
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010481-55.2021.4.03.6183
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NEUZA CHAVES DA SILVA
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010481-55.2021.4.03.6183
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NEUZA CHAVES DA SILVA
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ERIK GRAMSTRUP (RELATOR):
Trata-se apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, em ação ajuizada por NEUZA CHAVES DA SILVA, objetivando o restabelecimento de benefício assistencial (art. 203, inciso V, da Constituição Federal) e a inexigibilidade do débito cobrado pelo INSS. Requerida tutela de urgência (ID 287492488, fl.1/11).
A r. sentença de ID 287492668 (fls. 1/7), julgou procedente o pedido da autora a fim de determinar o restabelecimento do benefício assistencial desde a data de sua cessação indevida, bem como determinar ao INSS se abster de cobrar os valores durante o período de 30/09/2015 até 27/05/2021. Ainda, condenou a Autarquia ao pagamento de honorários advocatícios fixados no percentual mínimo do § 3º do art. 85 do CPC. Concedida tutela antecipada.
Em razões recursais de ID 287492671 (fls. 1/23) o INSS, preliminarmente, pugna pela atribuição de efeito suspensivo ao recurso, com a cessação dos efeitos de tutela de urgência concedida na sentença e pela anulação da sentença com fundamento em laudo social eivado de vício. No mérito, requer a reforma da sentença, sustentando a não comprovação da hipossuficiência econômica, além de pleitear a devolução dos valores recebidos indevidamente. Subsidiariamente, requer que a data de início da condenação seja fixada na data da realização do laudo, requer também que seja conhecida a prescrição das parcelas vencidas, que os honorários sejam limitados em 10%, a multa afastada ou arbitrada em 1/30 do valor do benefício a incidir caso decorrido o prazo de 25 (vinte e cinco) dias úteis, além da alteração da correção monetária e, por fim, o prequestionamento para eventuais fins recursais.
A parte autora apresentou contrarrazões (ID 287492677, fl. 1/5).
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
O Ministério Público Federal, em seu parecer de ID 291630494 (fls. 1/7), manifestou-se pelo desprovimento do recurso do INSS.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010481-55.2021.4.03.6183
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: NEUZA CHAVES DA SILVA
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ERIK GRAMSTRUP (RELATOR):
Preliminarmente, considerando que a suspensão ou manutenção da tutela antecipada é matéria intrínseca ao pedido, tenho que análise de seus requisitos será efetuada juntamente com o mérito das questões trazidas a debate pelo recurso de apelação.
Considerando ainda o pedido de anulação da r. sentença, a fim de que seja reaberta a instrução processual com a realização de nova perícia social é matéria intrínseca ao pedido, tenho que a análise será efetuada juntamente com o mérito das questões trazidas a debate pelo recurso de apelação.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
A assistência social deve ser definida e interpretada como elemento do Estado Democrático, tendo a participação da sociedade como característica marcante. Para delimitar esse ponto, convocamos o auxílio de doutrina especializada:
“O exemplo da assistência social no Brasil é emblemático nesse sentido. Quando reconhecemos, no primeiro capítulo, que a desigualdade social era bem mais do que a diferença de recursos materiais a disposição dos indivíduos, levantamos indiretamente uma questão central para a democracia. Se por um lado parece imperioso, sob riscos de abalar a coerência de uma ideia contemporânea e radical de democracia, o reconhecimento da cidadania e do direito à participação nas questões que afetam o indivíduo independa de qualquer requisito prévio, como educação, saúde, moradia, estabilidade familiar etc.; de outro, seria ingênuo considerar que a condição de pobreza não limita gravemente a liberdade comunicativa dos indivíduos. Como vimos, a pobreza pode ser entendida como uma forma de desrespeito na medida em que afeta a construção da identidade pessoal, a partir de um sofrimento de indeterminação causado pela baixa autoconfiança, autorrespeito e autoestima. O problema, a nosso ver, pelo menos no debate sobre o direito à assistência social no Brasil, é bem mais simples do aquele tratado por Iris Marion Young (2001) sobre a necessidade de inclusão de outras formas discursivas e de expressão que não o discurso moral como a base de uma democracia deliberativa aberta à diferença. O problema aqui é, antes de qualquer coisa, de equidade política.” (CHAVES, Vitor Pinto. O direito à assistência social no Brasil: reconhecimento, participação e alternativas de concretização. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 137/138).
Para concluir a caracterização desse segmento, invoco ainda o ensinamento da ilustre magistrada e doutrinadora MARISA SANTOS, a propósito da assistência social:
“(...) o art. 203 da CF prescreve que a Assistência Social “será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social”. E, mais, que: “as prestações de assistência social independem de contribuição para o custeio da seguridade social por parte do beneficiário”. Por fim, que:
“Para a CF a Assistência Social é instrumento de transformação social, e não meramente assistencialista. As prestações de assistência social devem promover a integração e a inclusão do assistido na vida comunitária, fazer com que, a partir do recebimento das prestações assistenciais, seja ‘menos desigual’ e possa exercer atividades que lhe garantam a subsistência”. (SANTOS, Marisa. Direito previdenciário esquematizado. Ed. digital. São Paulo: Saraiva Educação, 2020)
DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
Postula a parte autora a concessão do Benefício Assistencial, instituído pela Constituição Federal, nos termos do artigo 203, caput e inciso V, in verbis:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A Lei n.º 8.742, de 07.12.1993 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), regulamentada pelo Decreto n.º 6.214, de 26.09.2007, foi recepcionada e deu eficácia plena à referida norma constitucional, criando o benefício de prestação continuada, também denominado benefício assistencial, disposto no art. 20, com a seguinte redação, in verbis:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)(Vide Lei nº 13.985, de 2020)
Portanto, a rigor, o BPC subdivide-se em dois tipos, conforme o beneficiário. É prestado ao idoso, maior de 65 anos e à pessoa com deficiência. Em ambos os casos, é exigida a prova da pobreza e do desamparo, ou seja, a inexistência de meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família
Dada a natureza assistencial do benefício, este independe de qualidade de segurado ou cumprimento de período de carência; tampouco se exige do postulante que desenvolva alguma atividade laboral.
