Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5001211-78.2016.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
18/11/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 25/11/2019
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade
condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001211-78.2016.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: JOSE CARLITO DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: JORGE NIZETE DOS SANTOS - MS13804-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001211-78.2016.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: JOSE CARLITO DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: JORGE NIZETE DOS SANTOS - MS13804-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação
continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal
A sentença, prolatada em 22.09.2015, julgou improcedente o pedido inicial por não restar
comprovada a condição de miserabilidade exigida pela LOAS, deixando de condenar a parte
autora ao pagamento de custas e de honorários de advogado ao INSS, ante o deferimento do
benefício de assistência judiciária gratuita.
Apela a parte autora requerendo a reforma da sentença ao fundamento que éidoso, bem como
ostenta condição de miserabilidade, preenchendo os requisitos para a concessão do benefício.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo provimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5001211-78.2016.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: JOSE CARLITO DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: JORGE NIZETE DOS SANTOS - MS13804-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
A questão vertida nos presentes autos diz respeito à exigência de comprovação dos requisitos
legais para a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Da análise dos autos, verifica-se que a parte autora nasceu em 27.05.1937, e, portanto, contava
com 77 anos de idade no momento do ajuizamento da ação, compreendida, portanto, no conceito
legal de idosa para fins de concessão do benefício assistencial.
Assim, restando atendido um dos critérios fixados no caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a
redação dada pela Lei nº 12.470/2011 c/c o art. 34 da Lei nº 10.741/2003, necessário averiguar-
se o preenchimento do requisito da miserabilidade, uma vez que a lei exige a concomitância de
ambos para que o benefício assistencial possa ser concedido.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
Com relação ao cálculo da renda per capita, a Lei 10.741/03 assim preceitua:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover
sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1
(um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. (Vide Decreto nº
6.214, de 2007)
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não
será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas."
Entretanto, a Suprema Corte, no RE 580.963/PR, sob regime de repercussão geral, declarou a
inconstitucionalidade parcial, por omissão, sem pronúncia de nulidade da norma em comento,
ante a inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em,
relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos
idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo.
E nesse sentido, assim o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu em sede de julgamento de
recurso repetitivo: "(...) 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido
a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34
do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por
pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um
salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da
Lei n. 8.742/93." RECURSO REPETITIVO (Tema: 640) REsp 1355052 / SP RECURSO
ESPECIAL 2012/0247239-5 Relator(a) Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142)Órgão Julgador
S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 25/02/2015, Data da Publicação/Fonte DJe
05/11/2015)
Indo mais além, a constitucionalidade do próprio § 3º, artigo 20 da Lei 8742/93, também foi
questionada na ADI 1.232-1/DF, que, todavia, foi julgada improcedente.
Embora reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, a jurisprudência
evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir
pobreza de forma absoluta, mas não impede o exame de situações específicas do caso concreto,
a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Ou seja, a verificação
da renda per capita familiar seria uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única.
Neste sentido decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade
dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o
acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana,
especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse
dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e
economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art.
131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do
valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de
miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a
determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(STJ, Terceira Seção, REsp 1112557/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/2009,
DJe 20/11/2009)
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade e o entendimento firmado no julgamento da ADI 1.232-DF levou a Corte Suprema
a enfrentar novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em
18/04/2013, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art.
20 da Lei 8.742/1993. O julgado reconheceu a ocorrência do processo de inconstitucionalização
decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas
modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de
outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
O reconhecimento da inconstitucionalidade parcial sem nulidade do § 3º, art. 20 da Lei 8742/93
indica que a norma só é inconstitucional naquilo em que não disciplinou, não tendo sido
reconhecido a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência.
Cabe ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial, e
suprimir a inconstitucionalidade apontada.
Dessa forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente
aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício
assistencial.
Tecidas tais considerações, no caso concreto o estudo social elaborado em 24.03.2015 (ID
102902) revela que a parte autora vive com sua esposa e um cunhadoem imóvel próprio nas
seguintes condições: “O grupo familiar é composto pelo requerente, sua esposa, 74 anos, e o
cunhado, Sr. Basílio, 70 anos, que tem problemas de saúde. Acomodados em casa própria,
edificada em alvenaria, piso em cerâmica, cobertura em telha fibro cimento, abastecida de água e
luz, protegida por muros, localizada em rua com pavimentação asfáltica. Guarnecida de móveis e
eletrodomésticos usados. No momento da nossa visita, o ambiente apresentava-se com boa
higiene e organização doméstica, conforto básico.”. Não possuem automóvel, e contam com 01
TV 14 polegadas, 01 fogão 06 bocas, 01 geladeira duplex e 01 freezer.
A renda da casa é de dois salários mínimos (R$ 1.576,00).
Não foram elencados os valores referentes às despesas do autor ou da família.
A perita social ponderou ainda que: “Considerações: A partir dos esclarecimentos sobre a
requerente, bem como por meio das observações de sua condição concreta de vida, pudemos
identificar que o periciado encontra-se alijado em seus direitos, cujo ambiente social não lhe
permitira desenvolver outras habilidades, bem como portar indicativos de desvantagem pessoal,
em face de seu potencial produtivo, influenciados sobremaneira pela idade avançada e saúde
fragilizado.”
Em que pesem as considerações da perita social, do conjunto probatório não se vislumbra a
existência de miserabilidade, não havendo evidências de que as necessidades básicas da parte
autora não estejam sendo supridas.
Anote-se que o autor vive em casa própria que lhe oferece abrigo e conforto, e a família
apresenta rendimento formal, o que a princípio, afasta a existência de vulnerabilidade econômica.
Observe-se ainda que o autor possui oito filhos, que em caso de emergência devem socorrê-lo.
Por certo que nos termos do § 1o do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social, para os
efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os
pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e
enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada
pela Lei nº 12.435, de 2011).
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados não integrarem o núcleo familiar para fins de
aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista
que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso
ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a
regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os
pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697
da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado
de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Nesse sentido, aliás, a decisão proferida pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados
Especiais Federais (TNU), datada de 23 de fevereiro de 2017, em sede de pedido de
uniformização de jurisprudência formulado pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS nos
autos do processo nº 0517397-48.2012.4.05.8300, que firmou posicionamento no sentido que "o
benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os
devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção".
Enfatizo, o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas
sim prover àqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Desta forma, diante do conjunto probatório que se apresenta nos autos, verifico que não restou
caracterizada a condição de miserabilidade necessária para concessão do benefício assistencial,
que resta indevido.
Diante do exposto NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora, nos termos da
fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade
condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
