Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5142313-49.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
13/10/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 19/10/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12
da Lei nº 1.060/50.
5. Apelação do INSS provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5142313-49.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JANDIRA DE CASTRO SANTOS
Advogados do(a) APELADO: ANA BEATRIS MENDES SOUZA GALLI - SP266570-N, ANA
MARTA SILVA MENDES SOUZA - SP199301-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5142313-49.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JANDIRA DE CASTRO SANTOS
Advogados do(a) APELADO: ANA BEATRIS MENDES SOUZA GALLI - SP266570-N, ANA
MARTA SILVA MENDES SOUZA - SP199301-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação
continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 19.02.2019, corrigida nos Embargos de Declaração (ID 122411655),
julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à
concessão do benefício à parte autora conforme dispositivo que ora transcrevo: “Isto posto,
JULGO PROCEDENTE o pedido inicial, extinguindo o processo com resolução do mérito, com
fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para o fim de condenar a Autarquia ré a
implementar em favor da autora o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da
Constituição Federal, desde a data do requerimento administrativo. As parcelas vencidas
contarão com correção monetária pelos índices do IPCA-E, e juros moratórios aplicados à
caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 1º-F da Lei no 9.494/97, com a redação dada pela
Lei no 11.960/09, conforme decisão relativa ao Tema 810, do E. STF, repercussão geral no RE
870947, aos 20 de setembro de 2017. Em razão da sucumbência, condeno o réu ao pagamento
das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor
das prestações vencidas (cf. súmula n. 111, do C. Superior Tribunal de Justiça), nos termos do
artigo 85, §3º, inciso I, do Código de Processo Civil. A sentença não está sujeita ao reexame
necessário, consoante art. 496, §3º, inciso I, do Código de Processo Civil. Após o trânsito em
julgado, arquivem-se os autos. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS alegando que não restou comprovada a
existência de miserabilidade. Subsidiariamente, caso mantida a procedência do pedido, requer a
reforma da sentença no tocante aos critérios de juros e correção monetária. Requer ainda
isenção de custas e o não ressarcimento das despesas processuais.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento da apelação do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5142313-49.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JANDIRA DE CASTRO SANTOS
Advogados do(a) APELADO: ANA BEATRIS MENDES SOUZA GALLI - SP266570-N, ANA
MARTA SILVA MENDES SOUZA - SP199301-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
Passo ao exame do mérito.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não
integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo
se convencido restarem configuradas as condições necessárias para a concessão do benefício.
Confira-se:
“Na hipótese dos autos, os documentos pessoais de fls. 11 e 13/14 comprovam que a autora,
nascida em 29 de novembro de 1951, possui mais de 65 anos de idade. Por sua vez, o relatório
social de fls. 34/41 afirma que a renda per capita da família da autora (composta por ela, seu
marido, sua neta e seu bisneto) é de R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais). Ademais, constatou
que "autora está sobrevivendo com dificuldades”; que “seu marido se encontra com câncer de
próstata, necessitando de medicamentos e exames de urgência”; que “A mesma é diabética,
necessitando de remédios que não tem na rede pública, como o Galvus que a mesma compra no
valor de R$ 223,00 (duzentos e vinte três reais), apresentou no momento da visita o comprovante
de farmácia”; que “a autora não apresenta condições de desenvolver atividades laborativas”,
sendo tal comprovação bastante para se aferir a miserabilidade da família”
Por sua vez, o estudo social (ID 122411578), elaborado em 17.04.2018, revela que a parte autora
reside com seu marido, Vicente de Paula, aposentado; sua neta, Kelen Fátima, 26 anos,
desempregada e seu bisneto, Davy Miguel, menor, em imóvel próprio, de alvenaria, 05 cômodos
de alvenaria, sendo eles cobertos por telha comum e laje, os cômodos são rebocados e pintados,
o chão revestido com piso de cerâmica. O quintal possui uma varanda coberta por telha com piso
de cimento. A fachada do imóvel possui uma varanda com telha comum e o chão revestido com
piso de cimento. Na entrada, um portão de ferro e o terreno é cercado por muro. O imóvel é
simples e as condições de higiene e a organização são boas. Os móveis são: Sala: 01 conjunto
de sofá de 2 e 3 lugares, 01 mesa com 3 cadeiras. Quarto do Autora: 01 cama de casal, 01
armário de compensado. Quarto: 01 cama de casal, 01 armário de compensado, 01 cômoda de
compensado, 01 televisão de 20 polegadas de tubo de imagem. Banheiro: 01 vaso sanitário, 01
chuveiro e 01 pia. Cozinha: 01 fogão de 04 bocas, 01 geladeira, 01 armário de cozinha, 01 pia. O
bairro possui infraestrutura básica, água, energia elétrica, igreja, comércio, escola, asfalto.
A renda da casa advém da aposentadoria do marido da autora no valor de um salário mínimo (R$
1.440,00).
Relataram despesas com luz (R$ 77,25), água (R$ 59,86), gás (R$ 120,00), medicamento (R$
200,00), alimentação (R$ 800,00) e telefone (R$ 85,00), perfazendo R$ 1.342,11.
A perita social emitiu o seguinte parecer: “Concluindo a perícia social, tecnicamente podemos
afirmar que, a autora não apresenta condições de desenvolver atividades laborativas, conforme
declarou devido ao avanço da idade e alguns males da saúde. Diante do exposto, levo o caso à
apreciação judicial, considerando que: A autora não dispõe de recursos para suprir todas as
necessidades básicas diárias. Comprovada a situação de vulnerabilidade do autora. Isto posto
submete se um laudo pericial à consideração superior e coloco-me a disposição para quaisquer
esclarecimentos que se fizerem necessário.”
Em que pese a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há evidência de que as
necessidades básicas da autora não estejam sendo supridas. Nesse sentido, apura-se que a
família vive em imóvel próprio que oferece o abrigo necessário, e não havendo comprovação da
existência de despesas extraordinárias essências à manutenção da vida do autor, conclui-se, que
as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento,
como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993.
Tem-se ainda, que o grupo familiar encontra-se integrante maior de idade e apto para o trabalho.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da
impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o
requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial, posto que não se
presta a complementação de renda.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do
Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se
aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja
exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à
hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS para reformando a sentença julgar
improcedente o pedido inicial, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12
da Lei nº 1.060/50.
5. Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do INSS para reformando a sentença julgar
improcedente o pedido inicial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
