
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001668-32.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GERTRUDES CAVALHEIRO LEITE
Advogado do(a) APELADO: ECLAIR SOCORRO NANTES VIEIRA - MS8332-A
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001668-32.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GERTRUDES CAVALHEIRO LEITE
Advogado do(a) APELADO: ECLAIR SOCORRO NANTES VIEIRA - MS8332-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ERIK GRAMSTRUP (RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, em ação ajuizada por GERTRUDES CAVALHEIRO LEITE, objetivando a concessão de benefício assistencial, c/c tutela antecipada (art. 203, inciso V, da Constituição Federal).
A r. sentença de ID 292943519 (fls. 126/129), julgou procedente o pedido para condenar o INSS ao pagamento do benefício de prestação continuada, a partir da data do requerimento administrativo (01/09/2021 - ID 292943518, fl. 41), acrescidos os valores atrasados de correção monetária e juros de mora. Ainda, condenou a autarquia ao pagamento de custas processuais e fixou os honorários advocatícios em 10% calculados sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do C.STJ. Tutela antecipada deferida.
Em razões recursais de ID 292943523 (fls. 197/203), o INSS, preliminarmente, pugna pela atribuição de efeito suspensivo ao recurso, com a cessação dos efeitos de tutela de urgência concedida na sentença. No mérito, requer a reforma da decisão, sustentando a não comprovação da hipossuficiência econômica da parte autora.
A parte autora apresentou contrarrazões (ID 292943523, fls. 206/215)
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
O Ministério Público Federal, em seu parecer (ID 294526417, fls. 219/221), opinou pelo provimento do recurso do INSS.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001668-32.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: GERTRUDES CAVALHEIRO LEITE
Advogado do(a) APELADO: ECLAIR SOCORRO NANTES VIEIRA - MS8332-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ERIK GRAMSTRUP (RELATOR):
Inicialmente, considerando a ausência de efeito suspensivo dos recursos (caput do art. 995, do CPC), bem como que a suspensão ou manutenção da tutela antecipada é matéria intrínseca ao pedido, tenho que análise de seus requisitos será efetuada juntamente com o mérito das questões trazidas a debate pelo recurso de apelação.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
A assistência social deve ser definida e interpretada como elemento do Estado Democrático, tendo a participação da sociedade como característica marcante. Para delimitar esse ponto, convocamos o auxílio de doutrina especializada:
“O exemplo da assistência social no Brasil é emblemático nesse sentido. Quando reconhecemos, no primeiro capítulo, que a desigualdade social era bem mais do que a diferença de recursos materiais a disposição dos indivíduos, levantamos indiretamente uma questão central para a democracia. Se por um lado parece imperioso, sob riscos de abalar a coerência de uma ideia contemporânea e radical de democracia, o reconhecimento da cidadania e do direito à participação nas questões que afetam o indivíduo independa de qualquer requisito prévio, como educação, saúde, moradia, estabilidade familiar etc.; de outro, seria ingênuo considerar que a condição de pobreza não limita gravemente a liberdade comunicativa dos indivíduos. Como vimos, a pobreza pode ser entendida como uma forma de desrespeito na medida em que afeta a construção da identidade pessoal, a partir de um sofrimento de indeterminação causado pela baixa autoconfiança, autorrespeito e autoestima. O problema, a nosso ver, pelo menos no debate sobre o direito à assistência social no Brasil, é bem mais simples do aquele tratado por Iris Marion Young (2001) sobre a necessidade de inclusão de outras formas discursivas e de expressão que não o discurso moral como a base de uma democracia deliberativa aberta à diferença. O problema aqui é, antes de qualquer coisa, de equidade política.” (CHAVES, Vitor Pinto. O direito à assistência social no Brasil: reconhecimento, participação e alternativas de concretização. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 137/138).
