Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6212118-09.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
16/06/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 19/06/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98
do CPC/2015.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
6. Apelação do INSS provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6212118-09.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MEIRE REGINA OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: ELISANGELA PATRICIA NOGUEIRA DO COUTO - SP293036-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6212118-09.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MEIRE REGINA OLIVEIRA
Advogado do(a) APELADO: ELISANGELA PATRICIA NOGUEIRA DO COUTO - SP293036-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de
deficiência.
A sentença, prolatada em 28.06.2019, julgou parcialmente procedente o pedido inicial, nos termos
que seguem: “Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para condenar
o réu a implantar em favor da autora o benefício assistencial de prestação continuada, no valor
correspondente a um salário mínimo, pelo período de doze meses, desde a data da do
requerimento administrativo, reavaliando-se, ao término do referido lapso, a capacidade laboral e
a condição econômica da requerente. Como índice de correção monetária, deve ser aplicável, até
a entrada em vigor da Lei nº 11.960/09 (30 de junho de 2009), aquele previsto no Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da
Justiça Federal e, após, considerando a natureza não-tributária da condenação, o critério
estabelecido pelo C. Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 870.947/PE (Tema nº
810), realizado em 20 de setembro de 2017 (repercussão geral), qual seja, correção monetária
segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial – IPCA-e Repisando o pleito
antecipatório à luz do artigo 300, do Código de Processo Civil, a tutela de urgência será
concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de
dano. A probabilidade do direito encontra-se devidamente comprovada nos autos pelos
documentos que acompanham a inicial e o acima exposto. O perigo de dano decorre do caráter
alimentar do benefício, necessário à própria sobrevivência da autora. Ressalve-se, ainda, que o
benefício em questão tem natureza alimentar e, portanto, impostergável sua concessão. Diante
dos fundamentos acima elencados, CONCEDO a tutela antecipada de urgência, para que fique
determinado que a autarquia ré proceda a implantação do benefício de amparo assistencial em
favor da autora nos moldes já aduzidos, no prazo de trinta dias a partir da data de sua intimação,
sob pena de desobediência. Desse modo, expeça-se ofício, com urgência, a fim de que a
autarquia ré dê cumprimento a esta decisão. Sucumbente a ré, arcará com o pagamento de
honorários advocatícios, que arbitro em 10% sobre o valor da condenação, considerando-se a
soma das prestações vencidas até a data desta sentença (Súmula 111, do STJ). Deixo de
condenar em custas tendo em vista a isenção prevista no artigo 8, parágrafo único, da Lei
8.620/93. Nos termos do disposto no artigo 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil, Em
razão do disposto no artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil, esta sentença não está
sujeita a reexame necessário. Desde logo, ficam as partes advertidas de que a interposição de
embargos declaratórios que não apontem com precisão o ponto eventualmente obscuro (não
claro), contraditório (partes incoerentes dentro da própria sentença) ou omisso (pleito não
apreciado) da sentença, importará em condenação ao pagamento de multa processual pela
protelação indevida, nos termos do artigo 1026, §2º, CPC. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.”
Apela o INSS pugnado pela improcedência do pedido inicial, alegando para tanto que não restou
preenchido o requisito da miserabilidade. Prequestiona, a expressa manifestação a respeito das
normas legais e constitucionais aventadas.
Com contrarrazões da parte autora, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo provimento do recurso do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6212118-09.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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Advogado do(a) APELADO: ELISANGELA PATRICIA NOGUEIRA DO COUTO - SP293036-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos recursos de apelação.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo
se convencido restarem configuradas as condições de deficiência e miserabilidade necessárias
para a concessão do benefício.
Confira-se:
“No caso concreto, restou demonstrado pelo estudo social que o núcleo familiar da autora é
composto por duas pessoas e é financeiramente hipossuficiente, já que a renda familiar é de
R$1.300,00 e não é suficiente para suprir as necessidades da família. Consta no estudo social
que há condições precárias de moradia, além de barreiras e dificuldades graves para o acesso a
determinados produtos, bem como às relações interpessoais e principais áreas da vida.
