiva.
2. O direito à obtenção de benefício previdenciário é imprescritível, apenas se sujeitando ao efeito aniquilador decorrente do decurso do lapso prescricional as parcelas não reclamadas em momento oportuno.
3. Agravo interno não provido. (grifei)
(STJ, AgInt no REsp nº 1.869.582/CE, AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL 2020/0077930-0, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, 2ª T., Julgamento 24/08/2020, Publicação/Fonte DJe 01/09/2020)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 20 DA LEI 8.742/1993. CONCESSÃO INICIAL E DIREITO DE REVISÃO DE ATO DE ANÁLISE CONCESSÓRIA. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. NÃO OCORRÊNCIA.
IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA
1. Trata-se de Recurso Especial, remetido pela Segunda Turma, para exame da Primeira Seção nos termos do art. 14, II, do RI/STJ.
Discute-se a prescritibilidade do fundo de direito ao benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei 8.742/1993.
PANORAMA JURISPRUDENCIAL
2. O Superior Tribunal de Justiça tem-se manifestado a favor de afastar a prescrição do fundo de direito quando em discussão direito fundamental ao Benefício de Prestação Continuada da Lei Orgânica da Assistência Social (BPC-LOAS), previsto no art. 20 da Lei 8.742/1993, como instrumento de garantia à cobertura pela Seguridade Social da manutenção da vida digna e do atendimento às necessidades básicas sociais.
3. Conforme precedente do STF (RE 626.489/SE, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 16/10/2013, DJe 23/9/2014), julgado sob o rito da repercussão geral, o direito fundamental à concessão inicial ao benefício previdenciário pode ser exercido a qualquer tempo, sem que se atribua consequência prejudicial ao direito pela inércia do beneficiário, entendimento esse aplicável com muito mais força ao BPC-LOAS, por seu caráter assistencial.
IMPRESCRITIBILIDADE DO DIREITO AO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
4. No caso do BPC-LOAS, o direito de revisão do ato que indefere ou cessa a prestação assistencial não é completamente fulminado pela demora em exercitar o mencionado direito, ao contrário do que ocorre aos benefícios previdenciários, sobre os quais incide o prazo decadencial de dez anos, e a prescrição fulmina apenas as prestações sucessivas anteriores aos cinco anos da ação de concessão inicial ou de revisão, conforme art. 103 da Lei 8.213/1991.
5. Admitir que, sobre o direito de revisão do ato de indeferimento do BPC-LOAS, incida a prescrição quinquenal do fundo de direito é estabelecer regime jurídico mais rigoroso que o aplicado aos benefícios previdenciários, sendo estes menos essenciais à dignidade humana que o benefício assistencial.
6. Assim, a pretensão à concessão inicial ou ao direito de revisão de ato de indeferimento, cancelamento ou cessação do BPC-LOAS não é fulminado pela prescrição do fundo de direito, mas tão somente das prestações sucessivas anteriores ao lustro prescricional previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932.
7. Na mesma linha de compreensão: REsp 1.731.956/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 22/5/2018, DJe de 29/05/2018; REsp 1.349.296/CE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 20/02/2014, DJe de 28/2/2014; AgRg no AREsp 336.322/PE, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 24/03/2015, DJe de 8/4/2015; AgRg no REsp 1.471.798/PB, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 6/10/2014; AgRg no AREsp 364.526/CE, Rel. Min. Ari Pargendler, Primeira Turma, DJe de 28/8/2014; AgRg no AREsp 493.997/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 9/6/2014; AgRg no AREsp 506.885/SE, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 2/6/2014; AgRg no REsp 1.376.033/PB, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 9/4/2014.
(...)
(REsp n. 1.803.530/PE, relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 22/11/2023, DJe de 28/2/2024.)
Assim, em matéria de benefício assistencial, vê-se que a prescrição somente alcança as prestações sucessivas anteriores aos cinco anos da ação de concessão inicial ou de revisão, não o direito, que pode ser perseguido a qualquer tempo.
Neste contexto, o entendimento, a jurisprudência desta E. Turma:
“PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE POSTULAR BENEFÍCIO. NÃO CABIMENTO. FUNDAMENTALIDADE DO DIREITO À PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 74 A 79 E 55, § 3º. LEI N.º 8.213/91. LABOR RURAL DO DE CUJUS. INEXISTÊNCIA DE SUBSTRATO MATERIAL MÍNIMO. SÚMULA 149 DO STJ. VERBAS DE SUCUMBÊNCIA. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. APELAÇÃO DA AUTORA PREJUDICADA.
1 - A proteção previdenciária constitui direito constitucional fundamental, de modo que o segurado ou os dependentes dele podem pleiteá-la a qualquer tempo, não estando o exercício desta faculdade sujeita à decadência ou à prescrição. Precedentes.
(...)
18 - Matéria prejudicial rejeitada. Processo extinto, sem exame do mérito. Verbas de sucumbência. Dever de pagamento suspenso. Gratuidade da justiça. Apelação da autora prejudicada.”