DOS BENEFICIÁRIOS
1) Idosos
A redação original do art. 20 da Lei n.º 8.742/1993, que vigeu no período de 01.01.1996 a 31.12.1997, estabelecia a idade mínima de 70 anos como requisito para a obtenção do benefício.
A partir de 01.01.1998, conforme redação dada pela MP n.º 1.599-39, de 1997, e reedições, posteriormente convertida na Lei n.º 9.720/1998, a idade mínima necessária passou a ser 67 anos.
Com a edição da Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003, acabou-se por eleger a idade de 65 anos como critério etário para o recebimento do benefício assistencial, nos seguintes termos:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas."
Sendo assim, a Lei n.º 12.435/2011 atualizou o art. 20 da Lei n.º 8.742/1993, para estabelecer que a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou mais, desde que exposta à situação de hipossuficiência financeira, pode ser amparada pela Seguridade Social por meio do benefício assistencial.
2) Pessoa com condição de deficiência
O conceito de pessoa com deficiência, para fins de concessão do benefício de amparo social, foi previsto no artigo 20, § 2º, da Lei n.º 8.742/1993, que em sua redação original dispunha que o deficiente era aquele que: (i) tinha necessidade de trabalhar, mas não podia, em razão da deficiência; (ii) estava também incapacitado para a vida independente. assim dispunha. Nestes termos:
“§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.”
Com o ingresso formal da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no ordenamento pátrio, ratificada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008, e promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado e modificado substancialmente, nos termos do o artigo 1º, que define:
“Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.”
Vê-se, portanto, que não se trata mais de um parâmetro puramente médico, mas a este foi adicionado um conceito social – o impedimento deve ofertar dificuldade para a vida em sociedade.
A redação original do artigo 20, § 2º, da LOAS, foi alterada pela Lei n.º 12.435/2011, de modo que o benefício passou a ser destinado às pessoas com deficiência que: (i) tinham necessidade de trabalhar, mas não podiam, por conta de limitações físicas ou mentais; (ii) estavam também incapacitados para a vida independente, in verbis:
“§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.”
A Lei n.º 12.470/2011 promoveu nova alteração no conceito de pessoa com deficiência, dispensando a menção à incapacidade para o trabalho ou à incapacidade para a vida independente como requisito à concessão do benefício. A partir de então, o artigo 20 da LOAS passou a ter a seguinte redação:
“Art. 20 (...)
“§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
(...)
“§ 10 Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.”
Por fim, com o advento da Lei n.º 13.146/2015, que instituiu a Lei de Inclusão à Pessoa com Deficiência, vigente a partir de 02/01/2016, a redação do artigo 20, § 2º, da LOAS sofreu nova alteração, passando a ter a atual redação:
“§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
Verifica-se, assim, que a definição de deficiente proveio de legislação própria, editada em cumprimento a compromissos internacionais, muito mais ampla do que a noção de incapacidade para o trabalho. A deficiência, essencialmente, é um impedimento de longo prazo que obstrui a participação plena e efetiva na sociedade. Esse impedimento é de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, operando em interação com uma ou mais barreiras. Portanto, não é mera condição de saúde, nem simples invalidez. É considerado em sua relação com óbices de natureza social.
Para a avaliação da condição como deficiente, o parágrafo 6º do artigo 20 da Lei n.º 8.742/93 prevê que o requerente deverá ser submetido às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito o interessado.
Logo, para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência não se confunde com a situação de incapacidade laborativa; como se vê, um conceito biopsicossocial superou a noção anterior, de incapacidade.
O impedimento do requerente deve ser de longo prazo, com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação.
3) Extensão ao estrangeiro residente
O caput do art. 5º da Constituição Federal, expressamente, assegura a observância dos direitos e garantias fundamentais aos estrangeiros residentes no Brasil.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”
Neste sentido, o Egrégio Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do RE n. 587.970, pacificou que o benefício assistencial é devido a “brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais” (RE 587970, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 20-04-2017, acórdão eletrônico repercussão geral - mérito dje-215 divulg 21-09-2017 public 22-09-2017).
O referido precedente ensejou o Tema nº 173/STF, sendo fixada a seguinte tese:
“Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais.”
4) Requisitos formais: CPF e ‘CadÚnico’
De acordo como o art. 12, do Regulamento da LOAS (Decreto n.º 6.214/2007), introduzido pelo Decreto n.º 8.805, de 7.7.2016, são requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício de prestação continuada, as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CadÚnico, in verbis:
Art. 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico. (Redação dada pelo Decreto nº 8.805, de 2016)
Na forma do art. 12, § 1º, do referido regulamento, o beneficiário que não realizar a inscrição ou a atualização no CadÚnico terá o seu benefício suspenso.
DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA
No tocante ao requisito socioeconômico, ressalta-se que o objetivo da assistência social é prover o mínimo para a manutenção do beneficiário, de modo a assegurar-lhe a vida digna.
