
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001310-41.2017.4.03.6106
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
SUCEDIDO: ALINE BERTOLINO PAVIANI
REPRESENTANTE: MARIA PEREIRA BERTOLINO PAVIANI
APELADO: MARIA PEREIRA BERTOLINO PAVIANI
Advogados do(a) SUCEDIDO: ELTON FERREIRA DOS SANTOS - SP330430-A,
Advogado do(a) APELADO: ELTON FERREIRA DOS SANTOS - SP330430-A
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001310-41.2017.4.03.6106
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
SUCEDIDO: ALINE BERTOLINO PAVIANI
REPRESENTANTE: MARIA PEREIRA BERTOLINO PAVIANI
APELADO: MARIA PEREIRA BERTOLINO PAVIANI
Advogados do(a) SUCEDIDO: ELTON FERREIRA DOS SANTOS - SP330430-A,
Advogado do(a) APELADO: ELTON FERREIRA DOS SANTOS - SP330430-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ERIK GRAMSTRUP (RELATOR):
Trata-se apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL – INSS, em face de ALINE BERTOLINO PAVIANI (de cujus), sucedida por sua genitora, MARIA PEREIRA BERTOLINO PAVIANI, em ação objetivando a declaração de inexigibilidade dos valores cobrados pelo INSS e, concomitantemente, o restabelecimento do benefício assistencial (art. 203, inciso V, da Constituição Federal).
A r. decisão de ID 263917398 (fls. 91/93) deferiu a tutela requerida para determinar a suspensão da cobrança, pelo INSS, dos valores recebidos pela parte autora no período de 28/09/2007 a 31/08/2016, a título de amparo assistencial.
O Ministério Público Federal tomou ciência do feito nas manifestações de IDs 263917399 (fl. 245), 263917402 (fl. 252), 263917408 (fl. 260), 263917414 (fl. 275), 263917419 (fls. 282/283), 263917879 (fl. 307), 263917891 (fl. 328), 263917897 (fl. 358).
A r. sentença de (ID 263917901, fls. 362/375) ratificou a tutela deferida anteriormente (ID 263917398, fls. 91/93) e julgou procedentes os pedidos da postulante, para declarar a inexigibilidade do débito correspondente aos valores recebidos em função da vigência do benefício n.º 128.201.462-2 (entre 28/09/2007 e 31/08/2016), bem como para condenar o INSS a restabelecer o benefício assistencial NB 128.201.462-2, em favor da autora, desde 01/09/2016 (data imediatamente posterior a cessação na via administrativa), acrescidas as prestações atrasadas de correção monetária e juros de mora.
A r. decisão ainda concedeu tutela antecipada para determinar a implantação do benefício; determinou as custas na forma da lei e condenou a autarquia ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre os valores pagos em razão do ajuizamento da presente ação, nos termos da Súmula nº 111, do STJ.
Em razões recursais (ID 263917905, fls. 394/398), o INSS pugna, preliminarmente, pela suspensão dos efeitos da tutela concedida. No mérito, requer a reforma da decisão, alegando não ter sido comprovada a hipossuficiência econômica da autora. Ainda, requereu o prequestionamento da matéria.
O Ministério Público Federal, em parecer de ID 264794753 (fls. 420/429), opinou pelo desprovimento do recurso do INSS.
Sobreveio aos autos a informação do falecimento da autora (ID 283493667, fls. 430), com a juntada de sua certidão de óbito (ID 283493670, fl. 431), e o pedido de habilitação da genitora como sua sucessora, motivo pelo qual o processo foi suspenso, com fundamento no art. 313, inciso I, do CPC (ID 283938730, fls. 432).
A r. decisão de ID 287997013 (fls. 441/443) deferiu o pedido de habilitação para incluir a herdeira no polo ativo da demanda.
O Ministério Público Federal, em manifestação de ID 288776325 (fl. 444), requereu a continuidade do feito.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001310-41.2017.4.03.6106
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
SUCEDIDO: ALINE BERTOLINO PAVIANI
REPRESENTANTE: MARIA PEREIRA BERTOLINO PAVIANI
APELADO: MARIA PEREIRA BERTOLINO PAVIANI
Advogados do(a) SUCEDIDO: ELTON FERREIRA DOS SANTOS - SP330430-A,
Advogado do(a) APELADO: ELTON FERREIRA DOS SANTOS - SP330430-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ERIK GRAMSTRUP (RELATOR):
Inicialmente, considerando a ausência de efeito suspensivo dos recursos (caput do art. 995, do CPC), bem como que a suspensão ou manutenção da tutela antecipada é matéria intrínseca ao pedido, tenho que análise de seus requisitos será efetuada juntamente com o mérito das questões trazidas a debate pelo recurso de apelação.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
A assistência social deve ser definida e interpretada como elemento do Estado Democrático, tendo a participação da sociedade como característica marcante. Para delimitar esse ponto, convocamos o auxílio de doutrina especializada:
“O exemplo da assistência social no Brasil é emblemático nesse sentido. Quando reconhecemos, no primeiro capítulo, que a desigualdade social era bem mais do que a diferença de recursos materiais a disposição dos indivíduos, levantamos indiretamente uma questão central para a democracia. Se por um lado parece imperioso, sob riscos de abalar a coerência de uma ideia contemporânea e radical de democracia, o reconhecimento da cidadania e do direito à participação nas questões que afetam o indivíduo independa de qualquer requisito prévio, como educação, saúde, moradia, estabilidade familiar etc.; de outro, seria ingênuo considerar que a condição de pobreza não limita gravemente a liberdade comunicativa dos indivíduos. Como vimos, a pobreza pode ser entendida como uma forma de desrespeito na medida em que afeta a construção da identidade pessoal, a partir de um sofrimento de indeterminação causado pela baixa autoconfiança, autorrespeito e autoestima. O problema, a nosso ver, pelo menos no debate sobre o direito à assistência social no Brasil, é bem mais simples do aquele tratado por Iris Marion Young (2001) sobre a necessidade de inclusão de outras formas discursivas e de expressão que não o discurso moral como a base de uma democracia deliberativa aberta à diferença. O problema aqui é, antes de qualquer coisa, de equidade política.” (CHAVES, Vitor Pinto. O direito à assistência social no Brasil: reconhecimento, participação e alternativas de concretização. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 137/138).
