Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5001242-59.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
13/10/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 16/10/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12
da Lei nº 1.060/50.
6. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
5. Apelação do INSS provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001242-59.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: ABADIA AZEVEDO OSSUNA
Advogado do(a) APELADO: IVAN JOSE BORGES JUNIOR - SP257668-S
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001242-59.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: ABADIA AZEVEDO OSSUNA
Advogado do(a) APELADO: IVAN JOSE BORGES JUNIOR - MS13987-S
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação
continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 26.11.2018, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício à parte autora conforme dispositivo
que ora transcrevo: “Ante o exposto, tendo a parte autora preenchido os requisitos necessários
exigidos por lei, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial, para o fim de condenar o
Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, a pagar a autora Abadia de Azevedo Ossuna, o “
benefício assistencial” previsto no art. da lei 8.742/93, consistente em 01 (um) salário mínimo
mensal vigente à época do fato constitutivo do direito do autor devidamente atualizados pelo
INPC, desde o vencimento de cada parcela. Os juros moratórios devem ser computados a partir
da citação válida da parte requerida, de forma decrescente à taxa de 1% (um por cento), ao mês.
Por ser a parte autora beneficiária da justiça gratuita, deixo de condenar a autarquia-ré ao
reembolso referente às custas judiciais. Condeno o requerido ao pagamento de honorários
advocatícios, os quais serão fixados por ocasião da liquidação do julgado, nos termos do art. 85,
§§ 3º e 4º, II do NCPC. Declaro extinto o feito com resolução de mérito, com fundamento no artigo
487, I do Código de Processo Civil. Em atenção ao art. 496, §3º, inciso I, do Código de Processo
Civil, deixo de remeter os presentes autos a Instância Superior, eis que a presente sentença não
está sujeita ao reexame obrigatório. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo preliminarmente a suspensão da
antecipação da tutela. No mérito, alega que não restou comprovada a existência de
miserabilidade. Subsidiariamente, caso mantida a procedência do pedido, requer a reforma da
sentença no tocante a data de implantação do benefício e aos critérios de juros e correção
monetária. Prequestiona, a expressa manifestação a respeito das normas legais e constitucionais
aventadas.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo provimento da apelação do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001242-59.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELADO: ABADIA AZEVEDO OSSUNA
Advogado do(a) APELADO: IVAN JOSE BORGES JUNIOR - MS13987-S
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
A preliminar de suspensão da tutela se confunde com o mérito e com ele será apreciado.
Passo ao exame do mérito.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não
integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo
se convencido restarem configuradas as condições necessárias para a concessão do benefício.
Confira-se:
“Especificamente no caso dos autos, restou comprovada a condição de pessoa idosa da parte
autora, com idade mínima de 65 (sessenta e cinco) anos (fl. 12), bem como a sua absoluta
incapacidade de prover a própria mantença, conforme documentos de fls. 27/29 (Relatório
Social). De igual modo, logrou comprovar que vive em condições precárias, já que provou que
vive e habita núcleo familiar (02 pessoas), cuja a única fonte de renda é auferida por seu esposo
em decorrência de sua atividade laborativa, e que, de qualquer modo afigura-se insuficiente para
atender às necessidades básicas que um ser humano precisa para viver com dignidade, a
demonstrar, de fato, que se trata de pessoa pobre e carente na forma da lei, senão miserável,
apta, portanto, a obter o benefício ora pleiteado”
Por sua vez, o estudo social (ID 127948367 pág. 27/29), elaborado em 01.06.2016, revela que a
parte autora reside com seu marido, Sr. Leonardo Ferreira Ossuna, em casa cedida pelo
proprietário da Fazenda, onde o marido da autora trabalha, como operador de esteira. O casal
possui um imóvel próprio na área urbana, de alvenaria, contendo 2 quartos, sala, cozinha e
banheiro, varanda, a qual permanece fechada no período em que estão na fazenda. A moradia é
servida por infraestrutura e os móveis estão em precário estado de uso, porém suficientes para
atender as necessidades do casal.
A renda relatada no referido laudo advém do salário do marido da autora no valor de um salário
mínimo. No entanto o extrato do sistema CNIS (ID 127948367 pág. 74), revela que o Sr.
Leonardo, na data do estudo social, mantinha vínculo empregatício, na empresa “Anunciata
Correa Ferreira”, auferindo renda de R$ 1.155,52.
Relataram despesas com energia (R$ 30,00), água (R$ 40,00), remédio (R$ 200,00), alimentação
(R$ 400,00 à R$ 500,00) e transporte (R$ 180,00), perfazendo cerca de R$ 950,00. Relatam
ainda atraso no pagamento do IPTU. Recebem ajuda do patrão do esposo com alguns alimentos.
Em que pese a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há evidência de que as
necessidades básicas da autora não estejam sendo supridas. Nesse sentido, apura-se que a
família tem imóvel próprio que oferece o abrigo necessário, e não havendo comprovação da
existência de despesas extraordinárias essências à manutenção da vida do autor, conclui-se, que
as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento,
como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993.
Tem-se ainda que a autora possui filho com vida independente, que em caso de urgência podem
e devem socorrê-la.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da
impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o
requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial, posto que não se
presta a complementação de renda.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do
Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se
aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja
exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à
hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Por fim, revogo a tutela antecipada. Esclareço, todavia, que tratando-se de benefício assistencial,
entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título, não se aplicando
ao caso o entendimento firmado pelo STJ no REsp nº 1401560/MT, referente apenas aos
benefícios previdenciários.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS para reformando a sentença julgar
improcedente o pedido inicial e, consequentemente, revogo a tutela antecipada concedida na
sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12
da Lei nº 1.060/50.
6. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
5. Apelação do INSS provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do INSS para reformando a sentença julgar
improcedente o pedido inicial e, consequentemente, revogar a tutela antecipada concedida na
sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