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5131502-93.2021.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 13/02/2023, DJEN DATA: 23/02/2023)
“PREVIDENCIÁRIO/PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA. PRESCRIÇÃO DE FUNDO DE DIREITO. PRELIMINAR REJEITADA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR NÃO CONFIGURADO. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA. PROCESSO EXTINTO. ART. 485, IV, DO CPC. TUTELA REVOGADA.
1. De início, observo ser inaplicável a disposição sobre o reexame necessário ao caso em tela, vez que o disposto no parágrafo 3º do artigo 496 do CPC atual dispensa do reexame necessário o caso em questão, por se tratar de direito controvertido inferior ao limite previsto no citado dispositivo legal (...) Por conseguinte, considerando os valores atrasados a que a parte autora eventualmente fará jus, caso mantida a decisão guerreada, conclui-se que o valor da condenação, obviamente, não ultrapassará 1000 (mil) salários-mínimos, o que permite a aplicação da regra constante do dispositivo legal supracitado. Desse modo, não conheço da remessa oficial.
2. Quanto à matéria preliminar suscitada pelo INSS, destaco que o entendimento dominante na jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o pleito atinente à concessão/obtenção de benefício previdenciário é imprescritível (vale dizer, não há que se falar em prescrição do fundo de direito), uma vez que tal relação se caracteriza por ser de trato sucessivo e por atender necessidades alimentares do segurado. Todavia, as parcelas não reclamadas relativas ao quinquênio que antecede o ajuizamento de demanda judicial prescrevem em decorrência da inércia do interessado, nos termos dos artigos 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91, e 1º, do Decreto nº 20.910/32, respectivamente. Precedente.
(...)
15. Remessa oficial não conhecida. Preliminar rejeitada. Apelação do INSS parcialmente provida. Processo extinto. Tutela revogada.”
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5002425-39.2017.4.03.6000, Rel. Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, julgado em 23/03/2022, DJEN DATA: 29/03/2022)
Por conseguinte, in casu, não há que se falar em prescrição do fundo de direito, conforme alegado pela autarquia previdenciária.
Ainda que assim não fosse, da análise dos autos, verifica-se que a parte autora é pessoa absolutamente incapaz, motivo pelo qual, não há fluência de prescrição contra ele.
Nos termos do art. 3º do Código Civil, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015, não há fluência dos prazos prescricional nem decadencial diante de pessoas absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil, considerados, como tais, somente os menores de 16 anos.
A Lei 13.146/2015, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, passou a considerar apenas os menores de 16 anos como absolutamente incapazes, revogando os incisos I, II e III, do art. 3º do Código Civil.
Já as pessoas portadoras de enfermidade ou doença mental que não possuem o necessário discernimento à prática dos autos da vida civil, os quais eram incluídos no rol dos absolutamente incapazes, após as alterações dadas pela Lei 13.146/2015 ao art. 4º do Código Civil, passaram a ser consideradas como relativamente incapazes.
Por outro lado, o art. 198, I, do mesmo diploma legal, estabelece que:
“ Também não corre a prescrição:
I - contra os incapazes de que trata o art. 3 o ;”
Assim, extrai-se das alterações promovidas pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência ao Código Civil que as pessoas portadoras de enfermidade ou doença mental que não têm o necessário discernimento à prática dos atos da vida civil passaram a sujeitar-se ao transcurso do prazo prescricional.
Vale ressaltar que, conforme art. 6º do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a referida lei tem como princípio promover a autonomia e a autodeterminação da pessoa com deficiência, garantindo o pleno exercício de sua capacidade civil, visando promover sua maior inserção social.
Entretanto, ainda que necessária a maior inclusão das pessoas com deficiência ao convívio social, não se pode afastar o tratamento distinto necessário que elas dispendem, uma vez que não se encontram em plena capacidade de interação na sociedade em condições de igualdade.
Desta feita, a norma em comento incorreu em evidente contradição, uma vez que trouxe prejuízos àqueles que visava proteger. Sendo assim, sopesando os princípios da isonomia e dignidade da pessoa humana constantes da Constituição Federal de 1988, não se mostra razoável excluir a pessoa com deficiência psíquica ou intelectual que não tenha discernimento para a prática de atos da vida civil do rol dos absolutamente incapazes para a regra da imprescritibilidade.
A ilustrar o tema, colaciono a ementa abaixo:
“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. FILHO MAIOR E INCAPAZ PARA REGER OS ATOS DA VIDA CIVIL. NÃO OCORRÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL. DATA INICIAL DO PAGAMENTO.
1. É pacífico o entendimento que a prescrição não corre contra o absolutamente incapaz, a teor do contido no artigo 198, I, do Código Civil.
2. O artigo 114 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, instituído pela Lei n. 13.146, de 06/07/2015, alterou as redações dos artigos 3º e 4º do Código Civil, de modo que o absolutamente incapaz é somente o menor de 16 (dezesseis) anos, ao passo que aquele que não puder exprimir sua vontade se trata de pessoa relativamente incapaz.
3. Com relação aos portadores de enfermidade ou doença mental que não têm o necessário discernimento à prática dos autos da vida civil, a incidência do prazo prescricional nos mesmos moldes aplicados àqueles que podem reger sua vida civil, ensejaria na violação ao princípio da igualdade previsto constitucionalmente, uma vez que está sendo dado tratamento igual às pessoas desiguais.