Para a concessão do benefício, não se exige uma situação de miserabilidade absoluta, bastando a caracterização de que o requerente não tem condições de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família.
1) Da definição legal de núcleo familiar
A redação original do parágrafo 1º, do art. 20, da LOAS, assim definia a família: “a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes”.
Com a criação da MP n.º 1.473-34, de 11/08/1997, convertida na Lei n. 9.720, de 30/11/1998, a definição de núcleo familiar alcançou o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei n.º 8.213, de 24/07/1991, desde que vivessem sob o mesmo teto.
Presentemente, a redação do artigo 20, §1º, da Lei 8.742/93, alterada pela Lei n.º 12.435/2011, traz como conceito de família o núcleo composto pelo “(...) requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto”.
2) Da composição da renda
Conforme dispõe o artigo 20, § 4º, da LOAS, alterado pela Lei nº 14.601, de 19/06/2023, o benefício de prestação continuada não pode ser acumulado com qualquer outro benefício social, exceto os da assistência médica, da pensão especial de natureza indenizatória, bem como as transferências de renda provenientes dos programas de renda básica familiar (art. 6º, parágrafo único, e art. 203, inciso VI, da CF) e de renda básica de cidadania (Lei 10.835/2004), in verbis:
“Art. 20. (...) § 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória, bem como as transferências de renda de que tratam o parágrafo único do art. 6º e o inciso VI do caput do art. 203 da Constituição Federal e o caput e o § 1º do art. 1º da Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004. (Redação dada pela Lei nº 14.601, de 2023)”
Para a aferição da situação de hipossuficiência do requerente, a Lei nº 13.982, de 02/04/2020, incluiu o § 14 ao artigo 20 da LOAS, que prevê a exclusão de benefício assistencial ou previdenciário de até 1 (um) salário-mínimo da composição da renda para fins de concessão de BPC. Eis o teor in verbis:
Art. 20 (...)§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.
3) Requisito da miserabilidade
O parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com a redação dada pela Lei 14.176/2021, considera como hipossuficiente, para a obtenção deste benefício, pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
Inicialmente, esse parâmetro foi confrontado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 1.232-1/DF, a qual foi julgada improcedente pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, declarando a constitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993. (ADI 1.232, Relator p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, j. 27/08/1998).
Todavia, os contínuos debates acerca do tema levaram o E. STF, no julgamento do RE 567.985/MT (18/04/2013), com repercussão geral reconhecida – revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e Reclamações nº 2.303/RS e 2.298/SP) –, a reconhecer e declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, em razão da defasagem do critério caracterizador da miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico.
O referido precedente ensejou a tese do Tema 27/STF, segundo a qual: “É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição” (Leading Case: RE 567.985, Tribunal Pleno, DJe 3.10.2013).
Em que pese o julgado, não houve a declaração de nulidade do art. 20, § 3º, da LOAS, de modo que passaram a ser admitidos distintos parâmetros para aferição da condição de miserabilidade, conforme tese firmada pelo C. STJ, no Tema Repetitivo nº 185/STJ, que dispõe:
“A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo”. (REsp 1.112.557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Terceira Seção, j. 28/10/2009, transitado em julgado em 21/03/2014)”
A Lei n.º 13.146, de 06/07/2015, alterou a LOAS, para incluir o § 11 ao artigo 20, possibilitando a utilização de outros parâmetros aptos à avaliação da renda per capta familiar e, consequentemente, da miserabilidade, dispondo que:
“Art. 20 (...) § 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento”.
Em 2020, com o advento da Lei n.º 13.981, de 23/03/2020, o § 3º do artigo 20 da LOAS foi alterado para majorar o critério de aferição de hipossuficiência para 1/2 (meio) salário mínimo. Entretanto, teve a sua eficácia suspensa pelo E. STF, por liminar concedida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 662. Assim, a Lei n.º 13.982, de 02/04/2020, alterou novamente o referido parágrafo, fazendo-o retornar a sua redação original.
Ademais, complementado os critérios de concessão do benefício de prestação continuada, a Lei nº 14.176, de 22/06/2021, incluiu o § 11-A ao artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, que concedeu expressa licença normativa ao regulamento para fins de ampliar o limite da renda per capta até ½ (meio) salário-mínimo, in verbis:
Art. 20 (...) § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021).
Há, portanto, supedâneo legal para a ampliação do critério de avaliação socioeconômica para o valor de ½ (meio) salário-mínimo.
A par do que, há que avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício, consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere.
Em outras palavras, dita presunção milita a favor, mas nem sempre contra o requerente do benefício.
O fato de o critério objetivo de renda familiar ser considerado, até certo ponto, compatível com a Constituição não é contraditório com a intenção de se verificar, no caso concreto, se há outras indicações de pobreza e desamparo. Tal verificação poderia ser realizada pela autoridade judiciária. Além disso, leis subsequentes à LOAS, como aquelas que instituíram outros programas sociais (por exemplo, o “bolsa família”) flexibilizaram os critérios para a concessão de outros benefícios assistenciais.
No sentido esposado:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO CARACTERIZADA. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.
I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.
II - A 1ª Seção desta Corte, no julgamento do Recurso Especial n. 1.355.052/SP, submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, sedimentou entendimento no sentido de afastar do cômputo da renda per capita, prevista no art, 20 § 3º, da Lei n. 8.742/93, o benefício previdenciário ou assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por idoso que faça parte do núcleo familiar, quando do requerimento de benefício assistencial feito por deficiente, diante da interpretação dada ao art. 34 parágrafo único, da Lei n 10.741/03 (Estatuto do Idoso).
