Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5002885-86.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
26/06/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 30/06/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98
do CPC/2015.
5. Apelação da parte autora não provida. Apelação do INSS provida.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002885-86.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
REPRESENTANTE: NADIELE CRISTINA FERREIRA CAETANO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, J. S. F. C.
Advogado do(a) APELANTE: ECLAIR SOCORRO NANTES VIEIRA - MS8332-A,
APELADO: J. S. F. C., INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REPRESENTANTE: NADIELE CRISTINA FERREIRA CAETANO
Advogado do(a) APELADO: ECLAIR SOCORRO NANTES VIEIRA - MS8332-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002885-86.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
REPRESENTANTE: NADIELE CRISTINA FERREIRA CAETANO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, J. S. F. C.
Advogado do(a) APELANTE: ECLAIR SOCORRO NANTES VIEIRA - MS8332-A,
APELADO: J. S. F. C., INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal.
A sentença, prolatada em 17.12.2018, julgou procedente o pedido inicial, nos seguintes termos:
“Ante o exposto, resolvo o mérito da lide, na forma do art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil,
e julgo procedente a pretensão formulada na inicial para condenar o Instituto Nacional de Seguro
Social INSS a conceder à parte autora JULIA SOFIA FERREIRA CAETANO, o benefício de
prestação continuada da assistência social à pessoa com deficiência previsto no art. 20 da lei
8.742/93, consistente em 01 (um) salário mínimo mensal a partir do requerimento administrativo,
ocorrido em 07/02/2014 – fl.42, com correção monetária pela TR, desde o momento em que as
parcelas deveriam ser pagas até o efetivo pagamento; e juros aplicáveis à caderneta de
poupança, a partir da citação válida. Pelo princípio da sucumbência, condeno a parte ré ao
pagamento das custas e despesas processuais, conforme disposto no art. 24, §§ 1º e 2º da Lei
n.º 3.779/2009 e enunciado sumular n.º 178 do Superior Tribunal de Justiça, bem como ao
pagamento dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento), percentual que
deverá incidir sobre as prestações vencidas até a presente data, ficando excluídas as vincendas,
nos termos do art. 85, §3º, inc. I, do Código de Processo Civil e da súmula n.º 111 daquela Corte
Superior de Justiça. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.”.
Apela a parte autora requerendo a reforma da sentença no tocante aos índices de juros e
correção monetária, bem como a concessão do pedido de tutela antecipada.
Apela o INSS pugnado pela improcedência do pedido inicial, alegando para tanto que não restou
preenchido o requisito de miserabilidade. Aduz que a renda per capita familiar é superior ao limite
legal estabelecido. Subsidiariamente, pede a reforma da sentença no tocante a data de início do
benefício e honorários advocatícios. Prequestiona, a expressa manifestação a respeito das
normas legais e constitucionais aventadas.
Com contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo improvimento da apelação da autora e pelo
provimento da apelação do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002885-86.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
REPRESENTANTE: NADIELE CRISTINA FERREIRA CAETANO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, J. S. F. C.
Advogado do(a) APELANTE: ECLAIR SOCORRO NANTES VIEIRA - MS8332-A,
APELADO: J. S. F. C., INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
REPRESENTANTE: NADIELE CRISTINA FERREIRA CAETANO
Advogado do(a) APELADO: ECLAIR SOCORRO NANTES VIEIRA - MS8332-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos de apelação.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo
se convencido restarem configuradas as condições de deficiência e miserabilidade necessárias
para a concessão do benefício.
Confira-se:
“A perícia médica realizada constatou, às fls. 108, que a autora é portadora de pe torto
equinovaro, hidrocefalia, malformação congênita não especificada da medula espinal e disnotia e
que existe incapacidade e que a autora é totalmente dependente de terceiros para atividades
diárias e para manter a própria saúde. Considero que a avaliação de incapacidade deve ser feita
tendo em vista as condições pessoais de cada segurado, no presente caso fica evidente que,
com as limitações constatadas, a requerente certamente não possui capacidade para
desempenhar funções laborativas. Concluir o contrário seria manter a requerente no extenso rol
de desempregados, grave problema social que assola nosso país. Comprovada a incapacidade
da requerente desde o nascimento, resta, agora, analisar a sua condição de hipossuficiência.
Quanto à condição de hipossuficiência da requerente, verifico que, de acordo com o estudo
socioeconômico, a requerente reside em casa cedida, com seus pais, sendo que sua mãe aufere
renda de R$ 1200,00 e seu pai é aposentado, com renda de R$ 1.173,00. Com gastos mensais
de 2000,00 mensais, com alimentação, água e luz, sendo que desse valor, R$ 400 reais são de
fraldas, R$ 200,00 de medicação e R$ 480,00 de fisioterapia, todos estes citados, destinados à
requerente. Dessa forma, considerando que a parte autora depende totalmente da ajuda de
terceiros para sobreviver e o rendimento da família é destinado para a sobrevivência da família e
a saúde da requerente, entendo que restou evidentemente comprovada a hipossuficiente.
Embora a renda mensal seja superior ao valor definido por lei, é entendimento superior que o
critério para analisar a hipossuficiência não é exclusivamente a regra do art. 20, § 3º, da Lei
8.742/93”
Por sua vez, o estudo social (ID 90501799 – pag. 124/139), elaborado em 13.08.2018, revela que
a autora vive com seus genitores (Sr. Edmar de Macedo Caetano e Sra. Nadiele Cristina
Ferreira), em imóvel cedido, pertencente à família da genitora, encontra-se localizado na periferia
da cidade, edificado em madeira, cobertura de amianto, forrada, dividida em sala, cozinha,
cozinha, banheiro interno, 03 quartos, guarnecido de móveis e utensílios domésticos como
geladeira duplex, fogão 06 bocas, armário em inox, 2 guarda-roupa, sofá, TV plasma 32”,
máquina de lavar roupas. Possui fossa séptica, sem muro ou cercado e sem pavimentação
asfáltica, sendo atendido com alguns serviços públicos.
No tocante à renda familiar informaram que: O Sr. Edmar recebe aposentadoria no valor de R$
1.173,00 e a Sra. Nadiele recebe R$ 1.200,00 mensais, como auxiliar, totalizando R$ 2.373,00.
Os gastos mensais referem-se: Fornecimento de água R$ 44,25; Luz R$ 209,16; Alimentação
cerca de R$ 700,00; Medicação R$ 200,00; Fralda R$ 400,00, além das sessões de fisioterapia
particular na Saúde & Cia por 03 vezes semanais, ao custo diário de R$ 40,00, uma vez que o
fornecimento de fisioterapia pela Prefeitura Municipal é de 02 vezes semanais, totalizando R$
2.033,39.
Depreende-se do conjunto probatório que, apesar de não se negar a existência de eventuais
dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não
estejam sendo supridas.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da
impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o
requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, de acordo com o
§6º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência
judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98
do Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO a apelação da parte autora e, DOU PROVIMENTO à
apelação do INSS reformando a sentença para julgar improcedente o pedido inicial, nos termos
da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98
do CPC/2015.
5. Apelação da parte autora não provida. Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO a apelação da parte autora e, DAR PROVIMENTO
à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
