Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5720916-16.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
30/11/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 04/12/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12
da Lei nº 1.060/50.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
6. Apelação do INSS provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5720916-16.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: TEODOMIRO RIBEIRO
Advogado do(a) APELADO: MAURICIO CESAR NASCIMENTO TOLEDO - SP329102-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5720916-16.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: TEODOMIRO RIBEIRO
Advogado do(a) APELADO: MAURICIO CESAR NASCIMENTO TOLEDO - SP329102-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação
continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 05.07.2018, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício à parte autora conforme dispositivo
que ora transcrevo: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido e faço isso para condenar
o INSS a conceder à parte autora o benefício assistencial de prestação continuada no importe de
01 (um) salário mínimo mensal devido desde a citação válida. Em consequência, evitando-se que
o INSS prejudique ainda mais o(a) segurado(a) com o manejo do recurso, e atento ao claro direito
do(a) suplicante, antecipo a tutela e determino, independentemente do efeito suspensivo de
eventual apelo, que seja implantado em favor do(a) autor(a) o benefício acima concedido. Oficie-
se ao INSS para cumprimento. As parcelas vencidas deverão ser acrescidas de juros de mora na
proporção de doze por cento ao ano; atualizadas, nos termos da Lei n° 6.899 de 08 de abril de
1981, pelos índices fornecidos pelo E. Tribunal Regional Federal da Terceira Região e pagas de
uma só vez após liquidada a condenação. Condeno a autarquia ré ainda ao pagamento de
honorários advocatícios fixados em 20% (vinte por cento) do valor da condenação, observando-
se, contudo, o disposto na Súmula 111 do E. Superior Tribunal de Justiça. O INSS deverá pagar
os honorários do Perito Judicial que arbitro em 01 (um) salário mínimo. Tópico-síntese: 1.
Processo n° (vide corpo da sentença) 2. Segurado: (vide corpo da sentença) 3. Benefício:
Prestação Continuada 4. DIB: Citação (02/03/2017) 5. RMI: 01 (um) Salário Mínimo Em sendo o
caso, arbitro os honorários do(s) advogado(s) nomeado(s) pela OAB em 100% do valor da tabela
do convênio, expedido-se a necessária certidão oportunamente. PRIC”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo preliminarmente a suspensão da
antecipação da tutela. No mérito, alega que não restou comprovada a existência de
miserabilidade. Subsidiariamente, caso mantida a procedência do pedido, requer a reforma da
sentença no tocante aos critérios de juros e correção monetária e a redução dos honorários
sucumbenciais.
Prequestiona, a expressa manifestação a respeito das normas legais e constitucionais aventadas.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo provimento da apelação do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5720916-16.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: TEODOMIRO RIBEIRO
Advogado do(a) APELADO: MAURICIO CESAR NASCIMENTO TOLEDO - SP329102-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
A preliminar de suspensão da tutela se confunde com o mérito e com ele será apreciado.
Passo ao exame do mérito.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não
integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo
se convencido restarem configuradas as condições necessárias para a concessão do benefício.
Confira-se:
“O autor é idoso e faz jus ao benefício, desde que cumprido o requisito relativo à renda familiar. É
incapaz de manter a própria subsistência a pessoa que viva em uma família cuja renda mensal
per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo (artigo 20, § 3º). O autor vive com a ex-
companheira, um filho e dois netos. A renda advinda da pensão alimentícia das crianças não é
computada. A ex-companheira aufere um salário mínimo ao mês, fazendo com que a renda seja
inferior ao limite legal. Dito isto, considero preenchidos os requisitos legais, daí porque a
procedência da ação se impõe.”
Por sua vez, o estudo social (ID 67691833), elaborado em 28.02.2018, revela que a parte autora
reside com sua ex-companheira, Sra. Milza, 78 anos, aposentada, seu filho, André Luís, 44 anos,
desempregado e seus dois netos; Henri, 21 anos, desempregado e Marina, 17 anos, em casa
cedida pela ex-companheira provisoriamente. A residência é de alvenaria, com forro, provida de
fornecimento de água e energia, com acomodações e móveis antigos, sendo uma cozinha, uma
copa, duas salas, um banheiro e três quarto. Os eletrodomésticos são: duas geladeiras, um
armário, um fogão, um tanque de lavar roupas, uma máquina de lavar roupas e três televisores.
Não possui telefone fixo, possui um veículo automotor: Saveiro GL 1.8, ano e modelo 1993.
A renda da casa advém da aposentadoria da ex-companheira no valor de R$ 954,00 e da pensão
alimentícia da Neta Marina no valor de R$ 700,00, totalizando R$ 1.654,00.
Relataram despesas com água R$ 132,75, gás R$ 130,00, medicamentos R$ 400,00,
alimentação R$ 750,00 e empréstimos R$ 200,00, perfazendo R$ 1.612,75. A conta de energia
elétrica é paga pelo filho Anderson, que possui um bar ao lado da residência e ajuda a família
com os cuidados diários.
Em que pese a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há evidência de que as
necessidades básicas do autor não estejam sendo supridas. Nesse sentido, apura-se que a
família vive em imóvel próprio que oferece o abrigo necessário, e não havendo comprovação da
existência de despesas extraordinárias essências à manutenção da vida do autor, conclui-se, que
as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento,
como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Consta que o autor possui quatro filhos (Anderson, Adriana, André e Márcia) com vida
independente, que em caso de urgência podem e devem socorrê-la.
Tem-se ainda, que o grupo familiar encontra-se integrantes maiores de idade e aptos para o
trabalho.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da
impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o
requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial, posto que não se
presta a complementação de renda.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do
Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se
aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja
exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à
hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Por fim, revogo a tutela antecipada. Esclareço, todavia, que tratando-se de benefício assistencial,
entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título, não se aplicando
ao caso o entendimento firmado pelo STJ no REsp nº 1401560/MT, referente apenas aos
benefícios previdenciários.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS para reformando a sentença julgar
improcedente o pedido inicial e, consequentemente, revogo a tutela antecipada concedida na
sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12
da Lei nº 1.060/50.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores. Inaplicabilidade do
decidido no REsp nº 1401560/MT aos benefícios assistenciais.
6. Apelação do INSS provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a ilustre representante do
Ministério Público Federal retificou o parecer proferido para requerer tão somente seja dado
seguimento ao feito, sem se considerar como contrária a posição ministerial.
A Sétima Turma, por unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do INSS para
reformando a sentença julgar improcedente o pedido inicial e, consequentemente, revogar a
tutela antecipada concedida na sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