Para concluir a caracterização desse segmento, invoco ainda o ensinamento da ilustre magistrada e doutrinadora MARISA SANTOS, a propósito da assistência social:
“(...) o art. 203 da CF prescreve que a Assistência Social “será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social”. E, mais, que: “as prestações de assistência social independem de contribuição para o custeio da seguridade social por parte do beneficiário”. Por fim, que:
“Para a CF a Assistência Social é instrumento de transformação social, e não meramente assistencialista. As prestações de assistência social devem promover a integração e a inclusão do assistido na vida comunitária, fazer com que, a partir do recebimento das prestações assistenciais, seja ‘menos desigual’ e possa exercer atividades que lhe garantam a subsistência”. (SANTOS, Marisa. Direito previdenciário esquematizado. Ed. digital. São Paulo: Saraiva Educação, 2020)
DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
Postula a parte autora a concessão do Benefício Assistencial, instituído pela Constituição Federal, nos termos do artigo 203, caput e inciso V, in verbis:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A Lei n.º 8.742, de 07.12.1993 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), regulamentada pelo Decreto n.º 6.214, de 26.09.2007, foi recepcionada e deu eficácia plena à referida norma constitucional, criando o benefício de prestação continuada, também denominado benefício assistencial, disposto no art. 20, com a seguinte redação, in verbis:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)(Vide Lei nº 13.985, de 2020)
Portanto, a rigor, o BPC subdivide-se em dois tipos, conforme o beneficiário. É prestado ao idoso, maior de 65 anos e à pessoa com deficiência. Em ambos os casos, é exigida a prova da pobreza e do desamparo, ou seja, a inexistência de meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família
Dada a natureza assistencial do benefício, este independe de qualidade de segurado ou cumprimento de período de carência; tampouco se exige do postulante que desenvolva alguma atividade laboral.
DOS BENEFICIÁRIOS
1) Idosos
A redação original do art. 20 da Lei n.º 8.742/1993, que vigeu no período de 01.01.1996 a 31.12.1997, estabelecia a idade mínima de 70 anos como requisito para a obtenção do benefício.
A partir de 01.01.1998, conforme redação dada pela MP n.º 1.599-39, de 1997, e reedições, posteriormente convertida na Lei n.º 9.720/1998, a idade mínima necessária passou a ser 67 anos.
Com a edição da Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003, acabou-se por eleger a idade de 65 anos como critério etário para o recebimento do benefício assistencial, nos seguintes termos:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas."
Sendo assim, a Lei n.º 12.435/2011 atualizou o art. 20 da Lei n.º 8.742/1993, para estabelecer que a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou mais, desde que exposta à situação de hipossuficiência financeira, pode ser amparada pela Seguridade Social por meio do benefício assistencial.
2) Pessoa com condição de deficiência
O conceito de pessoa com deficiência, para fins de concessão do benefício de amparo social, foi previsto no artigo 20, § 2º, da Lei n.º 8.742/1993, que em sua redação original dispunha que o deficiente era aquele que: (i) tinha necessidade de trabalhar, mas não podia, em razão da deficiência; (ii) estava também incapacitado para a vida independente. assim dispunha. Nestes termos:
“§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.”
Com o ingresso formal da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no ordenamento pátrio, ratificada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008, e promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado e modificado substancialmente, nos termos do o artigo 1º, que define:
“Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.”
Vê-se, portanto, que não se trata mais de um parâmetro puramente médico, mas a este foi adicionado um conceito social – o impedimento deve ofertar dificuldade para a vida em sociedade.
A redação original do artigo 20, § 2º, da LOAS, foi alterada pela Lei n.º 12.435/2011, de modo que o benefício passou a ser destinado às pessoas com deficiência que: (i) tinham necessidade de trabalhar, mas não podiam, por conta de limitações físicas ou mentais; (ii) estavam também incapacitados para a vida independente, in verbis:
“§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.”
A Lei n.º 12.470/2011 promoveu nova alteração no conceito de pessoa com deficiência, dispensando a menção à incapacidade para o trabalho ou à incapacidade para a vida independente como requisito à concessão do benefício. A partir de então, o artigo 20 da LOAS passou a ter a seguinte redação:
“Art. 20 (...)
“§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
(...)
“§ 10 Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.”
Por fim, com o advento da Lei n.º 13.146/2015, que instituiu a Lei de Inclusão à Pessoa com Deficiência, vigente a partir de 02/01/2016, a redação do artigo 20, § 2º, da LOAS sofreu nova alteração, passando a ter a atual redação:
“§ 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
Verifica-se, assim, que a definição de deficiente proveio de legislação própria, editada em cumprimento a compromissos internacionais, muito mais ampla do que a noção de incapacidade para o trabalho. A deficiência, essencialmente, é um impedimento de longo prazo que obstrui a participação plena e efetiva na sociedade. Esse impedimento é de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, operando em interação com uma ou mais barreiras. Portanto, não é mera condição de saúde, nem simples invalidez. É considerado em sua relação com óbices de natureza social.
Para a avaliação da condição como deficiente, o parágrafo 6º do artigo 20 da Lei n.º 8.742/93 prevê que o requerente deverá ser submetido às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo do requerente, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito o interessado.
