Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5005028-82.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
24/08/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 27/08/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social e provas trazidas
aos autos indica que a parte autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que
suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a
complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12
da Lei nº 1.060/50.
5. Tutela antecipada revogada.
6. Apelação do INSS provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5005028-82.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: AGENOR LEONEL DO AMARAL
Advogado do(a) APELADO: MARIA SANDRA TEIXEIRA DA COSTA - MS19491-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5005028-82.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: AGENOR LEONEL DO AMARAL
Advogado do(a) APELADO: MARIA SANDRA TEIXEIRA DA COSTA - MS19491-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação
continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 11.09.2017, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício à parte autora conforme dispositivo
que ora transcrevo: ““ISTO POSTO, JULGO PROCEDENTE o pedido e CONDENO o INSS –
Instituto Nacional de Seguridade Social a conceder o amparo social ao idoso autor da presente
ação, a contar do requerimento administrativo, no valor de 1 (um) salário mínimo mensal, com
correção monetária a partir da data em que devida cada parcela, nos termos da Lei n.º 6.899/81 e
do Provimento nº 26/01, da Corregedoria Geral da Justiça Federal da 3ª Região, bem como com
juros de mora desde a citação, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, nos termos do artigo
219 do Código de Processo Civil, até 11.01.2003, data da entrada em vigor do novo Código Civil
(Lei nº 10.406/02), sendo que a partir de 12.01.2003 serão computados à razão de 1% (um por
cento) ao mês, nos termos do artigo 406 do novo Código Civil, conjugado com o artigo 161 do
CTN. Condeno ainda a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da
autora em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas até o trânsito em julgado da presente.
Sem custas ante a isenção legal da ré (art. 8°. Lei n°. 8.620/93 e, no âmbito estadual, art. 7°, da
Lei n° 1.135/91, nova redação do parágrafo único), uma vez que a concessão de benefício
previdenciário é função precípua da autarquia. Confirmo, conforme fundamentação supra, a
antecipação dos efeitos da tutela de págs. 29/31, a qual determinou A IMEDIATA CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO DE AMPARO SOCIAL AO IDOSO NO VALOR DE 1 (UM) SALÁRIO MÍNIMO.
Oficie-se, para tanto, ao Posto de Seguro Social do INSS determinando a
implantação/manutenção do benefício em questão, no valor de 1 (um) salário mínimo mensal à
parte autora, devendo a autoridade comunicar ao juízo o cumprimento da ordem, no prazo
máximo de 15 (quinze) dias. Sentença não sujeita ao reexame necessário, ante a redação do art.
475, § 2.o., do Código de Processo Civil. P.R.I.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, alega que não restou comprovada a
existência de miserabilidade. Subsidiariamente pede a anulação da sentença para
complementação do Estudo Social. Prequestiona, a expressa manifestação a respeito das
normas legais e constitucionais aventadas.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo desprovimento da apelação do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5005028-82.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: AGENOR LEONEL DO AMARAL
Advogado do(a) APELADO: MARIA SANDRA TEIXEIRA DA COSTA - MS19491-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
Passo ao exame do mérito.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não
integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo
se convencido restarem configuradas as condições necessárias para a concessão do benefício.
Confira-se:
“No caso dos autos, a parte autora comprovou preencher o requisito de idade pelo documento de
fls. 15, o qual aponta que o autor possui mais de sessenta e cinco anos de idade, ostentando,
atualmente, sessenta e sete anos de idade completos, demonstrados de forma inequívoca pela
prova material citada. Em que pese a parte ré tenha se debruçado sobre os documentos
acostados à sua resposta bem como ao relatório social ao alegar que o autor não faz jus ao
benefício sobre o fundamento de que a renda per capita da família deste ultrapassa 1/4 do
salário-mínimo, concluo que tal versão não encontra respaldo nos autos. Segundo o réu a família
do autor aufere renda equivalente a R$1.977,32, o que afasta a alegada condição de
miserabilidade trazida na inicial, aliada, inclusive, a circunstância denunciada no relatório social
que aponta a moradia de dois netos com o autor e sua esposa, o que afasta, ainda mais, o direito
a percepção ao benefício pois influencia direta e negativamente na renda per capita. Porém, ao
compulsar os autos foi possível observar que o relatório social foi preciso ao esclarecer as
condições do grupo familiar do autor, de modo que, ficou claro o fato de que, embora a esposa do
autor ostente renda, esta equivale ao valor de um salário mínimo mensal (pág. 75), o qual,
obviamente, não é suficiente para arcar com todas as despesas da família em questão, sem
sacrificar outros bens de importância equivalente. Ademais, a benesse recebida pelo autor em
virtude de antecipação de tutela de urgência nestes autos, não entra no cálculo da renda familiar.
Por sua vez, observa-se que a existência de netos residindo com o autor e sua esposa não torna
plausível a possibilidade de que estes contribuem com a renda familiar – o que segundo o réu,
apenas, afastaria o direito à percepção do benefício -, pois esta mesma parte sequer juntou aos
dados comprovação de anotação junto à Previdência Social de que tais menores (15 anos),
exercem a condição de aprendizes. Nesse ponto, mais vez, desnecessária a complementação do
relatório social para averiguar a pretensa renda dos menores. Ultrapassado este ponto,
necessário levar em conta que a renda familiar do autor é insuficiente para suportar todas as
despesas necessárias com alimentação, vestimentas, energia, água, etc. É cediço que o próprio
relatório social sugeriu que a concessão/manutenção em favor do autor contribuirá para suprir as
necessidades básicas de tal família, a qual possui um padrão de vida simples, sem propriedades
ou luxos.”
O estudo social (ID 5057160 pág. 79/82), elaborado em 25.01.2017, revela que a parte autora
reside com seu esposa, Terezinha Maria do Amaral, e duas netas (Maiara e Maicon) em casa
própria, com rede de água, não possui rede de esgoto, a rua é asfaltada e não fica próximo de
hospitais e transporte público. Na residência há 01 geladeira, 01 fogão, 01 TV. Não possuem
veículos.
A renda da casa advém da esposa, Sra. Terezinha, no valor de um salário mínimo e de um
salário mínimo da parte autora (tutela antecipada). No entanto o extrato do sistema CNIS (ID 505
7160 pág. 129/134), demonstra que a Sra. Terezinha Maria do Amaral, a época do Estudo Social
auferiu renda de R$ 937,00 (aposentadoria por idade) e de R$ 1.201,35, como empregada na
empresa “Comercial de Alimentos JOEMA LTDA”, totalizando R$ 2.138,35.
No Estudo Social não foram relatados gastos mensais.
Depreende-se da leitura do estudo social e das provas trazidas nos autos que não há indícios de
que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas e, nesse sentido,
ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas
sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da
impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o
requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial, posto que não se
presta a complementação de renda.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do
Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se
aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja
exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à
hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Por fim, revogo a tutela antecipada.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS para reformando a sentença julgar
improcedente o pedido inicial e, consequentemente, revogo a tutela antecipada concedida na
sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social e provas trazidas
aos autos indica que a parte autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que
suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a
complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12
da Lei nº 1.060/50.
5. Tutela antecipada revogada.
6. Apelação do INSS provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do INSS para reformando a sentença julgar
improcedente o pedido inicial e, consequentemente, revogar a tutela antecipada concedida na
sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