Para concluir a caracterização desse segmento, invoco ainda o ensinamento da ilustre magistrada e doutrinadora MARISA SANTOS, a propósito da assistência social:
“(...) o art. 203 da CF prescreve que a Assistência Social “será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social”. E, mais, que: “as prestações de assistência social independem de contribuição para o custeio da seguridade social por parte do beneficiário”. Por fim, que:
“Para a CF a Assistência Social é instrumento de transformação social, e não meramente assistencialista. As prestações de assistência social devem promover a integração e a inclusão do assistido na vida comunitária, fazer com que, a partir do recebimento das prestações assistenciais, seja ‘menos desigual’ e possa exercer atividades que lhe garantam a subsistência”. (SANTOS, Marisa. Direito previdenciário esquematizado. Ed. digital. São Paulo: Saraiva Educação, 2020)
DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
Postula a parte autora a concessão do Benefício Assistencial, instituído pela Constituição Federal, nos termos do artigo 203, caput e inciso V, in verbis:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A Lei n.º 8.742, de 07.12.1993 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), regulamentada pelo Decreto n.º 6.214, de 26.09.2007, foi recepcionada e deu eficácia plena à referida norma constitucional, criando o benefício de prestação continuada, também denominado benefício assistencial, disposto no art. 20, com a seguinte redação, in verbis:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)(Vide Lei nº 13.985, de 2020)
Portanto, a rigor, o BPC subdivide-se em dois tipos, conforme o beneficiário. É prestado ao idoso, maior de 65 anos e à pessoa com deficiência. Em ambos os casos, é exigida a prova da pobreza e do desamparo, ou seja, a inexistência de meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família
Dada a natureza assistencial do benefício, este independe de qualidade de segurado ou cumprimento de período de carência; tampouco se exige do postulante que desenvolva alguma atividade laboral.
DOS BENEFICIÁRIOS
1) Idosos
A redação original do art. 20 da Lei n.º 8.742/1993, que vigeu no período de 01.01.1996 a 31.12.1997, estabelecia a idade mínima de 70 anos como requisito para a obtenção do benefício.
A partir de 01.01.1998, conforme redação dada pela MP n.º 1.599-39, de 1997, e reedições, posteriormente convertida na Lei n.º 9.720/1998, a idade mínima necessária passou a ser 67 anos.
Com a edição da Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003, acabou-se por eleger a idade de 65 anos como critério etário para o recebimento do benefício assistencial, nos seguintes termos:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas."
Sendo assim, a Lei n.º 12.435/2011 atualizou o art. 20 da Lei n.º 8.742/1993, para estabelecer que a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou mais, desde que exposta à situação de hipossuficiência financeira, pode ser amparada pela Seguridade Social por meio do benefício assistencial.
2) Pessoa com condição de deficiência
O conceito de pessoa com deficiência, para fins de concessão do benefício de amparo social, foi previsto no artigo 20, § 2º, da Lei n.º 8.742/1993, que em sua redação original dispunha que o deficiente era aquele que: (i) tinha necessidade de trabalhar, mas não podia, em razão da deficiência; (ii) estava também incapacitado para a vida independente. assim dispunha. Nestes termos:
“§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.”
Com o ingresso formal da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no ordenamento pátrio, ratificada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008, e promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado e modificado substancialmente, nos termos do o artigo 1º, que define:
“Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.”
Vê-se, portanto, que não se trata mais de um parâmetro puramente médico, mas a este foi adicionado um conceito social – o impedimento deve ofertar dificuldade para a vida em sociedade.
A redação original do artigo 20, § 2º, da LOAS, foi alterada pela Lei n.º 12.435/2011, de modo que o benefício passou a ser destinado às pessoas com deficiência que: (i) tinham necessidade de trabalhar, mas não podiam, por conta de limitações físicas ou mentais; (ii) estavam também incapacitados para a vida independente, in verbis:
“§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.”