III - No entanto, firmou-se o entendimento segundo o qual a delimitação do valor da renda familiar per capita não é o único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado, pois representa apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se a miserabilidade quando comprovada renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
IV - In casu, rever o entendimento do Tribunal de origem, que concluiu pela ausência da hipossuficiência, demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz do óbice contido na Súmula n. 7/STJ.
V - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida.
VI - Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.
VII - Agravo Interno improvido.
(AgInt no REsp n. 1.831.410/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 25/11/2019, DJe de 27/11/2019.)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. FATOS NARRADOS PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS PERMITEM CONCLUIR PELA MISERABILIDADE DO BENEFÍCIÁRIO. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A Constituição Federal prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Esta Corte, no julgamento do REsp. 1.112.557/MG, representativo de controvérsia, DJe 20.11.2009, pacificou o entendimento de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
3. No presente caso, conforme analisado pela sentença, o beneficiário preencheu os requisitos legais, tendo logrado comprovar sua condição de vulnerabilidade social por outros meios de prova, motivo pelo qual faz jus à concessão do benefício assistencial pleiteado.
4. Não há que se falar em violação à Súmula 7/STJ, uma vez que a decisão agravada não reexaminou o conjunto fático-probatório dos autos, tendo adotado os fatos tais como delineados pelas instâncias ordinárias.
5. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento.
(AgInt no AgRg no AREsp n. 665.981/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 13/12/2018, DJe de 4/2/2019.)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. COMPROVAÇÃO DA DEFICIÊNCIA E DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de provar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para aferir a necessidade, ou seja, presume-se absoluta a miserabilidade quando demonstrada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Orientação reafirmada no julgamento do REsp 1.112.557/MG, sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC).
2. Hipótese em que o Tribunal a quo, ao analisar as provas dos autos, concluiu que o ora agravante reúne condições de prover a própria manutenção, possuindo sua família renda mensal per capita superior a 1/4 de salário mínimo. A revisão desse entendimento pelo STJ é obstada pelo disposto na Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
3. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no REsp n. 1.514.461/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 7/4/2016, DJe de 24/5/2016.)
CONCLUSÃO: REQUISITOS
Conclusivamente, considerada a evolução jurisprudencial e legislativa, o BPC reclama a reunião dos seguintes requisitos: i) ser o requerente, alternativamente, idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência, de qualquer idade; ii) estar em situação de hipossuficiência econômica, caracterizada pela ausência de condições de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família; e iii) não possuir outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, salvo o de assistência médica, de pensão especial de natureza indenizatória e das transferências de renda, nos termos do art. 20, §4º, da LOAS.
DA DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE
Quanto a controvérsia a respeito da devolução de valores indevidamente pagos pela Autarquia Previdenciária, no âmbito do Código Civil, a obrigação da devolução de valores recebidos ilicitamente foi prevista em alguns dispositivos atinentes às obrigações por atos ilícitos, ao pagamento indevido e ao enriquecimento sem causa:
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Mas tais institutos não existem apenas no Direito Comum. São conhecidos, também, no Direito Público.
Especificamente no âmbito previdenciário, a Lei nº 8.213/1991 prevê a cobrança de valores pagos indevidamente, que devem ser identificados por intermédio de processo administrativo:
Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;
II - pagamento de benefício além do devido;
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento; (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
O Supremo Tribunal Federal admitiu a possibilidade da Administração Pública rever seus atos (autotutela), com sua revogação ou anulação em caso de nulidades ou vícios, conforme pacificado nas Súmulas 346 e 473:
Súmula 346 – “A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.”
Súmula 473 – “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque dêles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”
A Lei nº 8.112/1990 também previu a revisão dos atos administrativos em casos de ilegalidade:
Art. 114. A administração deverá rever seus atos, a qualquer tempo, quando eivados de ilegalidade.
O processo administrativo, em que restou disciplinada a anulação dos próprios atos pela Administração Pública, encontra-se delineado pela Lei nº 9.784/1999:
Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1o No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2o Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.
A Corte Suprema ainda tratou da questão em repercussão geral (Tema n. 138), em que restou fixada a seguinte tese: “Ao Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegalmente praticados; porém, se de tais atos já tiverem decorrido efeitos concretos, seu desfazimento deve ser precedido de regular processo administrativo”.
Esta última exigência, a de processo administrativo quando produzidos efeitos concretos, está ligada ao princípio “due process”.
E o artigo 154, §2º, do Decreto nº 3.048/1999 prevê que a restituição deverá ser efetuada de uma só vez nas hipóteses de dolo, fraude ou má-fé.
Constatada a controvérsia acerca da restituição, o Superior Tribunal de Justiça submeteu a questão à delimitação no sistema de recursos repetitivos, no âmbito do REsp 1.381.734/RN, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, resultando na pacificação da interpretação no Tema 979/STJ: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido". Ainda, a Corte Superior modulou os efeitos da decisão, em atenção ao princípio da segurança jurídica, bem como do interesse social do tema e da repercussão do julgamento, de modo que o entendimento fixado no Tema 979 só seria aplicável aos processos distribuídos, em primeira instância, a partir da publicação do acórdão, ocorrida em 23/04/2021.
Transcrevo a ementa do julgamento do Tema 979/STJ:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no benefício no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp n. 1.381.734/RN, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/3/2021, DJe de 23/4/2021.)
CASO CONCRETO
Com essas breves considerações, passo ao exame do mérito recursal.