Logo, para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência não se confunde com a situação de incapacidade laborativa; como se vê, um conceito biopsicossocial superou a noção anterior, de incapacidade.
O impedimento do requerente deve ser de longo prazo, com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação.
3) Extensão ao estrangeiro residente
O caput do art. 5º da Constituição Federal, expressamente, assegura a observância dos direitos e garantias fundamentais aos estrangeiros residentes no Brasil.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”
Neste sentido, o Egrégio Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do RE n. 587.970, pacificou que o benefício assistencial é devido a “brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais” (RE 587970, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 20-04-2017, acórdão eletrônico repercussão geral - mérito dje-215 divulg 21-09-2017 public 22-09-2017).
O referido precedente ensejou o Tema nº 173/STF, sendo fixada a seguinte tese:
“Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais.”
4) Requisitos formais: CPF e ‘CadÚnico’
De acordo como o art. 12, do Regulamento da LOAS (Decreto n.º 6.214/2007), introduzido pelo Decreto n.º 8.805, de 7.7.2016, são requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício de prestação continuada, as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CadÚnico, in verbis:
Art. 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico. (Redação dada pelo Decreto nº 8.805, de 2016)
Na forma do art. 12, § 1º, do referido regulamento, o beneficiário que não realizar a inscrição ou a atualização no CadÚnico terá o seu benefício suspenso.
DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA
No tocante ao requisito socioeconômico, ressalta-se que o objetivo da assistência social é prover o mínimo para a manutenção do beneficiário, de modo a assegurar-lhe a vida digna.
Para a concessão do benefício, não se exige uma situação de miserabilidade absoluta, bastando a caracterização de que o requerente não tem condições de prover a própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família.
1) Da definição legal de núcleo familiar
A redação original do parágrafo 1º, do art. 20, da LOAS, assim definia a família: “a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes”.
Com a criação da MP n.º 1.473-34, de 11/08/1997, convertida na Lei n. 9.720, de 30/11/1998, a definição de núcleo familiar alcançou o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei n.º 8.213, de 24/07/1991, desde que vivessem sob o mesmo teto.
Presentemente, a redação do artigo 20, §1º, da Lei 8.742/93, alterada pela Lei n.º 12.435/2011, traz como conceito de família o núcleo composto pelo “(...) requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto”.
2) Da composição da renda
Conforme dispõe o artigo 20, § 4º, da LOAS, alterado pela Lei nº 14.601, de 19/06/2023, o benefício de prestação continuada não pode ser acumulado com qualquer outro benefício social, exceto os da assistência médica, da pensão especial de natureza indenizatória, bem como as transferências de renda provenientes dos programas de renda básica familiar (art. 6º, parágrafo único, e art. 203, inciso VI, da CF) e de renda básica de cidadania (Lei 10.835/2004), in verbis:
“Art. 20. (...) § 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória, bem como as transferências de renda de que tratam o parágrafo único do art. 6º e o inciso VI do caput do art. 203 da Constituição Federal e o caput e o § 1º do art. 1º da Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004. (Redação dada pela Lei nº 14.601, de 2023)”
Para a aferição da situação de hipossuficiência do requerente, a Lei nº 13.982, de 02/04/2020, incluiu o § 14 ao artigo 20 da LOAS, que prevê a exclusão de benefício assistencial ou previdenciário de até 1 (um) salário-mínimo da composição da renda para fins de concessão de BPC. Eis o teor in verbis:
Art. 20 (...)§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.
3) Requisito da miserabilidade
O parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com a redação dada pela Lei 14.176/2021, considera como hipossuficiente, para a obtenção deste benefício, pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
Inicialmente, esse parâmetro foi confrontado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 1.232-1/DF, a qual foi julgada improcedente pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, declarando a constitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993. (ADI 1.232, Relator p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, j. 27/08/1998).
Todavia, os contínuos debates acerca do tema levaram o E. STF, no julgamento do RE 567.985/MT (18/04/2013), com repercussão geral reconhecida – revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e Reclamações nº 2.303/RS e 2.298/SP) –, a reconhecer e declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, em razão da defasagem do critério caracterizador da miserabilidade contido na mencionada norma. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico.
O referido precedente ensejou a tese do Tema 27/STF, segundo a qual: “É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição” (Leading Case: RE 567.985, Tribunal Pleno, DJe 3.10.2013).
Em que pese o julgado, não houve a declaração de nulidade do art. 20, § 3º, da LOAS, de modo que passaram a ser admitidos distintos parâmetros para aferição da condição de miserabilidade, conforme tese firmada pelo C. STJ, no Tema Repetitivo nº 185/STJ, que dispõe:
“A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo”. (REsp 1.112.557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Terceira Seção, j. 28/10/2009, transitado em julgado em 21/03/2014)”
A Lei n.º 13.146, de 06/07/2015, alterou a LOAS, para incluir o § 11 ao artigo 20, possibilitando a utilização de outros parâmetros aptos à avaliação da renda per capta familiar e, consequentemente, da miserabilidade, dispondo que:
“Art. 20 (...) § 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento”.
Em 2020, com o advento da Lei n.º 13.981, de 23/03/2020, o § 3º do artigo 20 da LOAS foi alterado para majorar o critério de aferição de hipossuficiência para 1/2 (meio) salário mínimo. Entretanto, teve a sua eficácia suspensa pelo E. STF, por liminar concedida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 662. Assim, a Lei n.º 13.982, de 02/04/2020, alterou novamente o referido parágrafo, fazendo-o retornar a sua redação original.
