Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5259509-74.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
01/06/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/06/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98
do CPC/2015.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
6. Apelação do INSS provida.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5259509-74.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA LUCIA DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: ANDRE LUIZ FERNANDES PINTO - SP237448-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5259509-74.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA LUCIA DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: ANDRE LUIZ FERNANDES PINTO - SP237448-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 05.11.2018, julgou procedente o pedido inicial, nos termos que
seguem: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para condenar o requerido a
conceder à autora o benefício assistencial, no valor de um salário mínimo, desde a data do
requerimento administrativo, bem como a lhe pagar os valores atrasados, os quais deverão ser
corrigidos monetariamente a partir dos respectivos vencimentos e acrescidos dos juros de mora a
partir da citação, nos moldes da fundamentação supra. Em consequência, JULGO EXTINTO o
processo com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo
Civil. O INSS é isento de custas. Condeno-o, contudo, ao pagamento de eventuais despesas e
honorários advocatícios da parte autora, fixados em 10% sobre o valor das prestações vencidas
até a presente data, devidamente corrigidos quando do efetivo pagamento, nos termos do artigo
85, § 3º, do Código de Processo Civil. Nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do CPC, deixo de
encaminhar os autos ao reexame necessário. Presentes os requisitos legais, eis que a
verossimilhança das alegações da parte autora ficou demonstrada pelo acolhimento de seu
pedido, enquanto o perigo de dano é inerente à situação, na medida em que se trata de direito
alimentar, vinculado à dignidade da pessoa humana, concedo a antecipação dos efeitos da tutela,
determinando a implantação do benefício no prazo de 30 dias. Expeça-se o necessário.
Transitado em julgado e não havendo outras diligências a cumprir, arquivem-se, observadas as
formalidades legais. P.I.C.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS requerendo preliminarmente o recebimento do
recurso com efeito suspensivo, com suspensão da tutela de urgência. No mérito, sustentaque não
restou preenchido o requisito da miserabilidade. Subsidiariamente, pede a reforma da sentença
no tocante a prescrição quinquenal, correção monetária e juros de mora.
Com contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do recurso do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5259509-74.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA LUCIA DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: ANDRE LUIZ FERNANDES PINTO - SP237448-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos de apelação.
Preliminarmente, em relação ao pedido de recebimento do recurso no efeito suspensivo, verifico
que a antecipação da tutela foi concedida na sentença, o que torna possível o recebimento da
apelação apenas no efeito devolutivo, nos termos do art. 1012, § 1º, inciso V do CPC/2015.
Nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil/2015, o juiz poderá antecipar os efeitos da
tutela pretendida no pedido inicial, desde que existam elementos que evidenciem a probabilidade
do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil ao processo.
No caso, conforme avaliação do Juízo a quo, restaram configurados os requisitos autorizadores
da concessão do benefício, pelo que mantenho seus efeitos.
Ressalte-se que a presente ação é de natureza alimentar o que por si só evidencia o risco de
dano irreparável tornando viável a antecipação dos efeitos da tutela.
Rejeito a preliminar arguida pelo INSS, e passo ao exame do mérito.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo
se convencido restarem configuradas as condições de deficiência e miserabilidade necessárias
para a concessão do benefício.
Confira-se:
“No caso em tela, inexistem dúvidas quanto ao implemento do requisito etário, pois, conforme
documentos de fls. 09, a autora completou 65 (sessenta e cinco) anos em 23/03/2015.
Demonstrado também o segundo requisito para a concessão do benefício pleiteado, qual seja,
não possuir a autora meios de prover a própria subsistência, nem de tê-la provida por seus
familiares. Com efeito, o estudo social revela que a autora reside com seu cônjuge, também
idoso, e um filho, em imóvel financiado pela CDHU, composto por seis cômodos pequenos,
guarnecido por mobília simples e básica, sendo que a única renda comprovada do núcleo familiar
é a decorrente da aposentadoria do seu marido, no valor de um salário mínimo (fls. 113), devendo
esta, portanto, ser excluída do cálculo da renda per capta. Assim, entendo que a situação fática
da autora e seu núcleo familiar delineada pelo estudo social e demais documentos colacionados
aos autos evidencia uma situação de miserabilidade, a ensejar a concessão do benefício
assistencial pleiteado.”
O estudo social (ID 33606422), elaborado em 20.07.2018, revela que a parte autora reside
atualmente com, seu esposo (João Nogueira da Silva) e seu filho (Izael José de Azevedo Junior).
O estudo social (ID 33606361), elaborado em 02.10.2017, revela que a família reside em casa
própria, financiada pela CDHU, de alvenaria, composta por 6 cômodos pequenos; uma cozinha,
uma sala, três quartos e um banheiro. A mobília é simples e básica. A residência possui telefone
fixo (linha econômica), o marido, Sr. João, possui um veículo Gol, ano 99.
Quanto à renda familiar, consta que o marido da parte autora recebe aposentadoria no valor de
um salário mínimo.
As despesas são referente a Alimentação R$ 600,00; Linha telefônica R$ 32,00 e Financiamento
da casa R$ 110,00. Constam gastos com o veículo, medicamentos e contribuição ao INSS. Não
informaram valores.
Embora não tenham sido elencados todosos valores referente aos gastos da família, nota-se que
o grupo vive em imóvel próprio que oferece abrigo e conforto, não havendo indícios de
miserabilidade.
Tem-se ainda que a autora possui quatro filhos ( Paulo, Ana, Izael, e Cristiano) com vida
independente, que em caso de urgência podem e devem socorrê-la.
Depreende-se da leitura do estudo social que não há indícios de que as necessidades básicas da
parte autora não estejam sendo supridas e, nesse sentido, ressalto que o benefício assistencial
não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se
encontram em efetivo estado de necessidade.
Acresça-se, por fim, que não há no conjunto probatório acostado aos autos elementos aptos de
ilidir as conclusões contidas no laudo pericial.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, de acordo com o
§6º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência
judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98
do Código de Processo Civil/2015.
Por fim, revogo a tutela antecipada. Esclareço, todavia, que tratando-se de benefício assistencial,
entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título, não se aplicando
ao caso o entendimento firmado pelo STJ no REsp nº 1401560/MT, referente apenas aos
benefícios previdenciários.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar
improcedente o pedido inicial, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98
do CPC/2015.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
6. Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
