Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5003145-03.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
20/03/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 24/03/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98
do CPC/2015.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
6. Apelação do INSS provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003145-03.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: A. G.
Advogado do(a) APELADO: WILIMAR BENITES RODRIGUES - MS7642-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003145-03.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: A. G.
Advogado do(a) APELADO: WILIMAR BENITES RODRIGUES - MS7642-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal.
A sentença, prolatada em 08.08.2017, julgou procedente o pedido nos termos que seguem:
“Posto isso, julgo procedente o pedido formulado por Alex Goularte em face do Instituto Nacional
do Seguro Social - INSS, para condenar o requerido a implantar o benefício de amparo social à
pessoa portadora de deficiência ao autor, no valor de 01 (um) salário mínimo, nos termos do
artigo 20 da Lei nº 8742/ 93, com termo inicial na citação, efetuando-se a compensação das
parcelas pagas em razão da tutela concedida às f. 103-4. As parcelas vencidas deverão ser
quitadas de uma única vez, corrigidas desde as respectivas competências na forma da legislação
de regência, observando-se a Súmula 148 do STJ e Súmula 8 do TRF 3ª Região, bem como, o
Manual de Orientações para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267, de
02.12.2013, do Conselho da Justiça Federal. Em decorrência desta decisão, extingo o processo
com resolução de mérito, na forma do artigo 487, inciso I, do CPC. Condeno o demandado ao
pagamento de honorários advocatícios que fixo, na forma do artigo 85, §2º do Código de
Processo Civil, atento ao trabalho realizado, à natureza da causa e ao valor da ação, em 10%
(dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a publicação desta decisão, em
consonância com o disposto no Enunciado 111 da Súmula da Jurisprudência Predominante do
Superior Tribunal de Justiça. Custas pelo demandado, com base no art. 24, §1º e §2º, da Lei
Estadual n.º 3.779, de 11/ 11/ 2009. Sentença não sujeita a reexame necessário, já que em
consonância com a Súmula da jurisprudência Predominante do Superior Tribunal de Justiça,
conforme dispõe o art. 496, §4º, I, do Código de Processo Civil. Publique-se. Registre-se.
Intimem-se.” Concedida a tutela de evidência.
Apela o INSS pugnado pela improcedência do pedido inicial, alegando para tanto que não restou
preenchido os requisitos da deficiência e da miserabilidade. Aduz a não caracterização da
deficiência e que a renda per capita familiar é superior ao limite legal estabelecido.
Subsidiariamente, pede a reforma da sentença no tocante a data de implantação do benefício,
custas, juros e correção monetária.
Prequestionaa expressa manifestação a respeito das normas legais e constitucionais aventadas.
Com contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do recurso do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003145-03.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: A. G.
Advogado do(a) APELADO: WILIMAR BENITES RODRIGUES - MS7642-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos de apelação.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo
se convencido restarem configuradas as condições de deficiência e miserabilidade necessárias
para a concessão do benefício.
Confira-se:
“No caso em análise, o perito concluiu que o demandante, atualmente com 10 anos, apresenta o
seguinte quadro: Epilepsia - CI D: G.40 - e retardo mental - CI D: F.70 . Informou que a
prematuridade e provável hipóxia cerebral são as causas das enfermidades, afirmando que o
quadro é irreversível. Mencionou que possui crises convulsivas frequentes e atraso no
desenvolvimento neuropsicomotor. No tocante a alegada inaptidão, o perito judicial concluiu que
há incapacidade absoluta e de natureza permanente para qualquer atividade laborativa.
Mencionou que o impedimento é desde o nascimento. Quanto à condição socioeconômica,
consta no relatório social que o núcleo familiar é composto por 4 (quatro) pessoas (autor, pais e
um irmão), as quais sobrevivem com o auxílio dos programas de transferência de renda, no valor
de R$ 200,00 (duzentos reais) e de diárias esporádicas na área rural no valor de R$ 30,00 (trinta
reais), além de cesta básica ofertada pelo governo estadual. Deste modo, diante das conclusões
do laudo pericial e das informações existentes no relatório social, acolho o pedido formulado na
inicial, confirmando-se a tutela concedida às f. 103-4.”
O laudo médico pericial (id. 2748840 fls. 79/80), constata que o autor, menor, é portador de
epilepsia e retardo mental (CID 10/G40 e F70), apresenta crises convulsivas frequentes e atraso
em seu desenvolvimento neuropsicomotor. Concluiu o expert que o requerente apresenta
incapacidade total e permanente para o labor.
Por sua vez, o estudo social (id 2748840 fls. 95/101), elaborado em 31.15.2016, revela que o
autor vive com seus pais, a Sra. Mariuza Ortiz Brites, 24 anos, doméstica, CPF 043.843.801-94 e
o Sr. Donizete Goularte, 30 anos, CPF 038.404.711-41, e o irmão do requerente, Willian Goularte,
06 anos. Consta ainda que residem em ambiente típico da realidade em que está inserida (etnia
Guarani) contando com o mínimo necessário para sua sobrevivência. Ademais, o local conta com
energia elétrica (sem ônus mensal para a família) e água encanada, que é distribuída nas
intermediações da residência.
No tocante à renda familiar ficou constatado que o núcleo sobrevive com o que recebem do
programa de transferência de renda (bolsa família) no valor de R$ 200.00 reais mensais e com as
diárias que o sr. Donizete realiza na prestação de serviços gerais nas fazendas da região,
declarado valor aproximado de R$ 30.00 reais por dia trabalhado. Soma-se ainda como apoio
mensal para a sobrevivência alimentar do núcleo, a cesta básica ofertada pelo governo estadual e
distribuída na aldeia às famílias cadastradas. Não reportaram gastos.
Salienta-se que conforme demonstram os extratos do sistema CNIS (id. 90236171), o genitor da
parte autora, Sr. Donizete Goularte tem vínculo empregatício e recebeu no mês da realização do
estudo social remuneração de R$ 1.162,79, dados estes não informados. Consta também que a
Sra. Mariuza percebeu auxílio-maternidade no período de 28.03.2017 a 25.07.2017.
Depreende-se do conjunto probatório que, apesar de não se negar a existência de eventuais
dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não
estejam sendo supridas.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da
impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o
requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, de acordo com o
§6º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência
judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98
do Código de Processo Civil/2015.
Por fim, revogo a tutela antecipada. Esclareço, todavia, que tratando-se de benefício assistencial,
entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título, não se aplicando
ao caso o entendimento firmado pelo STJ no REsp nº 1401560/MT, referente apenas aos
benefícios previdenciários.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar
improcedente o pedido inicial, nostermos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98
do CPC/2015.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
6. Apelação do INSS provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