4. Apesar das alterações do artigo 3º do Código Civil, uma vez que o Estatuto da Pessoa com Deficiência se trata de norma protetiva, sob pena de inconstitucionalidade, deve-se considerar como absolutamente incapaz o portador de enfermidade ou doença mental desprovido de discernimento para a prática dos atos da vida civil, mormente no que tange à imprescritibilidade de seus direitos.
5. Comprovado que o autor é portador de doença mental incapacitante desde seu nascimento, tanto que foi interditado, tem-se que contra ele não correu o prazo prescricional, devendo o benefício ser concedido desde a data do óbito. Precedentes.
6. Recurso provido.”
(10ª Turma, ApCiv 5008622-02.2021.4.03.6119, Rel. Des. Federal LEILA PAIVA MORRISON, j. em 26/10/2022, Intimação via sistema DATA: 28/10/2022)
No caso dos autos, verifica-se que o autor é portador de oligofrenia severa, a qual, segundo o laudo pericial realizado em 07/01/2008 (ID 277540477, fls. 545/547), determina a sua incapacidade de discernimento e de fala, bem como sua incapacidade laborativa total e permanente.
Em razão da moléstia apresentada, foi declarada a interdição do requerente, conforme consta do termo de compromisso de curador provisório, decorrente do Processo nº 1000044-59.2020.8.26.0306 (ID 277540445, fl. 69).
Sendo assim, comprovado que o autor é portador de doença mental incapacitante desde seu nascimento, tanto que foi interditado, tem-se que contra ele não correu o prazo prescricional.
Desta feita, diante da imprescritibilidade do fundo de direito do benefício assistencial, bem como da configuração da incapacidade absoluta da parte autora, vê-se que não há que se falar em prescrição do total das parcelas atrasadas pleiteadas.
VERBA HONORÁRIA RECURSAL
O art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015, dispõe acerca da majoração de ofício da verba honorária, destacando a sua pertinência quando o recurso tenha exigido ao advogado da parte contrária trabalho adicional, observados os limites estabelecidos em lei e ficando sua exigibilidade condicionada ao quanto decidido por ocasião do julgamento do Tema n.º 1059/STJ, o que será examinado oportunamente pelo Juízo a quo.
Desta feita, configurada a hipótese prevista em lei, majoro os honorários advocatícios em 2% (dois por cento) do valor arbitrado na sentença de primeiro grau.
Ante o exposto, nego provimento ao apelo do INSS, condenando-o ao pagamento dos honorários recursais.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (ART. 203, INC. V, CF E ART. 20, LEI 8.742/93).COBRANÇA DE PRESTAÇÕES EM ATRASO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. NÃO OCORRÊNCIA. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. OBSERVÂNCIA DO ART. 198, I, DO CÓDIGO CIVIL. VERBA HONORÁRIA RECURSAL. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA.
- O postulante requer o pagamento das parcelas do benefício de prestação continuada entre o período 05/2013 até 06/2020.
- O Eg. STF, em sede de repercussão geral, pacificou entendimento no sentido de que, tratando-se de direito fundamental, uma vez preenchidos os requisitos para a sua obtenção, o direito ao benefício previdenciário não deve ser afetado pelo decurso do tempo.
- Em matéria de concessão de benefício previdenciário ou assistencial, não corre a prescrição do fundo de direito do benefício requerido ou indeferido na via administrativa, prescrevendo somente as parcelas anteriores aos 5 (cinco) anos que antecederam a data do ajuizamento da ação, consoante previsão do parágrafo único do art. 103 da Lei n.º 8.213/1991, e nos termos da Súmula nº 85 do Superior Tribunal de Justiça
- Assim, em matéria de previdência social, a prescrição só alcança as prestações, não o direito, que pode ser perseguido a qualquer tempo.
- Ademais, in casu, o autor é portador de oligofrênia severa, moléstia que determina a sua incapacidade de discernimento, motivo pelo qual foi declarada a sua interdição e nomeado curador.
- Não obstante o art. 198, I, do Código Civil disponha que não há fluência de prescrição contra os incapazes de que trata o art. 3º do código, quais sejam, somente, os menores de 16 (dezesseis) anos, de acordo com a jurisprudência do Eg. STJ, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual não flui o prazo prescricional contra os absolutamente incapazes, inclusive os interditados ainda que sob curatela.
- Faz jus a parte requerente o recebimento das parcelas em atraso referente a 05/2013 até 06/2020.
- O art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015, dispõe acerca da majoração de ofício da verba honorária, destacando a sua pertinência quando o recurso tenha exigido ao advogado da parte contrária trabalho adicional, observados os limites estabelecidos em lei e ficando sua exigibilidade condicionada ao quanto decidido por ocasião do julgamento do Tema n.º 1059/STJ, o que será examinado oportunamente pelo Juízo a quo. Desta feita, configurada a hipótese prevista em lei, restam majorados os honorários advocatícios em 2% (dois por cento).
- Apelação do INSS desprovida.
