Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5003241-18.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
24/08/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 27/08/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12
da Lei nº 1.060/50.
5. Apelação do INSS provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003241-18.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: SILVANA DA SILVA VALERIO
Advogado do(a) APELADO: VANDIR JOSE ANICETO DE LIMA - SP220713-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003241-18.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: SILVANA DA SILVA VALERIO
Advogado do(a) APELADO: VANDIR JOSE ANICETO DE LIMA - SP220713-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação
continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 04.10.2017, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício à parte autora conforme dispositivo
que ora transcrevo: “Posto isso, julgo procedentes os pedidos autorais, para conceder à
requerente o benefício de prestação continuada – LOAS, no valor equivalente a um salário
mínimo mensal, a ser pago pela parte requerida. O mérito foi resolvido nos termos do artigo 487,
I, do CPC. A data de início do benefício é a data do pedido do requerimento administrativo à
requerida: 12/05/2015 (fl. 29-30). Juros e correção monetária devem ser calculados segundo o
Manual de Cálculos da Justiça Federal. Condeno a requerida ao pagamento de custas, despesas
processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% sobre o valor da causa, nos termos do
art. 85, §2º do CPC. Esta decisão não está sujeita a reexame necessário porque o valor da causa
e das prestações em atraso são inferiores ao limite estabelecido por lei, nos termos do art. 496,
§3º, I, do CPC. Com o trânsito em julgado, intime-se o INSS para apresentar cálculos no prazo de
40 dias. Após, intime-se a parte autora para se manifestar em 5 dias e voltem conclusos. P.R.I.
Cumpra-se. Aquidauana, 04 de outubro de 2017.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, alega que não restou comprovada a
existência de miserabilidade. Subsidiariamente recorre em relação à correção monetária e juros.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
Decorreu o prazo sem manifestação do Ministério Público Federal (ID 124096554).
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003241-18.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: SILVANA DA SILVA VALERIO
Advogado do(a) APELADO: VANDIR JOSE ANICETO DE LIMA - SP220713-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
Passo ao exame do mérito.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não
integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo
se convencido restarem configuradas as condições necessárias para a concessão do benefício.
Confira-se:
“Quanto ao requisito da renda per capita, após analisar o Relatório Psicossocial (fls.67-73), resta
evidente nestes autos que a requerente não cumpre o requisito da renda per capita inferior a 1/4
do salário mínimo, pois sua unidade familiar é composta pela autora, senhora Silvana, pelo
cônjuge, senhor Jorge (55 anos, Pintor) e pela neta, Gleicimara (18 anos, desempregada) e que a
renda familiar decorre do trabalho autônomo do cônjuge, sendo de aproximadamente R$880,00.
A família não está incluída em programas de transferência de renda (Bolsa Família/Vale Renda) e
não recebe auxílio de terceiros. Impende destacar que, o Relatório Social dispôs que apesar da
residência ser guarnecida de televisão, fogão, geladeira e máquina de lavar, todos se apresentam
em péssimo estado de conservação. Salienta-se ainda, quanto aos valores relativos às despesas
domésticas, as mesmas referem-se ao fornecimento de energia elétrica (R$ 170,00), compra de
gêneros alimentícios (R$ 350,00), despesas com a medicação (R$200,00) e abastecimento de
água (R$ 100,00). Quanto aos aspectos da saúde, a requerente pontua que faz uso de
medicação diária e contínua de Renolapril 20mg e afirma que está novamente com uma lesão no
útero e por isso está fazendo uso de Belcfactrim 800mg. Nesse mister, quanto aos requisitos
econômicos para a obtenção do benefício, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista
Lazzari prescrevem que: “Os critérios para aferição do requisito econômico são polêmicos e
segundo orientação do STJ o magistrado não está sujeito a um sistema de tarifação legal de
provas, motivo pelo qual a delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida
como único meio de prova da condição de miserabilidade do requerente”. Denota-se que, o
magistrado não está sujeito a um sistema de tarifação legal de provas conforme o texto do 131 do
CPC: “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos
autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe
formaram o convencimento”, uma vez que em nosso ordenamento jurídico vigora o princípio do
livre convencimento motivado do juiz. Assim, a lei autoriza o juiz a apreciar livremente a prova
para assim formar o seu convencimento, onde poderá analisar o caso concreto, admitir outras
provas além da renda familiar per capita para provar a condição de miserabilidade do requerente.
Carlos Alberto Vieira de Gouveia, sobre o critério de ¼ do salário-mínimo por cabeça comenta
que “não deve prosperar, pois, se a concepção da lei foi conceder o benefício a quem dela
necessite, o que dever-se-ia observar seria o grau de miserabilidade e não o quanto grafado em
lei”. Nesse ressoar, depois da análise comprobatória dos autos, podemos notar que o estado de
miserabilidade da requerente exsurge cristalino dos autos, pelo que a concessão do benefício
pretendido é medida de imperiosa justiça. Quanto ao início do benefício, o mesmo deverá ter
como data, o dia 12/05/2015, data do requerimento administrativo da autora ao INSS. Portanto,
preenchido os requisitos para obtenção do Benefício de Prestação Continuada ao Idoso, bem
como a miserabilidade do requerente, a procedência dos pedidos é medida que se impõe.”
Por sua vez, o estudo social (ID 2904315 pág. 67/73), elaborado em 07.10.2016, revela que a
parte autora reside com seu esposo, Jorge, 55 anos, pintor e sua neta, Gleicimara, 18 anos,
desempregada em imóvel próprio, edificado em alvenaria, localizado em um bairro periférico
desta comarca. A residência apresenta bom estado de conservação, murada e parcialmente
calçada. Há piso e laje. Composto por 02 quartos, 01 sala e 01 cozinha, banheiro interno. Além
de uma área extensa, com muitas plantas. Nos fundos, observamos a existência de três
cômodos, onde reside a filha da autora, senhora Claudinéia e duas netas menores. A requerente
declarou que não possuí outros bens imóveis de sua propriedade ou mesmo veículos
automotivos. A residência é guarnecida de televisão, fogão, geladeira e máquina de lavar, em
péssimo estado de conservação.
A renda da casa advém da renda do esposo no valor de R$ 880,00.
Relataram despesas com: Alimentação R$ 350,00; Água R$ 100,00; Luz R$ 170,00;
Medicamentos R$ 200,00, totalizando R$ 820,00.
Nota-se que o grupo familiar tem integrante adulto, independente e apto ao trabalho.
Tem-se ainda que a autora possui três filhos (Railson, Aleilson e Claudinéia), com vida
independente, que em caso de urgência podem e devem socorrê-la.
Depreende-se da leitura do estudo social que não há indícios de que as necessidades básicas da
parte autora não estejam sendo supridas e, nesse sentido, ressalto que o benefício assistencial
não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se
encontram em efetivo estado de necessidade.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da
impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o
requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial, posto que não se
presta a complementação de renda.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do
Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se
aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja
exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à
hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS para reformar a sentença e julgar
improcedente o pedido inicial, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12
da Lei nº 1.060/50.
5. Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