A Lei n.º 12.470/2011 promoveu nova alteração no conceito de pessoa com deficiência, dispensando a menção à incapacidade para o trabalho ou à incapacidade para a vida independente como requisito à concessão do benefício. A partir de então, o artigo 20 da LOAS passou a ter a seguinte redação:
“Art. 20 (...)
“§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
(...)
“§ 10 Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.”
Por fim, com o advento da Lei n.º 13.146/2015, que instituiu a Lei de Inclusão à Pessoa com Deficiência, vigente a partir de 02/01/2016, a redação do artigo 20, § 2º, da LOAS sofreu nova alteração, passando a ter a atual redação:
“§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
Verifica-se, assim, que a definição de deficiente proveio de legislação própria, editada em cumprimento a compromissos internacionais, muito mais ampla do que a noção de incapacidade para o trabalho. A deficiência, essencialmente, é um impedimento de longo prazo que obstrui a participação plena e efetiva na sociedade. Esse impedimento é de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, operando em interação com uma ou mais barreiras. Portanto, não é mera condição de saúde, nem simples invalidez. É considerado em sua relação com óbices de natureza social.
Para a avaliação da condição como deficiente, o parágrafo 6º do artigo 20 da Lei n.º 8.742/93 prevê que o requerente deverá ser submetido às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito o interessado.
Logo, para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência não se confunde com a situação de incapacidade laborativa; como se vê, um conceito biopsicossocial superou a noção anterior, de incapacidade.
O impedimento do requerente deve ser de longo prazo, com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação.
3) Extensão ao estrangeiro residente
O caput do art. 5º da Constituição Federal, expressamente, assegura a observância dos direitos e garantias fundamentais aos estrangeiros residentes no Brasil.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”
Neste sentido, o Egrégio Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do RE n. 587.970, pacificou que o benefício assistencial é devido a “brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais” (RE 587970, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 20-04-2017, acórdão eletrônico repercussão geral - mérito dje-215 divulg 21-09-2017 public 22-09-2017).
O referido precedente ensejou o Tema nº 173/STF, sendo fixada a seguinte tese:
“Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais.”
4) Requisitos formais: CPF e ‘CadÚnico’
De acordo como o art. 12, do Regulamento da LOAS (Decreto n.º 6.214/2007), introduzido pelo Decreto n.º 8.805, de 7.7.2016, são requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício de prestação continuada, as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CadÚnico, in verbis:
Art. 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico. (Redação dada pelo Decreto nº 8.805, de 2016)
Na forma do art. 12, § 1º, do referido regulamento, o beneficiário que não realizar a inscrição ou a atualização no CadÚnico terá o seu benefício suspenso.
DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA
No tocante ao requisito socioeconômico, ressalta-se que o objetivo da assistência social é prover o mínimo para a manutenção do beneficiário, de modo a assegurar-lhe a vida digna.
Para a concessão do benefício, não se exige uma situação de miserabilidade absoluta, bastando a caracterização de que o requerente não tem condições de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família.
1) Da definição legal de núcleo familiar
A redação original do parágrafo 1º, do art. 20, da LOAS, assim definia a família: “a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes”.
Com a criação da MP n.º 1.473-34, de 11/08/1997, convertida na Lei n. 9.720, de 30/11/1998, a definição de núcleo familiar alcançou o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei n.º 8.213, de 24/07/1991, desde que vivessem sob o mesmo teto.
Presentemente, a redação do artigo 20, §1º, da Lei 8.742/93, alterada pela Lei n.º 12.435/2011, traz como conceito de família o núcleo composto pelo “(...) requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto”.
