Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5275926-68.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
22/10/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 27/10/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12
da Lei nº 1.060/50.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
6. Apelação do INSS provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5275926-68.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FILOMENA BERNARDES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: PEDRO RAMOS FERREIRA - SP325645-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5275926-68.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FILOMENA BERNARDES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: PEDRO RAMOS FERREIRA - SP325645-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação
continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 29.11.2019, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício à parte autora conforme dispositivo
que ora transcrevo: “Em consequência, JULGO EXTINTO O FEITO com resolução do mérito,
com fulcro no artigo 269, inciso I do CPC. Sucumbente, a Autarquia/ré arcará com o pagamento
dos honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o total da condenação,
excluídas as parcelas vincendas, considerando-se as prestações vencidas as compreendidas
entre o termo inicial do benefício e a data da sentença (Súmula n.º 111 do STJ e art. 20, §§ 3º e
4º do CPC). Em razão do disposto nas Leis Estaduais n° 4.592/85 e n° 11.608/03, a ré está isenta
do pagamento de custas. Sem recurso necessário. P. R. I. C. Ante o exposto, julgo P R O C E D
E N TE a presente demanda, condenando o réu ao pagamento do benefício mensal vitalício no
valor de um salário mínimo a autora, a partir da data do requerimento administrativo,
descontando-se os pagamentos administrativos. Observada a prescrição quinquenal, os valores
atrasados deverão ser pagos de um a só vez, acrescidos de correção monetária pelo I P C A -e,
incidente a partir da data em que o pagamento deveria ter sido efetuado; e de juros de 1% ao
mês, devidos a partir da citação, observando-se, quanto aos juros, a Lei n.11.960/09 em relação
às parcelas vencidas após sua vigência. Condeno o réu, ainda, ao pagamento das custas e
despesas processuais e verba honorária, que fixo em 10% sobre o valor da condenação,
excluindo-se as parcelas vincendas e os valores pagos administrativamente (Súmula 111 do S
TJ). Tendo em vista o caráter alimentar, bem como o estado de saúde do auto, concedo tutela
antecipada concedida em sentença e determino que o réu implante o benefício ora concedido em
trinta dias Publique-se e cumpra-se”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS alega que não restou comprovada a
existência de miserabilidade. Prequestiona, a expressa manifestação a respeito das normas
legais e constitucionais aventadas.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo provimento da apelação do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5275926-68.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FILOMENA BERNARDES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: PEDRO RAMOS FERREIRA - SP325645-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
Passo ao exame do mérito.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não
integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo
se convencido restarem configuradas as condições necessárias para a concessão do benefício.
Confira-se:
“Com efeito, a autora preenche o requisito da etário. De outra parte, com o se verifica às fls.110,
no imóvel em que a autora reside "o acabamento está incompleto (piso, azulejo, laje), observa-se
que não há pintura, todo o imóvel possui infiltração", demonstrando assim condição inadequadas
de moradia. Também consta do laudo social que o núcleo familiar é beneficiário do bolsa família
que é consumido pelas despesas.”
Por sua vez, o estudo social (ID 135476163), elaborado em 20.08.2019, revela que a parte autora
reside com sua filha, Eliana Candido da Silva, 43 anos, Auxiliar de Serviços Gerais e seu neto,
João Vitor, 13 anos, em imóvel próprio, com 4 cômodos e 1 banheiro localizado em área urbana,
o acabamento está incompleto (piso, azulejo, laje), observa-se que não há pintura, todo o imóvel
possui infiltração, os móveis são antigos, porém a casa possui organização e higiene.
Enfatizamos que o imóvel possui os seguintes móveis: - Sala: 1 sofá de 3 lugares, 1 sofá de 2
lugares, 1 TV de aproximadamente 42 polegadas (modelo novo), 1 rack e 1 rádio pequeno. -
Cozinha: 1 fogão de 4 bocas, 1 geladeira, 1 pia e 1 armário. - Quarto 1: a cama de casal, 1 cama
de solteiro, 1 guarda-roupa e 1 cômoda. - Quarto 2: 1 cama de solteiro, 1 colchão de solteiro e 1
guarda-roupa. - Banheiro: 1 chuveiro, 1 vaso sanitário e 1 pia. - Área externa: 1 tanquinho e 1
tanque. Nos fundos há 2 cômodos, nele reside o filho José Candido da Silva, sua companheira
Carolayne Paulina de Oliveira e o filho José Rodolfo de Oliveira Candido da Silva. Nega possuir
outras fontes de renda, imóveis, telefone fixo e veículo automotor.
A renda da casa advém do salário da filha Eliana, em torno de R$ 1.500,00.
Relataram despesas com Água R$80,00; Energia elétrica R$102,00; Alimentação R$500,00; Gás
R$65,00 e medicação R$100,00, totalizando R$847,00.
Em que pese a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há evidência de que as
necessidades básicas da autora não estejam sendo supridas. Nesse sentido, apura-se que a
família vive em imóvel próprio que oferece o abrigo necessário, e não havendo comprovação da
existência de despesas extraordinárias essências à manutenção da vida do autor, conclui-se, que
as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento,
como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993
Tem-se ainda que a autor possui mais sete filhos (José, Sebastião, Rodrigo, Leandro, Cristiano,
Juliana e Leonardo), com vida independente, que em caso de urgência podem e devem socorrê-
la.
Não há indícios de que as necessidades básicas da requente não estejam sendo supridas, e
nesse sentido, anoto que a perícia média judicial realizada em 11.06.2015
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da
impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o
requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial, posto que não se
presta a complementação de renda.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do
Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se
aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja
exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à
hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Por fim, revogo a tutela antecipada. Esclareço, todavia, que tratando-se de benefício assistencial,
entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título, não se aplicando
ao caso o entendimento firmado pelo STJ no REsp nº 1401560/MT, referente apenas aos
benefícios previdenciários.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS para reformando a sentença julgar
improcedente o pedido inicial e, consequentemente, revogo a tutela antecipada concedida na
sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12
da Lei nº 1.060/50.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
6. Apelação do INSS provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do INSS para reformando a sentença julgar
improcedente o pedido inicial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