De início, considerando o pedido de restabelecimento de benefício assistencial à pessoa idosa cessado na data de 01/03/2020, em razão de identificação de renda familiar incompatível ao benefício, e, tendo em vista que o INSS, em apelo, somente alega a não comprovação da hipossuficiência econômica do núcleo familiar, tenho como incontroverso o requisito da idade da requerente.
A parte autora completou 65 anos em 13/09/2011 (ID 287492503, fls. 02/03), logo, restou preenchido o requisito etário do benefício.
Em relação à hipossuficiência econômica, emerge do estudo social elaborado com base em visita realizada à residência do requerente, no dia 08/07/2022 (ID 287492524, fls. 01/08), que o núcleo familiar é formado somente pela própria autora.
De acordo com o laudo socioeconômico, “Autora é idosa, informa ser viúva aproximadamente há 15 anos, reside sozinha na casa cedida pelo ex-patrão a qual exercia atividades domésticas em sua residência. Apresenta ser lúcida, independente, boa comunicação, sem dificuldade em responder de forma clara os questionamentos socioeconômicos, ao chegar ao endereço, autora estava limpando a entrada da residência sem indício de dificuldades. Sra. Neuza Chaves relata residir sozinha por escolha, visando sua independência, mantém vínculo afetivo com os cincos filhos, a qual recebe auxílios financeiros de forma esporádica. Não recebe pensão por morte ou outro benefício governamental. No que refere a saúde, autora informa ter o diagnóstico de depressão, inflamação no joelho esquerdo e braço direito, hipertensão, catarata em ambos olhos e há quatro meses diagnosticada com glaucoma (patologia que poderá ocasionar cegueira). Relata está aguardando procedimento cirúrgico devido a catarata, acompanhada pelo Hospital Monumento pelo atendimento Sistema Único de Saúde e pela Unidade Básica de Saúde do território (Marx Perlaman).Relata dificuldade para cozinhar e realizar com rapidez atividades domésticas devido inflamação no joelho e braço, andar com lentidão, porém não necessita de apoio para melhor locomoção. Informa que não exerce atividade laboral após procedimento cirúrgico realizada no ano 2015 devido hérnia na virilha, porém não especificou as sequelas. ”
De acordo com a perícia “A autora reside na casa cedida pelo ex-patrão, local com três compartimentos, um banheiro, móveis em condição melindrosa, estava arrumado, organizado, porém sem boa condição de infraestrutura. A casa está situada no bairro nobre da cidade de São Paulo, com saneamento básico, fácil acesso ao transporte público (metrô e ônibus). ”
Quanto à renda da família, segundo o laudo socioeconômico, “não apresenta renda”. Quanto as despesas “R$ 110,00 gás; R$ 103,92 água; R$ não apresentado comprovante de energia elétrica; R$ 400,00 medicamentos; Alimentação: doação de familiares”.
A perita concluiu que “Diante dos fatos apresentados, concluo que autora está em vulnerabilidade social, a condição de saúde e idade avançada compromete exercer qualquer atividade laboral, seja formal ou informal. Conforme descrito na Lei Orgânica de Serviço Social, para obtenção do Benefício de Prestação Continuada, o idoso deverá está em estado de miserabilidade e não sendo capaz de suprir suas necessidades básicas, assim como, a sua família. ”
O INSS apresentou impugnação ao laudo social (ID 287492527, fl. 1/2).
Em esclarecimento a impugnação (ID 287492635, fl. 2), a perita relata que “Idade avançada: autora está com 77 anos, completou em setembro; Miserabilidade: autora não apresenta renda e depende de doações, reside em casa cedida devido à ausência de condições para obter uma propriedade ou se comprometer ao aluguel; Condições financeiras do núcleo familiar: autora é lúcida , capacidade de discernimento e escolha, ao morar sozinha , sem os filhos é o direto de liberdade, no entanto, quanto as qualificações dos filhos não foi relatado na perícia e os mesmos não residem com ela e não estavam presentes. Conforme descrito no laudo social, os filhos auxiliam de forma esporádica visando a responsabilidade com suas famílias e a autora. Conforme a autora relata, possuem bom vínculo, frequentam a residência, porém não estão submetidos ao poder aquisitivo alto; Autora também apresenta problemas de saúde a longo prazo que esmera cuidados, sujeita a cegueira, no entanto a avaliação advém nas condições atuais apresentadas e a renda per capita é calculada conforme os componentes que convivem na mesma residência. ”
Na sequência, o INSS solicitou novas informações (ID 287492639, fl. 1/8).
No novo esclarecimento, (ID 287492659, fl. 1/2), “Em esclarecimento quanto o pronunciamento do Réu, enfatizo minha indignação quanto a menosprezar minha avaliação social. Informo que a visita domiciliar foi realizada e CONSTATEI que autora reside sozinha, as características de moradia são de pessoas que residem sozinhas, ressaltando que a credibilidade da perícia deve ser validada no ato presente e não nas informações passadas, e no dia da perícia, foi verificada que a mesma reside sozinha e conforme declarado no laudo social (abaixo descrito), o idoso sendo lúcido tem o direito de escolher morar sozinho. Sendo assim, quando o perito social é nomeado o mínimo que se espera é o respeito e confiabilidade ao seu ato profissional e nas informações a qual é ciente que devem ser honestas e não influenciadas. Em nota, as visitas domiciliares são instrumentos de trabalho do profissional de Serviço Social com objetivos específicos, então quando o perito enuncia seu parecer utiliza de suas estratégias de formação e atribuição para agir com maior eficiência. ”
Assim, ainda que o magistrado não esteja adstrito às conclusões do laudo social, insta consignar que estas devem ser consideradas (art. 479, do CPC), dada a sua realização por profissional técnico habilitado, equidistante das partes, capacitado e de confiança do Juízo.