2) Da composição da renda
Conforme dispõe o artigo 20, § 4º, da LOAS, alterado pela Lei nº 14.601, de 19/06/2023, o benefício de prestação continuada não pode ser acumulado com qualquer outro benefício social, exceto os da assistência médica, da pensão especial de natureza indenizatória, bem como as transferências de renda provenientes dos programas de renda básica familiar (art. 6º, parágrafo único, e art. 203, inciso VI, da CF) e de renda básica de cidadania (Lei 10.835/2004), in verbis:
“Art. 20. (...) § 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória, bem como as transferências de renda de que tratam o parágrafo único do art. 6º e o inciso VI do caput do art. 203 da Constituição Federal e o caput e o § 1º do art. 1º da Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004. (Redação dada pela Lei nº 14.601, de 2023)”
Para a aferição da situação de hipossuficiência do requerente, a Lei nº 13.982, de 02/04/2020, incluiu o § 14 ao artigo 20 da LOAS, que prevê a exclusão de benefício assistencial ou previdenciário de até 1 (um) salário-mínimo da composição da renda para fins de concessão de BPC. Eis o teor in verbis:
Art. 20 (...)§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.
3) Requisito da miserabilidade
O parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com a redação dada pela Lei 14.176/2021, considera como hipossuficiente, para a obtenção deste benefício, pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
Inicialmente, esse parâmetro foi confrontado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 1.232-1/DF, a qual foi julgada improcedente pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, declarando a constitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993. (ADI 1.232, Relator p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, j. 27/08/1998).
Todavia, os contínuos debates acerca do tema levaram o E. STF, no julgamento do RE 567.985/MT (18/04/2013), com repercussão geral reconhecida – revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e Reclamações nº 2.303/RS e 2.298/SP) –, a reconhecer e declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, em razão da defasagem do critério caracterizador da miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico.
O referido precedente ensejou a tese do Tema 27/STF, segundo a qual: “É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição” (Leading Case: RE 567.985, Tribunal Pleno, DJe 3.10.2013).
Em que pese o julgado, não houve a declaração de nulidade do art. 20, § 3º, da LOAS, de modo que passaram a ser admitidos distintos parâmetros para aferição da condição de miserabilidade, conforme tese firmada pelo C. STJ, no Tema Repetitivo nº 185/STJ, que dispõe:
“A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo”. (REsp 1.112.557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Terceira Seção, j. 28/10/2009, transitado em julgado em 21/03/2014)”
A Lei n.º 13.146, de 06/07/2015, alterou a LOAS, para incluir o § 11 ao artigo 20, possibilitando a utilização de outros parâmetros aptos à avaliação da renda per capta familiar e, consequentemente, da miserabilidade, dispondo que:
“Art. 20 (...) § 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento”.
Em 2020, com o advento da Lei n.º 13.981, de 23/03/2020, o § 3º do artigo 20 da LOAS foi alterado para majorar o critério de aferição de hipossuficiência para 1/2 (meio) salário mínimo. Entretanto, teve a sua eficácia suspensa pelo E. STF, por liminar concedida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 662. Assim, a Lei n.º 13.982, de 02/04/2020, alterou novamente o referido parágrafo, fazendo-o retornar a sua redação original.
Ademais, complementado os critérios de concessão do benefício de prestação continuada, a Lei nº 14.176, de 22/06/2021, incluiu o § 11-A ao artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, que concedeu expressa licença normativa ao regulamento para fins de ampliar o limite da renda per capta até ½ (meio) salário-mínimo, in verbis:
Art. 20 (...) § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021).
Há, portanto, supedâneo legal para a ampliação do critério de avaliação socioeconômica para o valor de ½ (meio) salário-mínimo.
A par do que, há que avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício, consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere.
Em outras palavras, dita presunção milita a favor, mas nem sempre contra o requerente do benefício.
O fato de o critério objetivo de renda familiar ser considerado, até certo ponto, compatível com a Constituição não é contraditório com a intenção de se verificar, no caso concreto, se há outras indicações de pobreza e desamparo. Tal verificação poderia ser realizada pela autoridade judiciária. Além disso, leis subsequentes à LOAS, como aquelas que instituíram outros programas sociais (por exemplo, o “bolsa família”) flexibilizaram os critérios para a concessão de outros benefícios assistenciais.
