
| D.E. Publicado em 22/03/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0005364-45.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
Noticiado o óbito do autor ocorrido em 14.12.2013 (fls. 73), seus herdeiros foram habilitados às fls. 124.
A sentença prolatada em 25.03.2015 julgou o pedido procedente nos termos que seguem: "Diante do exposto JULGO PROCEDENTE a Ação de Amparo Assistencial ajuizada por LEONARDO JUNIOR DE SOUSA SILVA, menor representado pela genitora MARIA AUZENIR DE SOUSA LOPES, sucedido pelos herdeiros habilitados, FABIANO SOUSA SILVA e MARIA AUZENIR DE SOUSA LOPES em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL INSS, condenando o requerido a conceder aos requerentes, na qualidade de sucessores do falecido, o benefício de amparo assistencial, no valor de um salário mínimo, a partir do requerimento administrativo (19/12/2012 - fls. 53), até a data do óbito do autor LEONARDO JUNIOR DE SOUSA SILVA, ocorrido em 14/12/2013 (fls. 73). Em consequência, JULGO EXTINTO o processo, e o faço com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil. Os valores deverão ser corrigidos monetariamente e acrescidos de juros moratórios legais, a partir da citação, observando-se a Lei 11.960/09. Condeno o requerido, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios, estes fixados em R$ 788,00 (setecentos e oitenta e oito reais), com base no artigo 20, § 4º, CPC. P.R.I."
Apela o INSS requerendo a submissão da sentença ao reexame necessário. No mérito, pugna pela reforma do julgado ante a ausência de miserabilidade.
Com a apresentação de contrarrazões os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso, devendo ser reformada a sentença que concedeu o benefício em razão da impossibilidade de sucessão do direito personalíssimo. Subsidiariamente, pela não concessão e pela aplicação da litigância de má-fé.
É o relatório.
VOTO
Por primeiro, anoto que o benefício assistencial possui caráter personalíssimo, de modo que não pode ser transferido aos herdeiros em caso de óbito do beneficiário, e tampouco gera direto à pensão por morte aos dependentes, sendo que a morte do beneficiário estabelece o termo final do benefício.
Entretanto, observo que os valores a que fazia jus o titular, e que não foram recebidos em vida integraram seu patrimônio, e são transmissíveis aos seus herdeiros.
Neste sentido dispõe o parágrafo único do art. 23 do Decreto nº 6.214, de 26.09.2007:
"Art. 23. O Benefício de Prestação Continuada é intransferível, não gerando direito à pensão por morte aos herdeiros ou sucessores.
Parágrafo único. O valor do resíduo não recebido em vida pelo beneficiário será pago aos seus herdeiros ou sucessores, na forma da lei civil."
No caso concreto, embora o óbito da parte autora tenha ocorrido antes do trânsito em julgado da sentença de conhecimento, verifica-se que o feito já se encontrava instruído, possibilitando o reconhecimento do direito da autora, e desta forma, remanesce o interesse processual por parte dos herdeiros.
Quanto à admissibilidade da remessa necessária, considerando que a sentença foi proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, passo ao exame da admissibilidade da remessa necessária prevista no seu artigo 475.
Embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial do benefício (19.12.2012), seu valor aproximado, o termo final (14.12.2013) e a data da sentença (25.03.2015), que o valor total da condenação não alcança a importância de 60 (sessenta) salários mínimos estabelecida no § 2º.
Assim, é nítida a inadmissibilidade, na hipótese em tela, da remessa necessária.
Passo ao exame do mérito.
A questão vertida nos presentes autos diz respeito à exigência de comprovação dos requisitos legais para a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Conforme cópia da certidão de nascimento de fls. 17, tendo a parte autora nascido em 19 de janeiro de 2012, contava com 11 meses de vida no momento do pedido administrativo, e assim, o pleito baseia-se em suposta deficiência ou incapacidade do postulante.
E nesta seara, verifico que a condição de deficiente do autor é incontroversa ante a ausência de recurso da autarquia neste sentido.
Assim, restando atendido um dos critérios fixados no caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011 c/c o art. 34 da Lei nº 10.741/2003, necessário averiguar-se o preenchimento do requisito da miserabilidade, uma vez que a lei exige a concomitância de ambos para que o benefício assistencial possa ser concedido.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
Com relação ao cálculo da renda per capita, a Lei 10.741/03 assim preceitua:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. (Vide Decreto nº 6.214, de 2007)
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas."
Entretanto, a Suprema Corte, no RE 580.963/PR, sob regime de repercussão geral, declarou a inconstitucionalidade parcial, por omissão, sem pronúncia de nulidade da norma em comento, ante a inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em, relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo.
E nesse sentido, assim o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu em sede de julgamento de recurso repetitivo: "(...) 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93." RECURSO REPETITIVO (Tema: 640) REsp 1355052 / SP RECURSO ESPECIAL 2012/0247239-5 Relator(a) Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142)Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 25/02/2015, Data da Publicação/Fonte DJe 05/11/2015)
Indo mais além, a constitucionalidade do próprio § 3º, artigo 20 da Lei 8742/93, também foi questionada na ADI 1.232-1/DF, que, todavia, foi julgada improcedente.
Embora reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impede o exame de situações específicas do caso concreto, a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Ou seja, a verificação da renda per capita familiar seria uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única.
Neste sentido decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG:
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade e o entendimento firmado no julgamento da ADI 1.232-DF levou a Corte Suprema a enfrentar novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993. O julgado reconheceu a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
O reconhecimento da inconstitucionalidade parcial sem nulidade do § 3º, art. 20 da Lei 8742/93 indica que a norma só é inconstitucional naquilo em que não disciplinou, não tendo sido reconhecido a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência.
Cabe ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial, e suprimir a inconstitucionalidade apontada.
Dessa forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Tecidas tais considerações, no caso concreto o estudo social realizado em 10.09.2013 (fls. 64/65) revela que a parte autora residia com seus genitores, uma irmã e uma tia, em imóvel alugado, com características simples, guarnecido com móveis e utensílios de primeira necessidade, em perfeitas condições de higiene e organização.
Informaram que o marido da autora encontrava-se desempregado, o que prejudicava sensivelmente a situação da família.
Não há informação acerca dos valores das despesas da família. Consta que o autor recebe fraldas e complemento alimentar da rede pública de saúde, e cesta básica doada por entidade religiosa.
Em que pese a condição humilde da família, não há informação de que as necessidades básicas do autor não estivessem sendo supridas.
Ademais, embora tenha sido informado que o pai do autor estava desempregado no momento da perícia (10.09.2013), o extrato do sistema CNIS de fls. 150/152 demonstra que em 14.09.2009 iniciou novo vínculo de trabalho, tendo auferido R$ 3.098,51 em outubro de 2013.
Tem-se ainda que no momento do pedido administrativo efetuado em 19.12.2012, mantinha vínculo empregatício com salário de contribuição no valor de R$ 2.824,86.
Desta forma, considerando o conjunto probatório que se apresenta nestes autos, verifico que não restou preenchido o requisito de miserabilidade, imprescindível para a concessão do benefício assistencial, pelo que resta incabível a sua concessão.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Diante do exposto DOU PROVIMENTO à apelação do INSS para julgar improcedente o pedido inicial, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 15/03/2019 14:18:09 |
