Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6238078-64.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
22/10/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/11/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12
da Lei nº 1.060/50.
5. Apelação da parte autora não provida. Apelação do INSS provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6238078-64.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ELEONICE BEZERRA DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: JOSE LUIZ AMBROSIO JUNIOR - SP232230-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ELEONICE BEZERRA DA
SILVA
Advogado do(a) APELADO: JOSE LUIZ AMBROSIO JUNIOR - SP232230-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6238078-64.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ELEONICE BEZERRA DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: JOSE LUIZ AMBROSIO JUNIOR - SP232230-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ELEONICE BEZERRA DA
SILVA
Advogado do(a) APELADO: JOSE LUIZ AMBROSIO JUNIOR - SP232230-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação
continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 14.11.2018, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício à parte autora conforme dispositivo
que ora transcrevo: “Ante o exposto e considerando tudo o mais que dos autos consta, JULGO
PROCEDENTE a presente ação, para determinar a implementação do benefício assistencial à
autora, e condenar a Autarquia ao pagamento do benefício no valor de um salário mínimo
mensal, a partir da juntada do laudo pericial. As parcelas vencidas devem ser corrigidas
monetariamente na forma do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na
Justiça Federal, e ainda de acordo com a Súmula nº 148 do E. STJ e nº 08 desta Corte,
observando-se o quanto decidido pelo C. STF quando do julgamento da questão de ordem nas
ADIs 4357 e 4425. Quanto aos juros moratórios, incidem a partir da citação, de uma única vez e
pelo mesmo percentual aplicado à caderneta de poupança (0,5%), consoante o preconizado pela
Lei 11.960/2009, em seu art. 5º. Em decorrência da sucumbência arcará a autarquia com os
honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da condenação, de acordo com os §§ 3º e 4º
do artigo 20, do CPC e nos termos da Súmula n. 111 do STJ. Isento de custas. Publique-se.
Intime-se. Cumpra-se.”
Apela a parte autora pleiteando a reforma da sentença no tocante ao termo inicial do benefício,
que entende ser devido desde o requerimento administrativo.
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo a reforma da sentença ao
fundamento que não restou comprovada a existência de miserabilidade da parte autora a amparar
a concessão do benefício.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo regular prosseguimento do feito.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6238078-64.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ELEONICE BEZERRA DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: JOSE LUIZ AMBROSIO JUNIOR - SP232230-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ELEONICE BEZERRA DA
SILVA
Advogado do(a) APELADO: JOSE LUIZ AMBROSIO JUNIOR - SP232230-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
Passo ao exame do mérito.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não
integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo
se convencido restarem configuradas as condições necessárias para a concessão do benefício.
Confira-se:
“A autora nasceu no dia 04 de novembro de 1950 (fls. 12), contando, portanto, 68 anos de idade,
ostentando, pois, a idade mínima para ser considerada idosa nos termos da lei. De outra banda, o
laudo social é conclusivo no sentido de que: “... A idade avançada, aliada à saúde fragilizada
torna o estado da autora mais debilitado, necessitando ser amparada pelo benefício da prestação
continuada" (fls. 66). O laudo social revela que a autora reside em um imóvel financiado
(COHAB), cuja prestação mensal é de R$383,00, com mais duas pessoas, seu esposo com 74
anos de idade e um filho, sendo o primeiro com a aposentadoria correspondente a um salário
mínimo e o filho com um salário de R$1.211,34; não possui automóvel e, quando necessita
realizar consulta ou exames médicos utiliza o transporte municipal; os móveis são antigos e em
mau estado de conservação e foram recebidos em doação; o marido e o filho da autora são os
responsáveis pelas despesas de taxa de água, energia elétrica, compra de gás de cozinha,
supermercado e IPTU, sendo que as despesas da casa ficam na casa dos R$1.638,74. Aliado a
essas despesas, a autora faz uso diário de medicamentos que são fornecidos pelo SUS. No que
diz respeito à eventual renda per capita superior ao limite para o benefício, a Constituição Federal
possui dispositivos que permitem uma flexibilização, diante das peculiaridades do caso.
Destacam-se os princípios da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, que no presente
caso permitem afastar o rigor legal e declarar a miserabilidade e necessidade da autora, dadas as
constatações realizadas no estudo social.”
Por sua vez, o estudo social (ID 110536708), elaborado em 28.07.2018, revela que a parte autora
reside com seu esposo, Homero da Silva, 74 anos e seu filho, Israel Bezerra da Silva, 25 anos em
imóvel financiado pela COHAB, de alvenaria, de alvenaria, com 06 seis cômodos, sendo três
quartos, sala, copa, cozinha e dois banheiros, bom estado de conservação. Alguns móveis são
antigos, estão em mau estado de conservação e foram recebidos como doação, outros estão
conservados adquiridos pelo esposo da Autora. O filho da Autora, Israel, possui um veículo Corsa
branco, ano 2000, financiado com prestações no valor de R$ 351,53.
A renda da casa advém da aposentadoria do marido da autora no valor de R$ 1.300,00 e do
salário do filho no valor de R$1.211,34, totalizando R$ 2.511,34.
Relataram despesas com prestação do imóvel R$ 383,00; Água R$ 28,06; Energia R$ 93,15;
Crediário Casas Bahia R$ 154,92; Imposto R$ 48,68 (oito parcelas); Gás R$ 60,00; Alimentação
R$ 850,00; Água em atraso R$ 52,40; Prestação do carro R$ 351,53 perfazendo R$ 2.021,74.
Medicamentos de uso diário da autora, fornecido pelo SUS.
A perita social emitiu o seguinte parecer: “Parecer Social: Frente ao exposto acima entendemos
que a avançada aliada a saúde fragilizada, torna o estado da Autora mais debilitado,
necessitando ser amparada pelo Benefício da Prestação Continuada.”
Em que pese o teor da conclusão do parecer social, da sua leitura depreende-se que o casal vive
em casa que lhe oferece o abrigo necessário, e conta com rendimento formal, o que, a princípio
afasta a existência de vulnerabilidade socioeconômica.
Consta ainda a filho da autora continua participando da vida dos pais, prestando auxílio com
pagamento das taxas de energia, água e imposto, e portanto, em caso de urgência pode e deve
acudi-la.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da
impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o
requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial, posto que não se
presta a complementação de renda.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do
Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se
aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja
exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à
hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, DOU PROVIMENTO ao
recurso do INSS para reformando a sentença julgar improcedente o pedido inicial, nos termos da
fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12
da Lei nº 1.060/50.
5. Apelação da parte autora não provida. Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à apelação da parte autora e, DAR PROVIMENTO
ao recurso do INSS para reformando a sentença julgar improcedente o pedido inicial, nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