No sentido esposado:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO CARACTERIZADA. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.
I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.
II - A 1ª Seção desta Corte, no julgamento do Recurso Especial n. 1.355.052/SP, submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, sedimentou entendimento no sentido de afastar do cômputo da renda per capita, prevista no art, 20 § 3º, da Lei n. 8.742/93, o benefício previdenciário ou assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por idoso que faça parte do núcleo familiar, quando do requerimento de benefício assistencial feito por deficiente, diante da interpretação dada ao art. 34 parágrafo único, da Lei n 10.741/03 (Estatuto do Idoso).
III - No entanto, firmou-se o entendimento segundo o qual a delimitação do valor da renda familiar per capita não é o único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado, pois representa apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se a miserabilidade quando comprovada renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
IV - In casu, rever o entendimento do Tribunal de origem, que concluiu pela ausência da hipossuficiência, demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz do óbice contido na Súmula n. 7/STJ.
V - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida.
VI - Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.
VII - Agravo Interno improvido.
(AgInt no REsp n. 1.831.410/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 25/11/2019, DJe de 27/11/2019.)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. FATOS NARRADOS PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS PERMITEM CONCLUIR PELA MISERABILIDADE DO BENEFÍCIÁRIO. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A Constituição Federal prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Esta Corte, no julgamento do REsp. 1.112.557/MG, representativo de controvérsia, DJe 20.11.2009, pacificou o entendimento de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
3. No presente caso, conforme analisado pela sentença, o beneficiário preencheu os requisitos legais, tendo logrado comprovar sua condição de vulnerabilidade social por outros meios de prova, motivo pelo qual faz jus à concessão do benefício assistencial pleiteado.
4. Não há que se falar em violação à Súmula 7/STJ, uma vez que a decisão agravada não reexaminou o conjunto fático-probatório dos autos, tendo adotado os fatos tais como delineados pelas instâncias ordinárias.
5. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento.
(AgInt no AgRg no AREsp n. 665.981/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 13/12/2018, DJe de 4/2/2019.)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. COMPROVAÇÃO DA DEFICIÊNCIA E DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de provar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para aferir a necessidade, ou seja, presume-se absoluta a miserabilidade quando demonstrada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Orientação reafirmada no julgamento do REsp 1.112.557/MG, sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC).
2. Hipótese em que o Tribunal a quo, ao analisar as provas dos autos, concluiu que o ora agravante reúne condições de prover a própria manutenção, possuindo sua família renda mensal per capita superior a 1/4 de salário mínimo. A revisão desse entendimento pelo STJ é obstada pelo disposto na Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
3. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no REsp n. 1.514.461/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 7/4/2016, DJe de 24/5/2016.)
CONCLUSÃO: REQUISITOS
Conclusivamente, considerada a evolução jurisprudencial e legislativa, o BPC reclama a reunião dos seguintes requisitos: i) ser o requerente, alternativamente, idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência, de qualquer idade; ii) estar em situação de hipossuficiência econômica, caracterizada pela ausência de condições de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família; e iii) não possuir outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, salvo o de assistência médica, de pensão especial de natureza indenizatória e das transferências de renda, nos termos do art. 20, §4º, da LOAS.
CASO CONCRETO
Com essas breves considerações, passo ao exame do mérito recursal.
De acordo com o apelo do INSS, a parte autora não teria comprovado viver em condição de hipossuficiência econômica, requisito necessário à concessão do benefício de prestação continuada, motivo pelo qual requer a reforma da r. sentença.
De início, o requisito etário foi devidamente preenchido, considerando o implemento da idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos em 17/03/2015 (ID 292943518, fl. 14), anteriormente ao requerimento administrativo do benefício (01/09/2021 - ID 292943518, fl. 41).