Ademais, a expert realizou exame social detalhado, respondendo a todos os quesitos formulados, razão pela qual não há qualquer fundamento capaz de infirmar suas conclusões.
Deste modo, em que pese o juiz não esteja vinculado às conclusões do laudo pericial, estas devem ser consideradas, por se tratar de prova técnica, realizada por profissional da confiança do Juízo.
Embora o INSS requeira a anulação da r. sentença para que seja realizada nova períciasocial, o laudo de (287492524, fls. 1/8), foi elaborado por perito habilitado, equidistante das partes, capacitado e de confiança do d. Juízo, cuja conclusão foi apresentas de modo objetivo e fundamentado, razão pela qual não há se falar em nova perícia judicial. Vale ressaltar ainda que houve juntada de fotos da residência da autora (ID 287492524, fl. 7/8).
Dentro desse cenário, entendo que a parte autora demonstrou preencher os requisitos legais, comprovando ser pessoa idosa e estar em situação de vulnerabilidade social, fazendo jus ao benefício assistencial requerido.
Quanto a restituição dos valores, inicialmente, cabe a apreciação do marco temporal indicado na modulação de efeitos do Tema nº 979/STJ, dispondo que a tese fixada somente deveria atingir os processos distribuídos, em primeira instância, a partir da publicação do acórdão em 23/04/2021.
No caso em análise, verifica-se que a ação foi distribuída posteriormente àquela data, em 30/08/2021 (ID 287492488, fls. 10), de modo que a tese do Tema n.º 979/STJ se aplica ao caso.
A Autarquia a busca a reforma da sentença a fim de reconhecer a possibilidade dos valores recebidos indevidamente a título de benefício assistencial, no período de 30/09/2015 a 27/05/2021, no importe de R$ 56.496,22.
No caso, a requerente recebeu Amparo Assistencial à Pessoa Portadora de Deficiência (NB: 553.468.167-1), a partir de 28/08/2012 com sua cessação em 01/03/2020.
Em consulta ao CNIS, é possível observar que a parte deixou de receber o benefício na data da cessação (01/03/2020), ocorre que o INSS entende que até a data de 27/05/2021, o benefício se mostra indevido por não preencher os requisitos para sua manutenção pelas razões abaixo demonstradas:
Com relação período indevido relatado pelo INSS, 30/09/2015 a 27/05/2021, se deve ao fundamento de que a filha (SILMARA RODRIGES DA SILVA) fazia parte do grupo familiar e recebia remuneração no valor de R$ 2.435,47 referente ao vínculo empregatício na empresa MERCO FOODS ALIMENTOS LTDA no período de 01/02/2018 até 11/2020. Além disso, consta vínculo na empresa RIOPLATENSE ALIMENTOS LTDA, com remuneração mensal em torno de R$ 1.137,00, no período de 01/12/2010 até 19/07/2017, com posterior recebimento de seguro desemprego no período de 06/09/2017 até 05/01/2018). (ID 287492503, fls. 27/28). Segundo informações da Autarquia, a filha SILMARA residiu com sua genitora, ora autora, até 27/05/2021 quando se casou e deixou de compor o grupo familiar, portanto, a partir de então, a autora passou a residir sozinha.
Não obstante a alegação da autarquia acerca da inércia da parte autora para comunicar o INSS sobre alterações na estrutura financeira da família, como regra, tem-se que a ignorância da lei não exime seu destinatário de observar normas de ordem pública. Como diz o adágio tradicional, ‘ignorantia legis neminem excusat’. No direito previdenciário e no assistencial, porém, deve-se relevar o desconhecimento não doloso, pois se trata ordinariamente de parcela da população com pouco acesso à informação de cunho técnico-jurídico. Mesmo quando tal acesso é obtido, o é de modo incompleto ou imperfeito.
Neste sentido, deve ser considerado o fato de que o núcleo familiar era formado por pessoas de baixa escolaridade, razão pela qual não seria razoável exigir o discernimento sobre a necessidade de avisar à Autarquia sobre a mudança da situação jurídica que redundou na irregularidade do pagamento durante o período contestado. Logo, é absolutamente notório que se trata de situação em que o homem médio não conseguiria constatar a presença de eventual erro.
Ademais, nos termos do art. 21 da LOAS, “O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem”. No caso em tela, a autarquia previdenciária apenas identificou a suposta irregularidade do benefício em 30/09/2020 (ID 287492503, fl. 13), ou seja, cinco anos após o início da suposta irregularidade por superação da renda per capta em 30/09/2015.
Nesta senta, colaciono ementa de precedente desta C. 7ª Turma:
PREVIDENCIÁRIO - BENEFÍCIO ASSISTENCIAL - ERRO DA ADMINISTRAÇÃO - VERBA ALIMENTAR -RECEBIMENTO DE BOA FÉ - IRREPETIBILIDADE - RECURSO DESPROVIDO.
(...)
2. Caso em que a ação foi proposta com o intuito de se declarar a inexistência do débito de R$ 84.779,15, relativo ao benefício de prestação continuada (NB 88/7000750457) pago de forma supostamente irregular à parte autora, bem como a manutenção do referido benefício em razão de não haver superação da renda mínima familiar para sua manutenção, e ainda a suspensão de eventual cobrança.
