Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5709106-44.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
20/03/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 27/03/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5709106-44.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MAURO DE MACEDO
Advogado do(a) APELANTE: REGIS FERNANDO HIGINO MEDEIROS - SP201984-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5709106-44.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MAURO DE MACEDO
Advogado do(a) APELANTE: REGIS FERNANDO HIGINO MEDEIROS - SP201984-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de
deficiência.
A sentença, prolatada em 19.02.2019, julgou o pedido improcedente nos termos que seguem: "
Ante o exposto, nos moldes do artigo 487, inciso I do CPC, julgo IMPROCEDENTE o pedido de
MAURO DE MACEDO contra O INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, nos
termos da fundamentação acima. Vencida, condeno a parte autora ao pagamento das custas e
despesas processuais, bem como honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da
causa, devidamente atualizado e corrigido, o que faço com fulcro no artigo 85 c.c artigo 98, §2º,
do Código de Processo Civil. Entretanto, tendo em vista que é beneficiário da assistência
judiciária gratuita, fica suspensa sua exigibilidade, nos termos do artigo 98, §3º do CPC. P.I.C.
Oportunamente arquivem-se. "
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a
concessão do benefício assistencial.
Sem contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
Aberto vista ao Ministério Público Federal (id 90491472) não houve qualquer manifestação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5709106-44.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MAURO DE MACEDO
Advogado do(a) APELANTE: REGIS FERNANDO HIGINO MEDEIROS - SP201984-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar
configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a
concessão do benefício. Confira-se:
“O laudo médico pericial concluiu que o autor é acometido de Trombose Venosa de membros
inferiores. De acordo com o perito, os sinais e sintomas da patologia que acometem o periciado,
geram incapacidade total, mas que poderá ser temporária, sugerindo nova perícia no prazo de 1
(um) ano para que se constate a continuidade ou não do impedimento. No que se refere ao
domínio funções e estruturas do corpo, apresenta alterações no domínio da função do sistema
cardiovascular. Já no que se refere ao domínio atividades e participação, o periciado tem
facilidade na execução do aprendizado e aplicação dos conhecimentos, das tarefas e demandas
gerais, da comunicação. Dificuldade na realização de trabalho remunerado (quesito 6 fl. 101). No
tocante ao estudo social, o laudo pericial mostra que o autor, de 49 anos, vive com dois irmãos,
de 46 e 48 anos e um sobrinho de 8 anos, em uma casa própria, financiada, em boas condições
de higiene e organização. Quanto à situação financeira, relata a assistente social que o autor não
exerce atividade laborativa, mas um de seus irmãos trabalha como Porteiro e aufere renda de
R$1.301,70 mensais, enquanto o outro trabalha como Pedreiro e recebe no mínimo R$500,00 por
mês. Por fim, conclui: “O entrevistado não foi encontrado no território de moradia em situação
socioeconômica deficitária. Está bem acolhido, os irmãos relataram ter uma boa convivência. Tem
acesso às necessidades básicas ou ainda mínimos indispensáveis para provisão de alimentação,
moradia, higiene, educação e saúde do grupo familiar.” “Sendo assim, diante da análise
socioeconômica, sugiro a Vossa Excelência o indeferimento do pedido de Benefício de Prestação
Continuada BPC, em relação a renda per capita do grupo familiar, pois não atende os critérios
para concessão do benefício assistencial (...)”. Assim, em análise à prova pericial produzida pela
assistente social, verifico que o laudo demonstra que a unidade familiar possui situação
econômica que possibilita atender de forma satisfatória o autor. É cediço, como já explanado no
início da fundamentação desta sentença, que o critério objetivo trazido pela legislação para a
aferição de miserabilidade deve ser interpretado de forma flexível a fim de se alcançar a justiça
em cada caso concreto. Todavia, tal interpretação deve ser realizada com cuidado. Na presente
demanda ante os dados apresentados pelo laudo, bem como a renda mensal da unidade familiar,
leva-se a concluir que não há situação de miserabilidade detectada. Desta forma, a parte autora
não preenche os requisitos (cumulativos) exigidos à concessão do benefício, estando em
dissonância com a Constituição Federal e com a Lei 8.742/93, mormente pelo artigo 20, §2º e 10º
desta última”
De fato, o estudo social (ID 66743606), elaborado em 16.05.2018, revela que a parte autora
reside com seu irmão, Marcos de Macedo, porteiro, 48 anos, divorciado; seu sobrinho Arthur
Coutinho Fernandes Macedo, 8 anos, estudante eseu outro irmão Marcelo de Macedo, ajudante
de pedreiro, 46 anos, solteiro.
A família reside em imóvel próprio, financiado, de alvenaria, laje, rebocados e pintados
internamente, com revestimentos cerâmicos e acabamentos elaborados. A residência possuem 5
cômodos e 1 banheiro, guarnecidos pelos seguintes bens: Dormitório ( Marcelo), 1 cama de
solteiro, 1 guarda-roupas com 4 portas e 4 gavetas e um ventilador de teto; Dormitório ( Mauro), 1
cama de solteiro, 1 cômoda, 1 TV 20 polegadas, 1 ventilador no chão, 1 notebook e 1 guarda-
roupas com 5 portas e 4 gavetas; Dormitório ( Marcos e Arthur) 1 cama de casal, 1 TV 40
polegadas, 1 guarda-roupa com 12 portas, 1 ventilador de teto e 1 cômoda com 2 portas e 4
gavetas; Banheiro revestido de piso cerâmico e laje com 1 chuveiro elétrico, 1 vaso sanitário, 1
pia simples com espelho, não possui box; Cozinha com 1 mesa de 6 cadeiras, 1 armário
embutido contendo 11 portas pequenas, 1 micro-ondas, 1 gabinete com 2 portas e 4 gavetas, 1
fogão, 1 geladeira e 1 ventilador de teto; Sala com 1 TV 42 polegadas, 1 sofá de canto 1 rack e 1
ventilador. A residência possui uma área de frente com vaga para um veículo e possui um
corredor lateral, que serve como lavanderia, onde possuem 1 máquina de lavar 21kg. Bairro
servido infraestrutura como: asfalto, abastecimento de agua e esgoto, energia elétrica, coleta de
lixo, correios e segurança pública.
A parte autora declarou não possuir veículo automotor. Na casa foram encontrados um veículo
Corsa na cor preta e uma moto Titan KS, ANO 2000, que informaram pertencerem ao irmão
Marcos.
A renda da casa advém do salário do irmão (Marcos) no valor de (R$ 1.301,70) e do outro irmão
(Marcelo) em torno de (R$ 500,00) como ajudante de pedreiro totalizando cerca de R$ 1801,70.
Informaram despesas com Imóvel financiado (R$ 160,00), água (R$ 50,00), energia elétrica (R$
197,29), alimentação (R$ 700,00), medicamentos (R$ 42,00) e internet (R$ 80,00) totalizando R$
1.229,00.
Salienta-se que no estudo social consta que o autor possui 3 filhos (Gabriela, Jéssica e Gabriel),
sendo dois maiores de idade, os quais têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade, artigo 229 CF.
Depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de
dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não
estejam sendo supridas. Nesse sentido, nota-se a ausência de informação acerca de gastos
extraordinários com alimentação especial ou tratamento médico.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a
concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por
seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do
CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de
advogado arbitrados na sentença em 2%, devendo ser observada, se for o caso, a suspensão da
exigibilidade prevista no § 3º do artigo 98 daquele Codex.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo
85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor
arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à apelação da parte autora, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