Quanto a hipossuficiência econômica, o estudo social elaborado em 30/01/2023, com base em visita realizada à residência da requerente (ID 292943519, fls. 113/117), revela que o núcleo familiar é formado por duas pessoas, quais sejam, a autora, de 72 anos na data da perícia, e seu marido, de 58 anos.
Segundo o estudo social, a postulante residia com o marido “em uma casa estilo popular, medindo 36 m². Em um terreno de área de 12x30, contendo cinco cômodos, parte com reboco, sem pintura, telha fibro cimento, sem forro, piso em cerâmica, murado, guarnecido de móveis e eletrodomésticos essenciais, em estado de usados e conservados: 01 fogão, 01 geladeira duplex, TV 42”, 02 camas, sofá, guarda-roupas, armário de aço”. Ainda, a perita relatou que “No momento da visita, observou a organização em seu interior. E o imóvel é fruto do trabalho do esposo, que no auge da vida produtiva, esforçou-se, único bem que possuem”.
Quanto ao quadro de saúde da periciada, consta do laudo que a postulante “fora acometida de problemas na coluna, teve infarte, fora internada entre outras várias situações, decorrente da idade e, quando necessário o acompanhamento é realizado pelo SUS (...). Faz uso dos seguintes medicamentos: Enalapril, Atenolol, Metformina, entre outros, e ainda o esposo, também doente, faz uso dos seguintes medicamentos: Cloridrato de Dorzolamida, Britens, Glimepirida, entre outros”.
Em relação às despesas familiares, declarou a perita que envolviam gastos mensais com: compras/alimentação (R$400,00); água (R$76,89), gás de cozinha (R$130,00); medicação (R$250,00), totalizando o montante aproximado de R$857,00 (ID 292943519, fl. 116).
Por sua vez, a renda familiar, de acordo com o laudo social, provinha do benefício por incapacidade permanente auferido pelo cônjuge, no valor de 2 (dois) salários mínimos.
Todavia, extrai-se do apelo autárquico que, à época da elaboração da perícia (01/2023), o benefício por incapacidade percebido pelo cônjuge da autora (NB 635.071.877-5), o qual foi concedido em 01/03/2021 (DIB), superava a quantia relatada em laudo social, equivalendo a R$2.811,79 (ID 292943519, fl. 153).
Dividindo-se a referida renda mensal (R$2.811,79) pelo número de membros do núcleo familiar (02 pessoas), chega-se no valor per capita aproximado de R$1.406,00, quantia que excedia o salário mínimo vigente à época (2023), que correspondia a R$1.302,00.
Ademais, nos termos do apelo, o cônjuge da requerente faleceu em 21/04/2023, ocasião em que ela passou a auferir pensão por morte (NB 175.876.146-3 – ID 292943519, fl. 144), benefício que, conforme dispõe o art. 20, §4º, da Lei nº 8.742/03, não pode seu acumulado com o benefício assistencial.
Nesse contexto, diante do valor da aposentadoria concedida ao cônjuge da parte autora, que teve DIB em 01/03/2021, observo que a hipossuficiência econômica da autora não restou comprovada desde a data do requerimento administrativo do benefício (01/09/2021 - ID 292943518, fl. 41).
Vale destacar que o benefício de prestação continuada não se destina a complementar a renda de famílias em situação de pobreza, mas de garantir o mínimo existencial aos vulneráveis em situação de miséria, motivo pelo qual verificou-se que a condição socioeconômica vivenciada pela parte autora não permite a concessão do benefício pleiteado.
Desta feita, observo que a requerente comprovou o preenchimento do requisito etário, porém, não comprovou estar em situação de vulnerabilidade social, não fazendo jus à concessão do benefício assistencial requerido.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Inverto o ônus da sucumbência, condenando a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais e dos honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, suspensa, no entanto, a sua execução, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser ela beneficiária da assistência judiciária gratuita.
