Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5054232-95.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
20/03/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 26/03/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA/IMPEDIMENTO DE LONGO
PRAZO. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Laudo médico pericial aponta existência de incapacidade laboral apenas para atividades de
esforço físico. Não demonstrada a existência de impedimento que enseja a concessão do
benefício assistencial.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade
condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
6. Apelação da parte autora não provida.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5054232-95.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: IRACEMA BOMBONATI DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: EDVALDO LUIZ FRANCISCO - SP99148-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
Advogado do(a) APELADO: CLAUDIO MONTENEGRO NUNES - SP156616-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5054232-95.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: IRACEMA BOMBONATI DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: EDVALDO LUIZ FRANCISCO - SP99148-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
Advogado do(a) APELADO: CLAUDIO MONTENEGRO NUNES - SP156616-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação
continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 10.06.2014, julgou improcedente o pedido inicial nos seguintes termos:
“Ante o exposto, e por mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos e
condeno a autora, sob condição suspensiva, ao pagamento das custas e despesas processuais,
corrigidas de cada desembolso, e honorários de advogado de 10% do valor atualizado atribuído à
causa (CPC, art. 85, §§ 1º, 3º, I, 4º, III, 6º). A condenação da sucumbência somente poderá ser
executada se a ré demonstrar, nos cinco anos subsequentes ao trânsito em julgado desta, a
inexistência da situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade à
autora, extinguindo-se, passado esse prazo, essa obrigação da beneficiária (CPC, artigo 98,
parágrafo 3º). Após as providências de praxe, arquivem-se os autos do processo. P.I.C”
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a
concessão do benefício assistencial.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo prosseguimento do feito.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5054232-95.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: IRACEMA BOMBONATI DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: EDVALDO LUIZ FRANCISCO - SP99148-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
Advogado do(a) APELADO: CLAUDIO MONTENEGRO NUNES - SP156616-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência
aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula
nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a
vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas
também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de
prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não
integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos, observa-se que a sentença de primeiro grau
julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no laudo médico pericial e no
estudo social, tendo se convencido não restar configurada a existência de
deficiência/impedimento de longo prazo e a condição de hipossuficiência financeira ou
miserabilidade necessárias para a concessão do benefício.
Confira-se:
“O relatório sócio-econômico de fls. 87/91, relata que o marido da autora é aposentado,
percebendo rendimento mensal da ordem de R$-1.280,00. Na casa reside, ainda, uma filha
maior, e apta ao trabalho, embora, no momento, desempregada, porém, é pensionista da
Previdência Social, percebendo, mensalmente, R$-937,00. A família percebe, ainda, a
importância de R$-683,00, como beneficiária do Programa Bolsa Família (fl. 90, item "6").
Residem, ainda, quatro netos, menores de idade. A autora integra núcleo familiar de renda
modesta, mas, que supera consideravelmente a renda mínima contemplada na legislação de
regência do benefício perseguido, pois, são detentores da quantia mensal de R$-2.900,00.
Conquanto a economia doméstica não seja de fartura, o fato é que não chega a ostentar o
predicado da miserabilidade, sendo adequada para assegurar à família uma vida digna e
suficiente para proteger de privações materiais que constituam obstáculo intransponível à
satisfação das necessidades básicas do ser humano. Anote-se, que a prestação do benefício
assistencial em tela está atrelada à situação de sensível carência de recursos, o que inviabiliza a
sua concessão ao pretexto exclusivo de dificuldades de ordem financeira, sob pena de desnaturar
o objetivo almejado pelo Constituinte, que é dar amparo ao deficiente e ao idoso, inseridos em
contextos de evidente privação, e banalizar a utilização do instituto, sobrecarregando o orçamento
da Seguridade Social. Não se mostra presente o estado de necessidade material relevante a
justificar a concessão do benefício de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Carta
Magna, tendo em vista que a autora não é a miserável que, abstratamente, a legislação buscou
tutelar. Ademais, o parágrafo 3º, do artigo 20, da Lei nº 8.742/93 exige que, para tanto, que a
renda "per capita" não supere 1/4 (um quarto) do valor do salário mínimo vigente. Também, não
pode ser considerada pessoa com deficiência, conforme dispõe o parágrafo 2º, do artigo 20,
LOAS. Com efeito, o vistor judicial concluiu no laudo médico pericial aportado em fls. 97/100, que
a autora está temporariamente incapacitada para o labor. ”
O laudo médico pericial (ID 6594126), elaborado em 01.12.2017, revela que a parte autora
apresenta incapacidade para atividades laborais no momento, sendo que esta incapacidade é
temporária. Acrescenta ainda que o início da incapacidade não pode ser definido e que o
Ultrassom que evidencia a patologia é de março de 2016.
O laudo social (ID 6594121), elaborado em 01.12.2017, revela que a autora vive com seu esposo,
João Benedito dos Santos, 58 anos, aposentado; sua filha, Renata Aparecida dos Santos, viúva,
40 anos, pensionista e seus quatro netos, sendo um adolescente e três menores de idade em
imóvel cedido, inacabado, de alvenaria em razoável estado de conservação e condições
satisfatórias de higiene e limpeza. A moradia é composta com três quartos, sala, cozinha,
banheiro. Localizada na zona rural, não possui forro e o chão é de cimento com mobílias simples
e em mal estado de conservação. Possuem 01 fogão, 02 Tv`s e 01 geladeira. Possuem um
veículo VW/GOL, ano 1985.
A renda familiar é proveniente da aposentadoria do Sr. João Benedito (R$ 1.280,00), da pensão
da Sra. Renata (R$ 937,00) e do Programa Bolsa Família (R$ 683,00) totalizando R$ 2.900,00.
Relataram despesas com: alimentação (R$ 500,00), medicamentos (R$ 260,00), gás (R$ 70,00),
e energia elétrica (R$ 130,00), empréstimos João (R$ 480,00), empréstimos Renata (R$ 200,00),
empréstimos de móveis (R$ 86,00) e combustível (R$ 200,00), perfazendo total de R$ 1.926,00.
Salienta-se que no estudo social consta que a autora possui mais dois filhos (Erick e Rodrigo), os
quais têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, artigo 229
CF.
Depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de eventuais
dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não
estejam sendo supridas e, nesse sentido, ressalto que o benefício assistencial não se destina a
complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo
estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de deficiente da autora e nem a existência de miserabilidade,
pressupostos indispensáveis para a concessão do benefício assistencial, de rigor a manutenção
da sentença de improcedência do pedido.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do
CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de
advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária
gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do
Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do
Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na
sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA/IMPEDIMENTO DE LONGO
PRAZO. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Laudo médico pericial aponta existência de incapacidade laboral apenas para atividades de
esforço físico. Não demonstrada a existência de impedimento que enseja a concessão do
benefício assistencial.
3. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
4. Benefício assistencial indevido.
5. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade
condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
6. Apelação da parte autora não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu , negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