3. Verifica-se que a suspensão do benefício e a consequente cobrança administrativa dos valores pagos pelo INSS se deu a partir da verificação de que a renda per capta do grupo familiar da parte autora seria superior a 1/4 do salário mínimo vigente. A cessação do benefício e a cobrança dos valores irregularmente recebidos pela parte autora deram-se pela verificação de irregularidades, não na sua concessão, mas durante o pagamento do benefício, por ausência do requisito sócio econômico. Pelo consta dos autos, a concessão do benefício se deu após análise das condições sociais da parte autora, inclusive com consultou ao sistema CNIS. Portanto, a situação jurídica verificada naquele momento, permaneceu inalterada no decorrer do tempo.
4. A teor do artigo 21 da Lei 8.742/1993, o benefício assistencial de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem. No caso, o INSS somente verificou a suposta irregularidade na concessão do benefício em 2020, ou seja, sete anos após o início do pagamento.
5. No que respeita ao Tema 979 do STJ, acima comentado, a tese submetida ao colegiado com relação aos pagamentos indevidos foi no sentido de que o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício mensal, seria legítimo desde que o segurado, diante do caso concreto, não conseguisse comprovar sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido, o que, como se viu, a parte autora logrou comprovar. No caso, a r. sentença ouviu a parte autora em audiência, verificou que ela é analfabeta e não tinha discernimento sobre a necessidade de avisar à autarquia sobre a mudança da situação jurídica que redundou na irregularidade na concessão do benefício, o que demonstra sua boa-fé no recebimento do benefício.
6. Recurso desprovido.
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000052-42.2021.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 03/08/2022, Intimação via sistema DATA: 08/08/2022)
Assim, no caso em análise, não restou demonstrada a má-fé da parte autora.
Deste modo, resta mantida a r. sentença monocrática quando à inexigibilidade do débito cobrado pela autarquia.
TERMO INICIAL
O termo inicial do benefício, em regra, deve ser fixado na data do requerimento administrativo, requisito indispensável para a propositura da ação em face do INSS, consoante a decisão do E. STF com repercussão geral, no RE 631.240 - ou, ainda, na hipótese de benefício cessado indevidamente, no dia seguinte ao da cessação indevida do benefício.
No caso, o termo inicial do benefício deve ser, a partir de 02/03/2020, dia seguinte ao da cessação indevida do benefício (ID 287492503, fls. 10).
CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA
No que tange aos critérios de atualização do débito, por tratar-se de consectários legais, revestidos de natureza de ordem pública, são passíveis de alteração de ofício, conforme precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça.
Neste sentido:
“AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. ART. 1º -F DA LEI 9.494/97, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.960.2009. NOVO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. TEMA 810 DO STF. APLICAÇÃO DO INPC, DE OFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO.
(...)
2. Consoante o entendimento do STJ, a correção monetária e os juros de mora, como consectários legais da condenação principal, possuem natureza de ordem pública.
3. Agravo interno não provido. Aplicação, de ofício, do entendimento exarado no RE 870.947/SE, com repercussão geral reconhecida, quanto à correção monetária nas ações previdenciárias.”
(AgRg no REsp n. 1.255.604/PR, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 9/6/2020, DJe de 18/6/2020.)
Assim, as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora na forma estabelecida e pelos índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial.
CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS
Em sendo a parte autora beneficiária da justiça gratuita, deixo de condenar o INSS ao reembolso das custas processuais, porque nenhuma verba a esse título foi paga pela parte autora e a autarquia federal é isenta e nada há a restituir.
Quanto às despesas processuais, são elas devidas, observando os benefícios da assistência judiciária gratuita deferida à parte autora, ficando condicionada eventual cobrança aos requisitos legais.
MULTA DIÁRIA
Prejudicado o pedido quanto ao afastamento da cominação de multa ou redução do prazo de cumprimento e do valor da multa diária, uma vez não houve fixação quanto a esse tópico na sentença.
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL
Considerando que a prescrição não corre durante o curso do processo administrativo e que a ação foi ajuizada dentro do prazo de 5 anos contado do seu término, não há que se falar em ocorrência de prescrição quinquenal, nos termos do art. 103, § único, da Lei n° 8.213/91. Precedente expresso no julgamento do AgRg no REsp 1436219/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 09/06/2014.
PREQUESTIONAMENTO
Relativamente ao prequestionamento de matéria ofensiva a dispositivos de lei federal e de preceitos constitucionais tendo sido o recurso apreciado em todos seus termos, nada há que ser discutido ou acrescentado aos autos.
VERBA HONORÁRIA RECURSAL
O art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015, dispõe acerca da majoração de ofício da verba honorária, destacando a sua pertinência quando o recurso tenha exigido ao advogado da parte contrária trabalho adicional, observados os limites estabelecidos em lei e ficando sua exigibilidade condicionada ao quanto decidido por ocasião do julgamento do Tema n.º 1059/STJ, o que será examinado oportunamente pelo Juízo a quo.
Desta feita, configurada a hipótese prevista em lei, majoro os honorários advocatícios em 2% (dois por cento) do valor arbitrado na sentença de primeiro grau.
Ante o exposto, nego provimento ao apelo do INSS, condenando-o ao pagamento dos honorários recursais, de ofício, determino que a correção monetária e os juros de mora obedeçam aos critérios especificados na fundamentação supra.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (ART. 203, INC. V, CF E ART. 20, LEI 8.742/93). IDADE IMPLEMENTADA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REQUISITOS PREENCHIDOS. DESNECESSIDADE DE NOVA PERÍCIA SOCIAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. RESTITUIÇÃO DE VALORES INDEVIDA. TEMA 979/STJ. MODULAÇÃO DE EFEITOS. TERMO DE INÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. MULTA DIÁRIA. PRESCRIÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. VERBA HONORÁRIA RECURSAL. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. VERBAS ACESSÓRIAS ALTERADAS DE OFÍCIO.