REVOGAÇÃO DE TUTELA ANTECIPADA E DEVOLUÇÃO: TEMA N.º 692
Revogo a antecipação da tutela anteriormente concedida e, consoante decidido no julgamento do Tema n.º 692 pelo C. Superior Tribunal de Justiça (Tese: A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago), determino a devolução dos valores recebidos a esse título, cuja execução deverá se dar nestes autos.
Ante o exposto, dou provimento ao apelo do INSS para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido inicial, condenando a parte autora ao pagamento das custas, das despesas processuais e dos honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, suspensa, no entanto, a sua execução, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, revogando a tutela antecipada anteriormente deferida.
Comunique-se ao INSS.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (ART. 203, INC. V, CF E ART. 20, LEI 8.742/93). REQUISITO ETÁRIO PREENCHIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO COMPROVADA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. INVERSÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. REVOGAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA.
- O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal ao idoso e à pessoa com deficiência que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 203, caput e inciso V, da CF; art. 20 da Lei 8.742/93).
- Considerada a evolução jurisprudencial e legislativa, o BPC reclama a reunião dos seguintes requisitos: i) ser o requerente, alternativamente, idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência, de qualquer idade; ii) estar em situação de hipossuficiência econômica, caracterizada pela ausência de condições de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família; e iii) não possuir outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, salvo o de assistência médica, de pensão especial de natureza indenizatória e das transferências de renda, nos termos do art. 20, §4º, da LOAS.
- Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência não se confunde com a situação de incapacidade laborativa. A análise é biopsicossocial, sendo o requerente submetido às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do seu corpo, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito (art. 20, § 6º, Lei 8.742/93).
- O parágrafo 14 do artigo 20, da LOAS, da Lei 8.742/1993, incluído pela Lei nº 13.982/2020, prevê a exclusão de benefício assistencial ou previdenciário de até 1 (um) salário-mínimo da composição da renda, para a aferição da hipossuficiência econômica do requerente.
- O parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com a redação dada pela Lei 14.176/2021, considera como hipossuficiente a pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. Todavia, o E. STF, no julgamento do RE 567.985/MT (18/04/2013), com repercussão geral reconhecida – revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e Reclamações nº 2.303/RS e 2.298/SP) –, reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do referido dispositivo legal. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico. O referido precedente ensejou a tese do Tema 27/STF.
- Diante da ausência de declaração de nulidade do art. 20, § 3º, da LOAS, distintos parâmetros passaram a ser admitidos para aferição da condição de miserabilidade (Tema Repetitivo nº 185/STJ).
- A presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere milita a favor, mas nem sempre contra o requerente do benefício, devendo-se analisar seu estado de necessidade e as especificidades do caso concreto.
- O requisito etário foi devidamente preenchido, considerando o implemento da idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos em 17/03/2015, anteriormente ao requerimento administrativo do benefício (DER: 01/09/2021).
- Todavia, os extratos previdenciários apresentados pelo INSS evidenciam que a parte autora possuía condições de ter sua subsistência provida por sua família. Ademais, com o falecimento do marido, a requerente teve concedido o benefício de pensão por morte, o qual, nos termos do art. 20, §4º, da LOAS, não pode ser acumulado com o benefício assistencial. Sendo assim, não restou comprovada a vulnerabilidade social vivenciada pela postulante.
- Requisitos não preenchidos. Benefício indeferido.
- Inversão do ônus da sucumbência. Condenação da parte ao pagamento das custas e despesas processuais e dos honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa. Exigibilidade condicionada à hipótese artigo 98, § 3º, do CPC/2015.
-Revogação da antecipação da tutela anteriormente concedida e devolução dos valores recebidos a esse título, consoante decidido no julgamento do Tema n.º 692 pelo C. Superior Tribunal de Justiça (Tese: A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago).
- Apelação do INSS provida. Pedido julgado improcedente. Revogação da tutela antecipada deferida pelo Juízo a quo.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