Ademais, complementado os critérios de concessão do benefício de prestação continuada, a Lei nº 14.176, de 22/06/2021, incluiu o § 11-A ao artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, que concedeu expressa licença normativa ao regulamento para fins de ampliar o limite da renda per capta até ½ (meio) salário-mínimo, in verbis:
Art. 20 (...) § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021).
Há, portanto, supedâneo legal para a ampliação do critério de avaliação socioeconômica para o valor de ½ (meio) salário-mínimo.
A par do que, há que avaliar o estado de necessidade daquele que pleiteia o benefício, consideradas suas especificidades, não devendo se ater à presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere.
Em outras palavras, dita presunção milita a favor, mas nem sempre contra o requerente do benefício.
O fato de o critério objetivo de renda familiar ser considerado, até certo ponto, compatível com a Constituição não é contraditório com a intenção de se verificar, no caso concreto, se há outras indicações de pobreza e desamparo. Tal verificação poderia ser realizada pela autoridade judiciária. Além disso, leis subsequentes à LOAS, como aquelas que instituíram outros programas sociais (por exemplo, o “bolsa família”) flexibilizaram os critérios para a concessão de outros benefícios assistenciais.
No sentido esposado:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO CARACTERIZADA. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.
I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.
II - A 1ª Seção desta Corte, no julgamento do Recurso Especial n. 1.355.052/SP, submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, sedimentou entendimento no sentido de afastar do cômputo da renda per capita, prevista no art, 20 § 3º, da Lei n. 8.742/93, o benefício previdenciário ou assistencial, no valor de um salário mínimo, recebido por idoso que faça parte do núcleo familiar, quando do requerimento de benefício assistencial feito por deficiente, diante da interpretação dada ao art. 34 parágrafo único, da Lei n 10.741/03 (Estatuto do Idoso).
III - No entanto, firmou-se o entendimento segundo o qual a delimitação do valor da renda familiar per capita não é o único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado, pois representa apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se a miserabilidade quando comprovada renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
IV - In casu, rever o entendimento do Tribunal de origem, que concluiu pela ausência da hipossuficiência, demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz do óbice contido na Súmula n. 7/STJ.
V - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida.
VI - Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.
VII - Agravo Interno improvido.
(AgInt no REsp n. 1.831.410/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 25/11/2019, DJe de 27/11/2019.)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. FATOS NARRADOS PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS PERMITEM CONCLUIR PELA MISERABILIDADE DO BENEFÍCIÁRIO. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A Constituição Federal prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Esta Corte, no julgamento do REsp. 1.112.557/MG, representativo de controvérsia, DJe 20.11.2009, pacificou o entendimento de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
3. No presente caso, conforme analisado pela sentença, o beneficiário preencheu os requisitos legais, tendo logrado comprovar sua condição de vulnerabilidade social por outros meios de prova, motivo pelo qual faz jus à concessão do benefício assistencial pleiteado.
4. Não há que se falar em violação à Súmula 7/STJ, uma vez que a decisão agravada não reexaminou o conjunto fático-probatório dos autos, tendo adotado os fatos tais como delineados pelas instâncias ordinárias.
5. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento.
(AgInt no AgRg no AREsp n. 665.981/SP, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 13/12/2018, DJe de 4/2/2019.)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. COMPROVAÇÃO DA DEFICIÊNCIA E DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de provar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para aferir a necessidade, ou seja, presume-se absoluta a miserabilidade quando demonstrada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
Orientação reafirmada no julgamento do REsp 1.112.557/MG, sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC).
2. Hipótese em que o Tribunal a quo, ao analisar as provas dos autos, concluiu que o ora agravante reúne condições de prover a própria manutenção, possuindo sua família renda mensal per capita superior a 1/4 de salário mínimo. A revisão desse entendimento pelo STJ é obstada pelo disposto na Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
3. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no REsp n. 1.514.461/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 7/4/2016, DJe de 24/5/2016.)
CONCLUSÃO: REQUISITOS
Conclusivamente, considerada a evolução jurisprudencial e legislativa, o BPC reclama a reunião dos seguintes requisitos: i) ser o requerente, alternativamente, idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência, de qualquer idade; ii) estar em situação de hipossuficiência econômica, caracterizada pela ausência de condições de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família; e iii) não possuir outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, salvo o de assistência médica, de pensão especial de natureza indenizatória e das transferências de renda, nos termos do art. 20, §4º, da LOAS.
CASO CONCRETO
Com essas breves considerações, passo ao exame do mérito recursal.
De início, saliento não haver controvérsia quanto o caráter personalíssimo do amparo assistencial, de modo que, em caso de óbito do beneficiário, não pode haver transferência do benefício aos herdeiros, tampouco acarretar em direto à pensão por morte aos dependentes.
O falecimento do beneficiário do amparo assistencial constitui o termo final de seu pagamento. Neste sentido:
“Art. 21. § 1º, da Lei nº 8742/1993: O pagamento do benefício cessa no momento em que forem superadas as condições referidas no caput, ou em caso de morte do beneficiário.”
“Art. 23, do Decreto nº 6.214/2007: O Benefício de Prestação Continuada é intransferível, não gerando direito à pensão por morte aos herdeiros ou sucessores.”
Todavia, as quantias a que o titular fazia jus e que, por questões de ordem administrativa e processual, não foram recebidas enquanto vivo, fazem parte de seu patrimônio, sendo transmissíveis aos seus herdeiros, conforme dispõe o parágrafo único do art. 23, do Regulamento do BPC (Decreto nº 6.214/2007), in verbis:
“Art. 23. O Benefício de Prestação Continuada é intransferível, não gerando direito à pensão por morte aos herdeiros ou sucessores.
Parágrafo único. O valor do resíduo não recebido em vida pelo beneficiário será pago aos seus herdeiros ou sucessores, na forma da lei civil.”