- O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal ao idoso e à pessoa com deficiência que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 203, caput e inciso V, da CF; art. 20 da Lei 8.742/93).
- Considerada a evolução jurisprudencial e legislativa, o BPC reclama a reunião dos seguintes requisitos: i) ser o requerente, alternativamente, idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência, de qualquer idade; ii) estar em situação de hipossuficiência econômica, caracterizada pela ausência de condições de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família; e iii) não possuir outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, salvo o de assistência médica, de pensão especial de natureza indenizatória e das transferências de renda, nos termos do art. 20, §4º, da LOAS.
- Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência não se confunde com a situação de incapacidade laborativa. A análise é biopsicossocial, sendo o requerente submetido às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do seu corpo, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito (art. 20, § 6º, Lei 8.742/93).
- O parágrafo 14 do artigo 20, da LOAS, da Lei 8.742/1993, incluído pela Lei nº 13.982/2020, prevê a exclusão de benefício assistencial ou previdenciário de até 1 (um) salário-mínimo da composição da renda, para a aferição da hipossuficiência econômica do requerente.
- O parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com a redação dada pela Lei 14.176/2021, considera como hipossuficiente a pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. Todavia, o E. STF, no julgamento do RE 567.985/MT (18/04/2013), com repercussão geral reconhecida – revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e Reclamações nº 2.303/RS e 2.298/SP) –, reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do referido dispositivo legal. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico. O referido precedente ensejou a tese do Tema 27/STF.
- Diante da ausência de declaração de nulidade do art. 20, § 3º, da LOAS, distintos parâmetros passaram a ser admitidos para aferição da condição de miserabilidade (Tema Repetitivo nº 185/STJ).
- A presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere milita a favor, mas nem sempre contra o requerente do benefício, devendo-se analisar seu estado de necessidade e as especificidades do caso concreto.
- A parte autora implementou a idade legal em 13/09/2011.
- O estudo social evidencia que a parte autora não possui condições de prover sua subsistência ou de tê-la provida pela sua família.
- Requisitos preenchidos. Benefício deferido
- Embora o INSS requeira a anulação da r. sentença para que seja realizada nova perícia social, o laudo foi elaborado por perito habilitado, equidistante das partes, capacitado, especializado, e de confiança do d. Juízo, cuja conclusão foi apresentas de modo objetivo e fundamentado, razão pela qual não há se falar em nova perícia judicial.
- A Autarquia a busca a reforma da sentença a fim de reconhecer a possibilidade dos valores recebidos indevidamente a título de benefício assistencial, no período de 30/09/2015 a 27/05/2021, no importe de R$ 56.496,22.
- A requerente recebeu Amparo Assistencial à Pessoa Portadora de Deficiência (NB: 553.468.167-1), a partir de 28/08/2012 com sua cessação em 01/03/2020. Em consulta ao CNIS é possível observar que a parte deixou de receber o benefício na data da cessação (01/03/2020), ocorre que o INSS entendeu que até a data de 27/05/2021 o benefício se mostrava indevido em razão da alteração da renda do grupo familiar.
- Cabe a apreciação do marco temporal indicado na modulação de efeitos do Tema nº 979/STJ, dispondo que a tese fixada somente deveria atingir os processos distribuídos, em primeira instância, a partir da publicação do acórdão em 23/04/2021. No caso em análise, verifica-se que a ação foi distribuída posteriormente àquela data, em 30/08/2021, de modo que a tese do Tema n.º 979/STJ se aplica ao caso.
-Não havendo fraude, dolo ou má-fé atribuída à parte autora no recebimento do benefício assistencial, ainda que posteriormente apurado eventual erro administrativo, é indevida a restituição dos valores.
- O termo inicial do benefício deve ser fixado no dia seguinte ao da cessação indevida do benefício.
- As parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora na forma estabelecida e pelos índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial.
- Prejudicado o pedido quanto ao afastamento da cominação de multa ou redução do prazo de cumprimento e do valor da multa diária, uma vez não houve fixação quanto a esse tópico na sentença.
- Inocorrência de prescrição quinquenal, nos termos do art. 103, § único, da Lei n° 8.213/91, uma vez que a prescrição não corre durante o curso do processo administrativo e que a ação foi ajuizada dentro do prazo de 5 anos contado do seu término.
- Em relação ao prequestionamento de matéria ofensiva a dispositivos de lei federal e de preceitos constitucionais, tendo sido o recurso apreciado em todos seus termos, nada há que ser discutido ou acrescentado aos autos.
- O art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015, dispõe acerca da majoração de ofício da verba honorária, destacando a sua pertinência quando o recurso tenha exigido ao advogado da parte contrária trabalho adicional, observados os limites estabelecidos em lei e ficando sua exigibilidade condicionada ao quanto decidido por ocasião do julgamento do Tema n.º 1059/STJ, o que será examinado oportunamente pelo Juízo a quo. Desta feita, configurada a hipótese prevista em lei, restam majorados os honorários advocatícios em 2% (dois por cento).
- Apelação do INSS desprovida. Condenação ao pagamento da verba honorária recursal. Verbas acessórias alteradas de ofício.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