Consigno, todavia, que nos termos do laudo médico realizado nos autos, o perito não afastou a
possibilidade de melhora no quadro da autora, considerando que “a depressão, além das
sequelas sensitivas são passíveis de controle/melhora/reversão e estimo o tempo de recuperação
em 12 meses, estando incapaz de modo pleno e temporário considerando esse período”. De
acordo com todo o exposto, restou comprovado que a autora faz jus ao benefício assistencial pelo
período de um ano, devendo haver futura avaliação da evolução da paciente, sendo devido desde
o protocolamento do requerimento administrativo, tendo em vista que desde aquela data se
encontrava incapacitada e em situação precária, e não gozou do benefício a que tinha direito.”
O estudo social (ID 108664966), elaborado em 14.02.2019, revela que a parte autora reside
atualmente com, seu esposo (Rodrigo de Souza Melo) e seu filha (Stefanny de Souza Melo).
O estudo social (ID 33606361), elaborado em 02.10.2017, revela que a família reside em 4
cômodos e 1 banheiro localizado em área urbana, cedido pela “ProGuaçu”, o estado de
conservação do imóvel é precário, há goteiras por toda casa, há laje e telha (sem telhado de
madeira), os móveis antigos, são os seguintes: Sala: 1 sofá de 3 lugares, 1 sofá de 2 lugares, 1
TV de aproximadamente 20 polegadas (modelo antigo de tubo), 1 rack, 1 rádio, 3 capacetes e 1
circulador de ar; Cozinha: 1 fogão de 4 bocas, 1 geladeira, 1 freezer, 1 talha, 1 armário, botijão de
gás. Obs.: a cozinha não tem laje; Quarto 1: 1 cama de solteiro, 1 guarda-roupa, 1 TV de
aproximadamente 14 polegadas (modelo antigo de tubo); Quarto 2: 1 cama de casal, 1 guarda-
roupa quebrado, 1 TV de aproximadamente 29 polegadas (modelo antigo de tubo) e 1 ventilador;
Banheiro: 1 chuveiro, 1 vaso sanitário e 1 pia; Área externa: 1 tanquinho e 1 tanque. O quintal não
é cimentado.
Quanto à renda familiar, consta no Estudo Social que o marido da parte autora recebe o valor de
R$ 1.300,00. Conforme extrato do sistema CNIS (ID 108665004), na data do Estudo Social
consta o salário de R$ 1.367,08.
As despesas são referente a Alimentação R$ 390,00; Energia Elétrica R$ 172,92; Água R$ 31,63,
Gás R$ 65,00; IPTU R$ 35,00; Recarga de Celular R$ 10,00; Roupas R$ 50,00 e Material Escolar
R$ 30,00 totalizando R$ 784,55.
Tem-se ainda que a autora possui outros dois filhos (Reinaldo, 21 anos e Regiane, 20 anos) com
vida independente, que em caso de urgência podem e devem socorrê-la.
Depreende-se da leitura do estudo social que não há indícios de que as necessidades básicas da
parte autora não estejam sendo supridas e, nesse sentido, ressalto que o benefício assistencial
não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se
encontram em efetivo estado de necessidade.
Acresça-se, por fim, que não há no conjunto probatório acostado aos autos elementos aptos de
ilidir as conclusões contidas no laudo pericial.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa atualizado, de acordo com o
§6º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência
judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98
do Código de Processo Civil/2015.
Por fim, revogo a tutela antecipada. Esclareço, todavia, que tratando-se de benefício assistencial,
entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título, não se aplicando
ao caso o entendimento firmado pelo STJ no REsp nº 1401560/MT, referente apenas aos
benefícios previdenciários.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar
improcedente o pedido inicial, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese do §3º do artigo 98
do CPC/2015.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
6. Apelação do INSS provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