No caso dos autos, em que se requer o restabelecimento do benefício assistencial, cessado em razão da renda familiar, observou-se que o óbito da parte autora (08/11/2023 - ID 283493670, fl. 431), ocorreu em momento posterior à prolação da sentença (27/09/2021 - ID 263917901, fls. 362/375), quando o conjunto probatório restava completo, com a realização de audiência de instrução e juntada de estudo socioeconômico. Por esta razão, cabível a análise do direito da sucessora ao pagamento dos valores devidos.
Neste sentido, colaciono precedentes do Eg. STJ:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. FALECIMENTO DO TITULAR DO BENEFÍCIO NO CURSO DO PROCESSO. DIREITO DOS SUCESSORES DE RECEBER EVENTUAIS PARCELAS ATÉ A DATA DO ÓBITO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. A irresignação não prospera, pois o acórdão recorrido está em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, de que o caráter personalíssimo do benefício assistencial de prestação continuada não afasta o direito dos sucessores de receber eventuais parcelas que seriam devidas ao autor que falece no curso da ação.
Precedentes: REsp 1.568.117/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 27/03/2017; AgInt no REsp 1.531.347/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 03/02/2017.
2 Recurso Especial não provido.
(REsp n. 1.786.919/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12/2/2019, DJe de 12/3/2019.)”
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. FALECIMENTO DO TITULAR DO BENEFÍCIO NO CURSO DO PROCESSO. HABILITAÇÃO DOS HERDEIROS PARA O RECEBIMENTOS DOS VALORES NÃO PAGOS EM VIDA. POSSIBILIDADE. ARTIGOS 20 E 21 DA LEI 8.742/1993. ARTIGO 23 DO DECRETO 6.214/2007. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. No caso de benefício assistencial de prestação continuada, previsto na Lei 8.742/1993, não obstante o seu caráter personalíssimo, eventuais créditos existentes em nome do beneficiário no momento de seu falecimento, devem ser pagos aos seus herdeiros, porquanto, já integravam o patrimônio jurídico do de cujus. Precedentes.
2. O caráter personalíssimo do benefício impede a realização de pagamentos posteriores ao óbito, mas não retira do patrimônio jurídico do seu titular as parcelas que lhe eram devidas antes de seu falecimento, e que, por questões de ordem administrativa e processual, não lhe foram pagas em momento oportuno.
3. No âmbito regulamentar, o artigo 23 do Decreto nº 6.214/2007, garante expressamente aos herdeiros ou sucessores o valor residual não recebido em vida pelo beneficiário, 4. Portanto, no caso de falecimento do beneficiário no curso do processo em que ficou reconhecido o direito ao benefício assistencial, é possível a habilitação de herdeiros do beneficiário da assistencial social, para o recebimento dos valores não recebidos em vida pelo titular.
5. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.568.117/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 21/3/2017, DJe de 27/3/2017.)"
Ainda, destaco ementas desta C. 7ª Turma:
“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. ÓBITO DA PARTE AUTORA. INSTRUÇÃO PROCESSUAL ANTES DO ÓBITO. REQUISITOS PREENCHIDOS. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA. BENEFÍCIO CONCEDIDO.
(...)
3. Cumpre observar que o benefício pleiteado tem caráter personalíssimo, não pode ser transferido aos herdeiros em caso de óbito, tampouco gera o direito à percepção do benefício de pensão por morte aos dependentes.
4. Contudo, o que não pode ser transferido é o direito à percepção mensal do benefício, pois a morte do beneficiário coloca um termo final em seu pagamento. De outra parte, permanece a pretensão dos sucessores ao recebimento dos valores eventualmente devidos.
5. Cumpre observar que os valores a que fazia jus o titular e que não foram recebidos em vida integraram seu patrimônio, de modo a tornar possível a transmissão aos herdeiros. Tanto é certo que, do contrário, jamais se poderia reconhecer o direito aos atrasados pelo titular, violando legítimo direito deste e de eventuais herdeiros.
6. No caso em comento, há elementos para se afirmar que se trata de família que vive em estado de miserabilidade. Os recursos obtidos pela família do requerente são insuficientes para cobrir os gastos ordinários, bem como os tratamentos médicos e cuidados especiais imprescindíveis.
7. Assim, faz jus a parte autora a concessão do benefício de amparo social ao deficiente a partir da data da citação até a data de seu falecimento.
9. Apelações da autora e do INSS parcialmente providas.
(TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5363481-60.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, julgado em 10/04/2024, Intimação via sistema DATA: 11/04/2024)”
“APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. LOAS. PARTE AUTORA FALECIDA. HABILITAÇÃO. LEGITIMIDADE DOS HERDEIROS. COREEÇÃO MONETÁRIA. RESOLUÇÃO 267/CJF.
Embora o benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição tenha caráter personalíssimo, as parcelas eventualmente devidas a esse título até a data do óbito representam crédito constituído pela autora em vida, sendo, portanto, cabível sua transmissão causa mortis. Portanto, os sucessores têm direito ao recebimento dos valores a que o titular do benefício, eventualmente, teria direito em vida, ainda que tenha falecido no curso do processo. Precedentes.
- Considerando que o título exequendo determinou a correção monetária nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, deve ser observada a Resolução 267, do CJF, que determina a incidência do INPC como critério de atualização.
- Recurso desprovido, com majoração da verba honorária.
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0002918-98.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 27/04/2022, DJEN DATA: 05/05/2022)”
Sendo assim, passo a analisar o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do amparo assistencial no período entre a data de sua cessação, ocorrida em 31/08/2016 (ID 263917398, fl. 45), e a data do óbito da parte autora, ocorrido em 08/11/2023 (ID 283493670, fl. 431).
