
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5253542-14.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ODILA POLETTI CARNIERI
Advogado do(a) APELADO: POLLYANA BALDAN SANCHES - SP368495-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5253542-14.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ODILA POLETTI CARNIERI
Advogado do(a) APELADO: POLLYANA BALDAN SANCHES - SP368495-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 06.12.2019, julgou procedente o pedido inicial e condenou o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS à concessão do benefício à parte autora conforme dispositivo que ora transcrevo: “Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE, o pedido formulado por ODILA POLETTI CARNIERI contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIALINSS para conceder o Benefício Assistencial LOAS, a partir da data do indeferimento administrativo (28 de setembro de 2018- fl. 58). As prestações em atraso serão pagas de uma só vez e, quanto à correção monetária e juros moratórios, observar-se-á a decisão proferida em sede de Repercussão Geral pelo Plenário do P. STF no julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947- SE, Tema 810, aos 20/09/2017, ou seja, atualização monetária segundo o IPCA-E e juros de mora na forma do art. 1ºF da Lei Federal nº 9.494/97, com a redação conferida pela Lei Federal nº 11.960/2009. Condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios devidos ao patrono da autora em razão da sucumbência, fixados em 10% (dez por cento), calculados sobre o valor das parcelas vencidas até a presente data, consoante Súmula 111 do STJ. A Autarquia Previdenciária é isenta do pagamento de custas processuais, nos termos do art. 4º, I, da Lei Federal nº. 9.289/96 e do art. 6º da Lei nº. 11.608/2003, do Estado de São Paulo. Tal isenção não abrange as despesas processuais que houver efetuado, bem como aquelas devidas a título de reembolso à parte contrária, por força da sucumbência. Sentença publicada nesta data, com a liberação nos autos digitais. Dispensa-se o registro, na forma do artigo 72, § 6º das Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral de Justiça. Oportunamente, arquivem-se. Intimem-se”
Apela o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS requerendo preliminarmente a suspensão da antecipação da tutela. No mérito, alega que não restou comprovada a existência de miserabilidade. Prequestiona, a expressa manifestação a respeito das normas legais e constitucionais aventadas.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo provimento da apelação do INSS.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5253542-14.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ODILA POLETTI CARNIERI
Advogado do(a) APELADO: POLLYANA BALDAN SANCHES - SP368495-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
A preliminar de suspensão da tutela se confunde com o mérito e com ele será apreciado.
Passo ao exame do mérito.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, produzido pelo perito do Juízo, tendo se convencido restarem configuradas as condições necessárias para a concessão do benefício. Confira-se:
“Em relação ao requisito etário, é evidente o cumprimento, em razão de a parte autora contar atualmente com 67 anos (fl. 15). No que concerne ao segundo requisito constitucionalmente exigido para a percepção do benefício, observo que a prova amealhada atestou a miserabilidade do núcleo familiar em que inserido a demandante. Com efeito, o estudo social realizado (fls. 87/92) atestou que a autora vive com o cônjuge e dois filhos, sendo que, embora a renda per capita supere ¼ do salário mínimo vigente, o faturamento é insuficiente para as despesas totais. O C. Superior Tribunal de Justiça, ao analisar caso semelhante, proferiu a seguinte decisão: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO REPETITIVO. ART. 543-C DO CPC/73. I - Na origem, cuida-se de ação ajuizada em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada à pessoa com deficiência. II - A Terceira Seção do STJ, no julgamento do REsp n. 1.112.557/MG, sob o regime de recursos repetitivos, firmou o entendimento de que o critério objetivo de renda per capita mensal inferior a 1/4 do salário mínimo - previsto no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 - não é o único parâmetro para aferir hipossuficiência, podendo tal condição ser constatada por outros meios de prova. III - No caso dos autos, o Tribunal de origem indeferiu o benefício assistencial utilizando como fundamento exclusivamente o critério objetivo de renda per capita mensal previsto no art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93, em desconformidade com o entendimento jurisprudencial desta Corte de Justiça. Por outro lado, colhe-se da sentença que, com base no critério objetivo de renda e no contexto fático da situação familiar na qual vive a parte autora, ficou reconhecida a condição de miserabilidade. IV - Agravo em recurso especial conhecido para dar provimento ao recurso especial a fim de restabelecer a sentença. (AREsp 1336506/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/02/2019, DJe 14/02/2019) (grifei). Dessa forma, apesar de superado o requisito salarial objetivo, foi constatado pela expert a situação de miserabilidade da parte autora, tendo em vista que a renda familiar não é suficiente para a manutenção das necessidades básicas da demandante. ”
Por sua vez, o estudo social (ID 132404704), elaborado em 23.09.2019, revela que a parte autora reside com seu marido, Sr. João Antonio Carnieri, 67anos e seus dois filhos, Tibério Carnieri, 36 anos e Giovani Carnieri, 33 anos, em imóvel próprio, humilde, com três quartos, sala, cozinha e banheiro, área de frente e fundos, toda murada, piso no chão e forrada. A casa está guarnecida com móveis e utensílios em razoável estado de conservação, contando com 2 televisores, refrigerador, fogão, máquina de lavar roupas e micro-ondas entre outros itens. O bairro é servido de rede de água e esgoto e a rua é pavimentada.
A renda da casa advém do marido da autora que recebe R$ 998,00 a título de aposentadoria, como também presta serviço ao Município de Urupes tendo recebido R$1.888,00 em 09/2019 (ID 132404722); do filho Tibério que auferiu salário de R$1.475,50 em 09/2019 (ID 132404721) e do filho Giovani que auferia renda de R$1.113,46 em 09/2019, data do Estudo Social (ID 132404720), perfazendo R$ 5.474,96.
Relataram despesas com energia (R$ 130,00), gás (R$72,00), medicamentos (R$ 200,00), água (R$ 48,00), telefone (R$ 100,00) e alimentação (R$ 1.200,00), totalizando R$ 1.750,00.
A perita social emitiu o seguinte parecer: “Diante do exposto, verificamos que a renda da família é superior a ¼ do salário mínimo permitido pela lei orgânica da Assistência Social- LOAS, porém, não suficiente para suprir todas às necessidades básicas desta família simples e humilde”
Em que pese a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há evidência de que as necessidades básicas do autor não estejam sendo supridas. Nesse sentido, apura-se que a família vive em imóvel próprio que oferece o abrigo necessário, e não havendo comprovação da existência de despesas extraordinárias essências à manutenção da vida do autor, conclui-se, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial, posto que não se presta a complementação de renda.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §4º do artigo 20 do Código de Processo Civil/1973, considerando que o recurso foi interposto na sua vigência, não se aplicando as normas dos §§1º a 11º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Por fim, revogo a tutela antecipada. Tratando-se de benefício assistencial, entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS para reformando a sentença julgar improcedente o pedido inicial e, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. TUTELA REVOGADA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
5. Tutela antecipada revogada. Desnecessária a devolução dos valores.
6. Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a ilustre representante do Ministério Público Federal retificou o parecer proferido para requerer tão somente seja dado seguimento ao feito, sem se considerar como contrária a posição ministerial. A Sétima Turma, por unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
