Processo
ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO / SP
5369306-82.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
29/01/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 06/02/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98
do CPC/2015.
5. Apelação do INSS provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº5369306-82.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELAINE MIRANDA DE OLIVEIRA
Advogados do(a) APELADO: LUIZ CARLOS CICCONE - SP88550-N, GUSTAVO FAGALI
CICCONE - SP373549-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº5369306-82.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELAINE MIRANDA DE OLIVEIRA
Advogados do(a) APELADO: LUIZ CARLOS CICCONE - SP88550-N, GUSTAVO FAGALI
CICCONE - SP373549-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal.
A sentença, prolatada em 16.01.2019, julgou procedente o pedido nos termos que seguem: “Isto
posto e pelo mais que dos autos consta, julgo PROCEDENTE esta ação movida por Elaine
Miranda de Oliveira contra o Instituto Nacional do Seguro Social INSS e condeno o réu a pagar à
autora o benefício consistente no amparo assistencial desde a data do requerimento
administrativo, acrescido de juros de mora e correção monetária. Arcará o réu com o pagamento
das despesas processuais e honorários advocatícios que deverão ser definidos na liquidação do
julgado, nos termos do artigo 85, §4°. Inciso II, do CPC. Desta decisão recorro de ofício para o
Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, nos termos da Súmula 490 do STJ. P.I.”
Apela o INSS pugnado pela improcedência do pedido inicial, alegando para tanto que não restou
preenchido o requisito de miserabilidade. Aduz que a renda per capita familiar é superior ao limite
legal estabelecido. Subsidiariamente, pede a reforma da sentença no tocante aos juros e
correção monetária. Prequestiona, a expressa manifestação a respeito das normas legais e
constitucionais aventadas.
Com contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do recurso do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº5369306-82.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ELAINE MIRANDA DE OLIVEIRA
Advogados do(a) APELADO: LUIZ CARLOS CICCONE - SP88550-N, GUSTAVO FAGALI
CICCONE - SP373549-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo
se convencido restarem configuradas as condições de deficiência e miserabilidade necessárias
para a concessão do benefício.
Confira-se:
“Restou comprovado nos autos que a única fonte de renda que sustenta a família da autora é a
aposentadoria de seu genitor, no valor de R$ 1.908,00. Além disso, o núcleo familiar da autora é
composto por ela e seus genitores, pessoas idosas e portadoras de problemas de saúde, razão
pela qual os gastos que já se encontram demasiados, ainda são majorados. Se não bastasse não
há como obter ajuda nem de outros familiares, uma vez que estes residem em outra cidade. De
outra sorte, pelo exame pericial realizado, bem como pelos documentos juntados aos autos,
restou evidente que a autora é acometida de doença que a incapacita. Assim, da análise dos
autos dessume-se ter restado suficientemente comprovado que a autora não possui meios de
prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família, com o que, preenchidos os
requisitos legais, a procedência da ação é de rigor. Os demais argumentos deduzidos no
processo pelas partes não são capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada por este
julgador. ”
Por sua vez, o estudo social (ID 41063998), elaborado em 30.10.2017, revela que a autora vive
com seus pais (Sr. José Miranda e Sra. Maria Inês), ambos idosos. Consta ainda que residem em
imóvel próprio, de porte médio e características simples, que atende as necessidades básicas do
núcleo familiar.
No tocante à renda familiar informaram que: o genitor da autora recebe aposentadoria no valor de
dois salários mínimos.
Reportaram que tem gastos com pagamento de ajudante, o que compromete as demais
necessidades que são: Alimentação, energia, água, gás, IPTU e medicamentos, não informando
valores.
Salienta-se que conforme demonstram os extratos do sistema Plenus/DATAPrev (ID. 90263234),
o genitor da parte autora, Sr. José Miranda de Oliveira recebe benefício de aposentadoria por
invalidez (NB 1233326730), atualmente no valor de R$ 3.346,48.
Depreende-se do conjunto probatório que, apesar de não se negar a existência de eventuais
dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não
estejam sendo supridas.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da
impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o
requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, de acordo com o
§6º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência
judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98
do Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar
improcedente o pedido inicial, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98
do CPC/2015.
5. Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