Inicialmente, considerando o pedido de restabelecimento de benefício assistencial à pessoa deficiente, cessado em razão da identificação pelo INSS de renda familiar incompatível à manutenção do benefício, e, tendo em vista que a autarquia, em apelo, somente alega a não comprovação da hipossuficiência econômica do núcleo familiar, tenho como incontroverso o preenchimento do requisito relativo a deficiência da requerente.
Ademais, destaco que, segundo o laudo médico fornecido pela APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (ID 263917398, fl. 54), a parte autora era portadora de retardo mental grave (CID: F72.0), sendo “pessoa intelectualmente deficiente, patologia esta que a torna dependente permanentemente de seus responsáveis”. Logo, conforme constatado pelo INSS, por ocasião da concessão do benefício assistencial, qualificava-se a autora como pessoa com condição de deficiência.
Em relação à hipossuficiência econômica, o estudo social elaborado com base em visita realizada à residência da parte autora, em 25/01/2021 (ID 263917889, fls. 318/321), revelou que o núcleo familiar era formado por 02 (duas) pessoas, quais sejam, a autora, de 29 anos na data da perícia, e sua genitora de 58 anos.
De acordo com o estudo socioeconômico, a família residia no endereço visitado “há treze anos, sendo a visita realizada in loco. Trata-se de residência alugada no valor de R$700,00, composta por dois quartos, uma sala, uma cozinha e um banheiro”.
Segundo a perita social, “o processo de escuta e entrevista social fora realizado com sra. Maria apenas, visto as condições de saúde da jovem Aline, tendo sequelas do que sofreu na infância, como por exemplo a perda da fala, sendo totalmente dependente da genitora para desenvolver as atividades regulares da vida cotidiana, desde o autocuidado e higiene pessoal até o processo de ingestão da própria alimentação”.
Ainda em relação à saúde da requerente, declarou a assistente social que “Aline frequentou a Instituição APAE dos cinco anos de idade até o ano de 2015. Não faz uso de dieta especial, entretanto faz uso de alimentação pastosa, ingerindo muitos legumes e frutas. Utiliza fraldas tamanho infantil, visto as geriátricas não se adequarem a sua estrutura corporal e ao seu peso”.
Nesta senda, quanto as despesas familiares, relatou a genitora “ter gastos elevados com farmácia (R$394,00), mercado (R$400,00), fraldas (R$120,00), despesas cotidianas como taxa de água (35,00) e luz (R$100,00), bem como o aluguel de R$700,00”, totalizando o valor aproximado de R$1.749,00.
A renda familiar, por sua vez, provinha unicamente da pensão por morte auferida pela genitora, em decorrência do óbito de seu marido, ocorrido em 2016, no valor de R$ 1.900,00, quantia que se mostrava insuficiente ao custeio das despesas domésticas e das necessidades especiais da autora.
Neste sentido, em audiência realizada em 11/11/2020, as testemunhas Solange Aparecida Novais de Souza e Dinalva Luzia Puia Alves foram uníssonas em informar que, após a cessação do benefício assistencial, a genitora teve de interromper a fisioterapia e os tratamentos específicos da autora, uma vez que, por não ter veículo, e, por não contar com o auxílio de terceiros, depende do transporte por aplicativo para se locomover com a filha, despesa que não pôde mais pagar.
Ademais, ressaltou a perita, no laudo socioeconômico, que a genitora “não exerce atividade laborativa, dedicando-se exclusivamente a oferta de cuidados para a filha, pois Aline é incapaz fisicamente em realizar qualquer atividade por conta própria, não consegue se locomover, se alimentar, é dependente para desenvolver qualquer atividade de cunho pessoal”, relatando que “mãe e filha não recebem qualquer benefício social, transferência financeira por familiares que não integrem o núcleo familiar, tão pouco por terceiros”.
Por fim, declarou a assistente social que “o benefício previdenciário recebido por Maria não supre todas as despesas necessárias da família, ficando à mercê em ter de escolher entre um item ou outro para conseguir suprir os mais necessários, de modo a garantir a qualidade de vida da filha”, concluindo por ser favorável à concessão do amparo assistencial à autora.
Todavia, apela o INSS de não ter sido comprovado o requisito da hipossuficiência econômica da autora, uma vez que, à época do laudo, o valor da pensão por morte da genitora, correspondente à R$2.049,51, superava a quantia relatada à perita social (R$ 1.900,00).
Sendo assim, considerando que o salário-mínimo, à data da perícia social (2021), equivalia a R$1.100,00, observa-se que a renda per capita familiar excedia a quantia de meio salário-mínimo, utilizado como parâmetro jurisprudencial de aferição da hipossuficiência econômica do núcleo familiar, todavia, em quantia que não se mostra capaz de desqualificar a hipossuficiência econômica do núcleo familiar.
Isto pois, de acordo com o estudo social, tratava-se de núcleo familiar que apresentava altos dispêndios com aluguel, medicamentos, fraldas e alimentos especiais, e cuja renda era insuficiente a viabilizar os tratamentos necessários à parte autora, portadora de patologia mental grave, que determinava em sua dependência permanente dos cuidados de sua responsável.
Ademais, embora a autarquia alegue que “em vista da supletividade da assistência social, familiares da parte autora possuem plenas condições de assisti-la”, verificou-se, através do laudo social e do depoimento das testemunhas ouvidas, que o núcleo familiar não contava com qualquer tipo de apoio de familiares e que, pela dependência da requerente, sua genitora encontrava-se impossibilitada de trabalhar.
