Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5482857-40.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
11/08/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 14/08/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA/IMPEDIMENTO DE LONGO
PRAZO. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA
RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Conjunto probatório não comprova a existência de deficiência/impedimento de longo prazo.
Laudo médico pericial informa a existência de incapacidade laboral total e temporária fixando
prazo de afastamento.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
6. Apelação da parte autora não provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5482857-40.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: GEOVANA RODRIGUES ALMEIDA
Advogado do(a) APELANTE: MARIA CRISTINA DE SOUZA RODRIGUES - SP384479-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5482857-40.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: GEOVANA RODRIGUES ALMEIDA
Advogado do(a) APELANTE: MARIA CRISTINA DE SOUZA RODRIGUES - SP384479-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de
deficiência.
A sentença, prolatada em 23.05.2018, julgou o pedido improcedente nos termos que seguem:
"Posto isto, julgo IMPROCEDENTE o pedido formulado por GEOVANA RODRIGUES ALMEIDA
em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS. Condeno o requerente ao
pagamento das custas, despesas processuais e honorários que arbitro em R$ 500,00, nos termos
do art. 85, § 8º, do Novo CPC, ficando a execução condicionada aos termos do art. do art. 98, §
3º, do Novo CPC, eis que a(o) requerente é beneficiária da justiça gratuita. Ciência ao Ministério
Público. Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos. P.I.C.”
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a
concessão do benefício assistencial.
Sem contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5482857-40.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: GEOVANA RODRIGUES ALMEIDA
Advogado do(a) APELANTE: MARIA CRISTINA DE SOUZA RODRIGUES - SP384479-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o
pedido com base nos elementos contidos nos laudos periciais, tendo se convencido não restar
configurada a condição de deficiência/impedimento de longo prazo e hipossuficiência financeira
ou miserabilidade necessárias para a concessão do benefício. Confira-se:
“Estabelecidas estas premissas, no caso dos autos, o laudo médico pericial (fls. 64/70) indica que
a parte autora não é portadora de deficiência. De outro lado, o estudo social de fls. 43/46 informa
que a renda familiar é R$ 2.537,00 (dois mil, quinhentos e trinta e sete reais), perfazendo uma
renda per capta de R$ 634,25 (seiscentos e trinta e quatro reais e vinte cinco centavos). Demais
disso, o CNIS juntado aos autos (fl. 75/78) demonstra que o genitor e o irmão da parte autora
exercem atividade remunerada e receberam, pelo menos até o mês de março/2018, os
respectivos valores de R$ 1.338,22 (mil trezentos e trinta e oito reais e vinte e dois centavos) e
R$ 1327,03 (mil trezentos e vinte e sete reais e três centavos). Consigne-se, por fim, que o
supracitado estudo social também demonstra boas condições da moradia familiar, e informa que
"...não pagam tributos de água e luz; tudo é pago pelo dono do local..." (fl. 45), além de
possuírem um veículo Monza ano 1994 e uma motocicleta ano 2011 (fl. 46). Assim, embora a
família seja de renda baixa, não se pode falar em hipossuficiência, haja vista que o núcleo familiar
possui recursos suficientes para a subsistência familiar (ainda que de forma modesta), já que
superior aos limites do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993.”
Em que pese a existência de incapacidade laboral no momento da perícia, não restou
comprovado que a condição apurada representa impedimento de longo prazo (superior a dois
anos). Nesse sentido, observo que o laudo pericial (ID 49202732), relata que a autora é portadora
de epilepsia, concluindo o expert pela incapacidade total e temporária para o trabalho, sugerindo
afastamento por 120 dias.
Também não está comprovada a existência de miserabilidade.
De fato, o estudo social (ID 49202671), elaborado em 24.11.2017, revela que a parte autora
reside com seu pai, Irineu Fogaça de Almeida e dois irmãos, Aimee e Alberto em casa de
alvenaria cedida pelo dono da serraria, onde o pai da requerente é encarregado; casa antiga, com
dois quartos, sala, cozinha e banheiro em regular estado de conservação e limpeza; chão de
cimento tipo vermelhão, forro de madeira, terra de barro; mobiliário bastante usado; TV LCD de
32 polegadas, outra TV de tubo de 21 polegadas; aparelho de canal por assinatura; cozinha com
mesa, cadeira, geladeira antiga, microondas, também tudo já bastante usado. Possuem um
veículo Monza ano 1994 e uma motocicleta ano 2011.
O local onde se localiza a casa da requerente, é de difícil acesso, cerca de 25 km de estrada de
terra; não é servido por transporte público; o transporte utilizado é tão somente o escolar, por
aqueles que estudam na zona urbana, tendo em vista que no bairro não existe escola, ou posto
de saúde.
A renda da casa advém do salário do genitor da parte autora no valor de R$ 1600,00 e do salário
do irmão no valor de R$ 937,00, totalizando R$ 2.537,00.
Informaram despesas com alimentação R$ 1.600,00, taxi R$ 70,00 (uma viagem mensal para
compras ou ir na zona urbana). Consta ainda que não pagam tributos de água e luz; tudo é pago
pelo dono do local.
Depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de
dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não
estejam sendo supridas. Nesse sentido, nota-se a ausência de informação acerca de gastos
extraordinários com alimentação especial ou tratamento médico.
Consta ainda que o grupo conta com elemento jovem e apto ao trabalho.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de deficiência/impedimento de longo prazo e hipossuficiência
financeira ou miserabilidade, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a
manutenção da sentença de improcedência do pedido por seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do
CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de
advogado arbitrados na sentença em 2%, devendo ser observada, se for o caso, a suspensão da
exigibilidade prevista no § 3º do artigo 98 daquele Codex.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo
85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor
arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA/IMPEDIMENTO DE LONGO
PRAZO. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA
RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Conjunto probatório não comprova a existência de deficiência/impedimento de longo prazo.
Laudo médico pericial informa a existência de incapacidade laboral total e temporária fixando
prazo de afastamento.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
6. Apelação da parte autora não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à apelação da parte autora, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
