Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5002015-51.2018.4.03.6127
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
16/06/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 19/06/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98
do CPC/2015.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
6. Apelação da parte autora não provida. Apelação do INSS provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002015-51.2018.4.03.6127
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARIA ESTER CARIATE, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
CURADOR: ANA LUCIA CARIATE TRAFANI
Advogados do(a) APELANTE: DAYSE CIACCO DE OLIVEIRA - SP126930-A, CAMILA DAMAS
GUIMARAES - SP255069-A,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA ESTER CARIATE
CURADOR: ANA LUCIA CARIATE TRAFANI
Advogados do(a) APELADO: DAYSE CIACCO DE OLIVEIRA - SP126930-A, CAMILA DAMAS
GUIMARAES - SP255069-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002015-51.2018.4.03.6127
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARIA ESTER CARIATE, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
CURADOR: ANA LUCIA CARIATE TRAFANI
Advogados do(a) APELANTE: DAYSE CIACCO DE OLIVEIRA - SP126930-A, CAMILA DAMAS
GUIMARAES - SP255069-A,
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal.
A sentença, prolatada em 10.10.2017, julgou procedente o pedido inicial a fim de condenar o
INSS a implantar e pagar ao autor o benefício assistencial de prestação continuada, a partir de
30.04.2015. Os valores em atraso deverão ser pagos após o trânsito em julgado, descontadas
eventuais quantias pagas. Atualização monetária a partir do vencimento e acrescidos de juros de
mora a partir da data da citação, de acordo com os critérios previstos no Manual de Cálculos da
Justiça Federal. Condenou o INSS a pagar honorários advocatícios no valor de 10% do valor da
condenação. Concedeu a tutela de urgência. Custas na forma da lei. Sentença não sujeita a
remessa necessária.
Apela a parte autora requerendo a reforma da sentença no tocante a data de implantação do
benefício, para que seja fixada na data da suspensão administrativa (01/04/2008).
Apela o INSS pugnado pela improcedência do pedido inicial, alegando para tanto que não restou
preenchido o requisito de miserabilidade. Aduz que a renda per capita familiar é superior ao limite
legal estabelecido. Subsidiariamente, pede a reforma da sentença no tocante aos honorários
advocatícios e correção monetária.
Com contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento do recurso do INSS e pelo
provimento da apelação da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5002015-51.2018.4.03.6127
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARIA ESTER CARIATE, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
CURADOR: ANA LUCIA CARIATE TRAFANI
Advogados do(a) APELANTE: DAYSE CIACCO DE OLIVEIRA - SP126930-A, CAMILA DAMAS
GUIMARAES - SP255069-A,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, MARIA ESTER CARIATE
CURADOR: ANA LUCIA CARIATE TRAFANI
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos de apelação.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo
se convencido restarem configuradas as condições de deficiência e miserabilidade necessárias
para a concessão do benefício.
Confira-se:
“No caso em exame, a deficiência a que alude o art. 20, § 2º da Lei 8.742/93 restou comprovada
pela perícia médica, que concluiu que a autora, portadora de hidrocefalia e retardo do
desenvolvimento neuropsicomotor desde a infância, apresenta incapacidade total e permanente
para o trabalho e para as atividades da vida diária. Quando à renda (art. 20, § 3º da Lei 8.742/93),
o estudo social demonstra que o grupo familiar é composto pela autora e seus pais, que são
idosos. A renda da família advém do benefício assistencial percebido pelo genitor. A curadora,
que é a irmã da autora, auxilia com R$ 50,00 mensais e um parente ajuda com doação de uma
cesta básica por mês. As despesas somam R$972,09 e incluem gastos com alimentação
(R$240,00), energia elétrica (R$ 126,26), medicamentos (R$ 146,00) e consulta médica particular
(R$ 200,00). Consta que a família reside em casa popular financiada bem conservada, com
acesso a água encanada, energia elétrica, rede de esgoto, coleta de lixo e pavimentação. É
equipada de móveis e utensílios suficientes, os quais se encontram em condições ruins de
conservação. Consignou a Assistente Social que a família é composta por dois idosos e uma
deficiente que vivem em situação precária com um salário mínimo mensal, havendo despesas
diversas, sendo que o rendimento mensal não vem suprindo as necessidades primordiais deles,
recebendo donativos de familiares e amigos. Conclui que a concessão do Amparo Assistencial a
autora Maria Ester irá proporcionar melhoria na qualidade de vida, garantindo os mínimos sociais
e sua sobrevivência com dignidade. Desse modo, reputo comprovada a situação de
miserabilidade hábil a ensejar a concessão do benefício vindicado.”
Por sua vez, o estudo social (ID 10319458 – pag. 77/89), elaborado em 25.06.2016, revela que a
autora vive com seus genitores (Sr. João Cariate e Sra. Olga Martins Cariate), em imóvel é
financiado pela CEF, por meio do programa Minha Casa Minha Vida. A construção é em alvenaria
e encontra-se em bom estado de conservação, possuindo 2 quartos, sala/cozinha (conjugados),
banheiro e área de serviço. A residência é abastecida por água encanada, energia elétrica, rede
de esgoto. Na área do imóvel há coleta de lixo e a rua é pavimentada. A casa é dotada com
infraestrutura, equipamentos e utensílios essenciais ao lar. Possuem linha telefônica.
No tocante à renda familiar informaram que: o genitor da autora recebe Benefício de Prestação
Continuada, no valor de R$ 880,00, porém como demonstra a cópia do extrato CNIS (ID
10319458 pag. 167), a Sra. Olga, também recebe Benefício de Prestação Continuada no valor de
R$ 954,00 desde 28/01/2015, omitido no laudo Social.
Os gastos mensais referem-se: alimentação (R$ 240,00), aluguel (R$ 36,20), água (R$ 83,63), luz
(R$ 126,26), gás (R$ 55,00), medicamentos (R$ 146,00), telefone (R$ 53,00), IPTU (R$ 32,00),
consulta com o neurologista (R$ 200,00), totalizando R$ 972,09.
Depreende-se do conjunto probatório que, apesar de não se negar a existência de eventuais
dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não
estejam sendo supridas.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da
impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o
requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, de acordo com o
§6º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência
judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98
do Código de Processo Civil/2015.
Por fim, revogo a tutela antecipada. Esclareço, todavia, que tratando-se de benefício assistencial,
entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título, não se aplicando
ao caso o entendimento firmado pelo STJ no REsp nº 1401560/MT, referente apenas aos
benefícios previdenciários.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO a apelação da parte autora e, DOU PROVIMENTO à
apelação do INSS reformando a sentença para julgar improcedente o pedido inicial, nos termos
da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98
do CPC/2015.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
6. Apelação da parte autora não provida. Apelação do INSS provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO a apelação da parte autora e, DAR PROVIMENTO
à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