Neste ponto, destaco trecho da r. sentença que julgou procedente o pedido da autora (ID 263917901, fl. 368):
“Ora, pelo que se tem das provas ofertadas (depoimento da genitora, declarações das testemunhas e estudo socioeconômico), salta evidente a vulnerabilidade do quadro social vivenciado pela requerente que, seja até o óbito de seu pai, seja em data posterior a dito evento, não dispunha (assim como não dispõe) de recursos que lhe permitam garantir o básico para sua subsistência, de forma digna.
Isso porque os rendimentos percebidos, inicialmente, pelo pai da autora – e que consistem na única fonte de custeio para manutenção e sustento da família (constituída pela autora e seus pais – três integrantes) -, quando levados a termo para fins de apuração da renda per capita do núcleo familiar, permitem concluir pela hipossuficiência econômica e social da autora, tal qual o assente entendimento jurisprudencial e conforme preconiza o §11, do art. 20, da Lei de regência da Assistência Social (lei n.º 8.742/93).
No mesmo sentido, em parecer de ID 264794753 (fls. 420/429), o d. Parquet, após analisar as condições socioeconômicas da família, declarou ter vislumbrado a situação de vulnerabilidade social da parte autora, concluindo que "o requisito objetivo também está preenchido”.
Sendo assim, verifico ter sido comprovada a hipossuficiência econômica da parte autora no período entre a data da cessação de seu benefício e a de seu óbito.
Do mesmo modo, diante do requerimento do INSS de que sejam os pedidos da autora julgados improcedentes, passo a analisar o pleito acerca da inexigibilidade do débito, cobrado pela autarquia, relativo ao recebimento de benefício assistencial pela autora (NB 128.201.462-2), no período de 28/09/2007 a 31/08/2016 (DCB), que totalizou o montante de $87.742,37.
Segundo consta do ofício de ID 263917398 (fl. 45), o INSS considerou como indevido o amparo assistencial recebido no referido período, em razão de a renda familiar da postulante ter superado o parâmetro legal de ¼ do salário-mínimo.
Todavia, da análise do extrato previdenciário da genitora da requerente e de seu cônjuge, que compunha o núcleo familiar até a data de o seu falecimento, em 13/07/2016 (ID 263917398, fl. 56), observou-se que a renda familiar provinha somente de benefício por incapacidade permanente concedido ao genitor da autora (NB 570.500.398-2), com DIB (data de início do benefício) em 28/07/2004 e DCB (data da cessação do benefício) no dia de seu óbito.
De acordo com o CNIS, na data de sua cessação (DCB), o benefício por incapacidade permanente de Carlos Paviani Filho (genitor) equivalia a R$ 1.653,32, quantia que, considerado o salário mínimo do período (R$880,00), o número de membros do núcleo familiar (3 pessoas), e as condições sociais relatadas em laudo social e corroboradas pelas testemunhas ouvidas em audiência, também não se mostrava capaz de afastar a condição de hipossuficiência econômica e vulnerabilidade vivenciada pela família.
Neste sentido, novamente, destaco trecho da r. sentença, na qual constou (ID 263917902, fl. 388):
“(...) como já consignado na presente fundamentação, a percepção, tanto da aposentadoria por invalidez (pelo falecido genitora da autora) quanto da pensão por morte (esta pela genitora de Aline) – fatos apontados pelo INSS como indícios de irregularidades hábeis a ensejar a devolução dos valores pagos entre 28/09/2007 e 31/08/2016 – não se prestaram a promover significativas alterações no quadro social de hipossuficiência vivenciado pela requerente”.
Assim, observo ter sido evidenciado que, até a data de seu óbito, a parte autora preenchia os requisitos legais, comprovando ser pessoa com condição de deficiência e estar em situação de vulnerabilidade social, de modo que sua sucessora faz jus ao pagamento do valor residual do benefício assistencial requerido.
Desta feita, de rigor a manutenção da r. sentença, a fim de ser afastada a cobrança, pelo INSS, dos valores recebidos pela autora no período de 28/09/2007 a 31/08/2016, a título de benefício assistencial (NB 128.201.462-2).
TERMO INICIAL E FINAL
O termo inicial do benefício, em regra, deve ser fixado na data do requerimento administrativo, requisito indispensável para a propositura da ação em face do INSS, consoante a decisão do E. STF com repercussão geral, no RE 631.240 - ou, ainda, na hipótese de benefício cessado indevidamente, no dia seguinte ao da cessação indevida do benefício.
No caso, o termo inicial do benefício deve ser mantido na data fixada pela r. sentença, qual seja, 01/09/2016, dia seguinte ao da cessação indevida do benefício (ID 263917398, fl. 45).
O termo final do benefício, por sua vez, deve ser fixado em 08/11/2023, data do óbito da parte autora (ID 283493670, fl. 431).
CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA
No que tange aos critérios de atualização do débito, por tratar-se de consectários legais, revestidos de natureza de ordem pública, são passíveis de alteração de ofício, conforme precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça.
Neste sentido:
“AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. ART. 1º -F DA LEI 9.494/97, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.960.2009. NOVO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. TEMA 810 DO STF. APLICAÇÃO DO INPC, DE OFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO.
(...)
2. Consoante o entendimento do STJ, a correção monetária e os juros de mora, como consectários legais da condenação principal, possuem natureza de ordem pública.
3. Agravo interno não provido. Aplicação, de ofício, do entendimento exarado no RE 870.947/SE, com repercussão geral reconhecida, quanto à correção monetária nas ações previdenciárias.”
(AgRg no REsp n. 1.255.604/PR, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 9/6/2020, DJe de 18/6/2020.)
Assim, as parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora na forma estabelecida e pelos índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial.
