Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5566830-87.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
11/03/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 18/03/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade
condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5566830-87.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: NEUSA SOUZA DE JESUS
Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO DE LIRIO ESPINACO - SP205914-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5566830-87.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: NEUSA SOUZA DE JESUS
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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal.
A sentença, prolatada em 23.11.2018, julgou improcedente o pedido ante o não preenchimento
por parte da autora do requisito de miserabilidade imprescindível para a concessão do benefício.
Sem condenação aos encargos de sucumbência ante a concessão do benefício da assistência
judiciária gratuita.
Apela a parte autora alegando para tanto que restou preenchido o requisito de miserabilidade,
não tendo condições de prover a sua própria subsistência ou tê-la provida pela sua família.
Subsidiariamente requer a condenação de honorários advocatícios em 15% sobre o valor
apurado em cálculo de liquidação.
Sem contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5566830-87.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: NEUSA SOUZA DE JESUS
Advogado do(a) APELANTE: MAURICIO DE LIRIO ESPINACO - SP205914-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar
configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a
concessão do benefício. Confira-se:
“De acordo com o documento acostado às fls. 09, a autora nasceu em 22/02/1954, e assim,
contava com mais de 60 anos no ajuizamento da ação, não obstante não se encontrar
incapacitada para o trabalho (fls. 56). Considera-se, portanto, preenchido o primeiro requisito
exigido para a concessão do benefício. Por sua vez, o estudo social, realizado em 21/02/2018 (fls.
77/80), revela que a autora reside apenas com o esposo, em imóvel de alvenaria, coberto com
telhas de cerâmica, com forração de PVC e piso frio, tendo a requerente declarado que
sobrevivem da aposentadoria de seu esposo, no valor de um salário mínimo, e da renda oriunda
do aluguel de outro imóvel, no valor de R$ 600,00. Segundo a assistente social responsável pela
visita domiciliar, trata-se de imóvel modesto, com móveis simples, quintal murado e não calçado.
Os gastos da família são basicamente com alimentação, água, luz, gás e medicamentos. Pois
bem, como a família é composta por duas pessoas, a renda “per capita” familiar encontra-se
acima de um quarto do valor do salário mínimo, sendo que as demais provas dos autos
demonstram que embora sejam difíceis as circunstâncias familiares em que se encontra a autora,
sua condição socioeconômica não é compatível com a situação de vulnerabilidade econômica
exigida para o deferimento do benefício, ao que destaco que ela e o esposo possuem inclusive
outro imóvel pelo qual obtém renda extra a título de aluguel, sendo que os gastos declarados
sequer superam a renda mensal da família. E ainda, é certo que o laudo constatou a possibilidade
de manutenção da requerente e de seu esposo por seus familiares, notadamente os doze
enteados da autora, o que inviabiliza a concessão do benefício. Ora, o ordenamento jurídico
brasileiro, ao tempo que determina ao Estado a concessão de uma prestação para pessoas em
condições de extrema vulnerabilidade social, também impôs à família o dever de cuidado
recíproco. Nesses termos, dispõe o art. 229 da Constituição Republicana que “Os pais têm o
dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e
amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade” (grifei). Não por outra razão, estabeleceu o
Código Civil que “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os
alimentos de que necessitem para viver”, sendo certo que “O direito à prestação de alimentos é
recíproco entre pais e filhos” (CC, artigos 1.694 e 1.696). Assim, outra conclusão não se afigura
adequada senão a de que a responsabilidade do Estado na prestação de assistência, mediante
concessão do benefício da prestação continuada, é subsidiária, somente surgindo após se
verificar não haver entre os familiares, notadamente os filhos, quem possa socorrer materialmente
ao idoso/deficiente que por si mesmo não possa manter o próprio sustento. Notadamente, resta
evidente que a autora e seu esposo sobrevivem de maneira modesta e sem supérfluos, todavia,
não se encontram na linha abaixo da miserabilidade, condição esta essencial à concessão do
benefício e motivo pelo qual este foi criado. ”
No caso dos autos, o laudo médico pericial elaborado em 25.11.2016 - ID 55555113, atesta que,
Neusa Souza de Jesus Paiva:
“Com base nos elementos e fatos expostos e analisados, conclui-se: Não há incapacidade
laborativa conforme questões apresentadas no ato pericial. ”
Embora o laudo médico pericial tenha concluído que não há incapacidade laborativa, no decorrer
da ação sobreveio à autora, nascida em (22.02.1954; id 55554728), a idade estabelecida no
caput do art. 20 da Lei nº 8.742/93, razão pela qual passou cumprir o primeiro requisito para
concessão do benefício, a partir da data em que completou 65 (sessenta e cinco) anos de idade.
O estudo social (ID 55555123), elaborado em 21.02.2018, revela que:
Residem com a parte autora seu esposo, José Ribeiro de Paiva, aposentado, CPF 036.745.158-
14.
A parte autora reside em uma edícula, de alvenaria com quatro cômodos, forro de PVC, cobertura
em telha cerâmica e piso frio. A sala é conjugada com a cozinha e é composta por sofá de dois
lugares, uma estante com TV de vinte polegadas antiga, um fogão de quatro bocas, um frigobar,
uma pia com gabinete, duas portas e três gavetas, uma mesa tubular com quatro cadeiras, um
armário com duas portas, um balcão com duas portas e duas gavetas, um micro-ondas, uma
estante de aço e um ventilador. No primeiro quarto possui uma cama de casal; no segundo quarto
possui uma cama de casal, dois guarda roupas com quatro portas e cinco gavetas; o banheiro é
revestido com azulejo até a metade da parede, possui chuveiro elétrico, vaso sanitário e lavatório;
na área de serviço possui um tanquinho, uma máquina de lavar antiga e um tanque de cimento. O
quintal é murado e não calçado.
Relata ainda que não possuem veículo, mas possuem uma casa de quatro cômodos que esta
alugada no valor de R$ 600,00, para ajudar com as despesas com medicamentos.
A renda familiar advém da aposentadoria do Sr. José Ribeiro no valor de R$ 954,00, acrescido do
aluguel de uma casa no valor de R$ 600,00, totalizando R$ 1554,00.
Relataram despesas no valor de: Energia elétrica - R$ 32,47; Água - R$ 40,00; Alimentação - R$
500,00; Gás - R$ 75,00; Medicamentos - R$ 400,00, totalizando R$ 1.047,00.
Depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de
dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não
estejam sendo supridas e, nesse sentido, ressalto que o benefício assistencial não se destina a
complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo
estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a
concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por
seus próprios fundamentos.
Por fim, no que tange aos honorários de advogado, entendo que a concessão do benefício da
assistência judiciária gratuita não isenta a parte do pagamento das verbas de sucumbência;
cuida-se de hipótese de suspensão da obrigação, que deverá ser cumprida caso cesse a
condição de miserabilidade do beneficiário, nos termos do artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Precedente do STJ. (RE-AgR 514451,Min. Relator Eros Grau)
Contudo, não havendo recurso do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, mantenho a
sentença como proferida nesse sentido. Todavia, condeno o autor ao pagamento de honorários
de sucumbência recursal, fixados em 2% sobre o valor da causa, cuja exigibilidade fica
condicionada à hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do
Código de Processo Civil, condeno ao pagamento de honorários de advogado em 2% sobre o
valor da causa, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade
condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