VERBA HONORÁRIA RECURSAL
O art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015, dispõe acerca da majoração de ofício da verba honorária, destacando a sua pertinência quando o recurso tenha exigido ao advogado da parte contrária trabalho adicional, observados os limites estabelecidos em lei e ficando sua exigibilidade condicionada ao quanto decidido por ocasião do julgamento do Tema n.º 1059/STJ, o que será examinado oportunamente pelo Juízo a quo.
Desta feita, configurada a hipótese prevista em lei, majoro os honorários advocatícios em 2% (dois por cento) do valor arbitrado na sentença de primeiro grau.
PREQUESTIONAMENTO
Relativamente ao prequestionamento de matéria ofensiva a dispositivos de lei federal e de preceitos constitucionais tendo sido o recurso apreciado em todos seus termos, nada há que ser discutido ou acrescentado aos autos.
Ante o exposto, nego provimento ao apelo do INSS, condenando-o ao pagamento dos honorários recursais e, de ofício, determino que a correção monetária e os juros de mora obedeçam aos critérios especificados na fundamentação supra.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (ART. 203, INC. V, CF E ART. 20, LEI 8.742/93). RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO. FALECIMENTO DA PARTE AUTORA. INSTRUÇÃO PROCESSUAL COMPLETA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REQUISITOS PREENCHIDOS. NÃO CABIMENTO DA DEVOLUÇÃO DE VALORES. TERMO INICIAL E FINAL.CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIO RECURSAL. PREQUESTIONAMENTO. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA.
- O Benefício da Prestação Continuada (BPC) consiste na garantia de um salário mínimo mensal ao idoso e à pessoa com deficiência que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (art. 203, caput e inciso V, da CF; art. 20 da Lei 8.742/93).
- Considerada a evolução jurisprudencial e legislativa, o BPC reclama a reunião dos seguintes requisitos: i) ser o requerente, alternativamente, idoso com 65 anos ou mais ou pessoa com deficiência, de qualquer idade; ii) estar em situação de hipossuficiência econômica, caracterizada pela ausência de condições de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família; e iii) não possuir outro benefício no âmbito da Seguridade Social ou de outro regime, salvo o de assistência médica, de pensão especial de natureza indenizatória e das transferências de renda, nos termos do art. 20, §4º, da LOAS.
- Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência não se confunde com a situação de incapacidade laborativa. A análise é biopsicossocial, sendo o requerente submetido às avaliações médica e social, devendo a primeira considerar as deficiências nas funções e nas estruturas do seu corpo, e, a segunda, os fatores ambientais, sociais e pessoais a que está sujeito (art. 20, § 6º, Lei 8.742/93).
- O parágrafo 14 do artigo 20, da LOAS, da Lei 8.742/1993, incluído pela Lei nº 13.982/2020, prevê a exclusão de benefício assistencial ou previdenciário de até 1 (um) salário-mínimo da composição da renda, para a aferição da hipossuficiência econômica do requerente.
- O parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, com a redação dada pela Lei 14.176/2021, considera como hipossuficiente a pessoa incapaz de prover a sua manutenção por integrar família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. Todavia, o E. STF, no julgamento do RE 567.985/MT (18/04/2013), com repercussão geral reconhecida – revendo o seu posicionamento anterior (ADI nº 1.232/DF e Reclamações nº 2.303/RS e 2.298/SP) –, reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do referido dispositivo legal. Segundo o Relator do acórdão, Min. Gilmar Mendes, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico. O referido precedente ensejou a tese do Tema 27/STF.
- Diante da ausência de declaração de nulidade do art. 20, § 3º, da LOAS, distintos parâmetros passaram a ser admitidos para aferição da condição de miserabilidade (Tema Repetitivo nº 185/STJ).
- A presunção absoluta de miserabilidade que a renda per capita sugere milita a favor, mas nem sempre contra o requerente do benefício, devendo-se analisar seu estado de necessidade e as especificidades do caso concreto.
- No caso dos autos, em que se requer o restabelecimento do benefício assistencial, cessado em razão da renda familiar, observou-se que o óbito da parte autora (08/11/2023) ocorreu em momento posterior à prolação da sentença (27/09/2021), quando o conjunto probatório restava completo, com a realização de audiência de instrução e juntada de estudo socioeconômico. Por esta razão, cabível a análise do direito da sucessora ao pagamento dos valores devidos.
- Neste sentido, o estudo social evidenciou que a parte autora não possuía condições de prover sua subsistência ou de tê-la provida pela sua família.
- Do mesmo modo, a vulnerabilidade do núcleo familiar restou comprovada no período de 28/09/2007 a 31/08/2016, em que o INSS requereu a devolução dos valores recebidos pela parte autora, a título de benefício assistencial. Logo, afastada a exigibilidade do débito cobrado pela autarquia.
- Requisitos preenchidos. Benefício deferido.
- O termo inicial do benefício deve ser fixado no dia seguinte ao da cessação indevida.
- O termo final do benefício deve ser fixado na data do óbito da parte autora.
- As parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora na forma estabelecida e pelos índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial.
- O art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015, dispõe acerca da majoração de ofício da verba honorária, destacando a sua pertinência quando o recurso tenha exigido ao advogado da parte contrária trabalho adicional, observados os limites estabelecidos em lei e ficando sua exigibilidade condicionada ao quanto decidido por ocasião do julgamento do Tema n.º 1059/STJ, o que será examinado oportunamente pelo Juízo a quo. Desta feita, configurada a hipótese prevista em lei, restam majorados os honorários advocatícios em 2% (dois por cento).
- Relativamente ao prequestionamento de matéria ofensiva a dispositivos de lei federal e de preceitos constitucionais tendo sido o recurso apreciado em todos seus termos, nada há que ser discutido ou acrescentado aos autos.
- Apelação do INSS desprovida. Condenação ao pagamento da verba honorária recursal. Consectários alterados de ofício.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
