Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5970027-82.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
20/03/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 27/03/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5970027-82.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: WANDERLEY DE ANDRADE AGRI
Advogados do(a) APELANTE: ROSANA MARIA DO CARMO NITO - SP239277-N, FERNANDO
ALVES DOS SANTOS JUNIOR - SP317834-N, RENATA ANGELO DE MELO MUZEL -
SP387686-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5970027-82.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: WANDERLEY DE ANDRADE AGRI
Advogados do(a) APELANTE: ROSANA MARIA DO CARMO NITO - SP239277-N, FERNANDO
ALVES DOS SANTOS JUNIOR - SP317834-N, RENATA ANGELO DE MELO MUZEL -
SP387686-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de
deficiência.
A sentença, prolatada em 11.10.2018, julgou o pedido improcedente nos termos que seguem:
“Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por WANDERLEY DE ANDRADE
AGRE em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS. Em consequência,
JULGO EXTINTO o processo, com resolução de mérito nos termos do artigo 487, I do Código de
Processo Civil. Condeno, ainda, a parte autora, ao pagamento das custas processuais e
honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor da causa (art. 85, §2, CPC),
cuja exigibilidade fica suspensa, por se tratar de beneficiária da assistência judiciária gratuita, nos
termos do artigo 98, §3 do Código de Processo Civil. Com o transito em julgado, arquivem-se os
autos observadas as formalidades legais. Ciência ao Ministério Público. Registre-se. Publique-se.
Intimem-se.”
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a
concessão do benefício assistencial.
Sem contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5970027-82.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: WANDERLEY DE ANDRADE AGRI
Advogados do(a) APELANTE: ROSANA MARIA DO CARMO NITO - SP239277-N, FERNANDO
ALVES DOS SANTOS JUNIOR - SP317834-N, RENATA ANGELO DE MELO MUZEL -
SP387686-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar
configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a
concessão do benefício. Confira-se:
“No caso, a parte autora, de acordo com laudo pericial de fls. 83/87, está incapacitado total e
permanentemente para o trabalho, em razão dos transtornos mentais e comportamentais que o
acometem, pelo consumo abusivo de álcool. (...)
O levantamento socioeconômico (fls. 59/63) constatou que “o grupo familiar ora elencado reside
em casa própria de alvenaria, com forro de madeira, piso de cerâmica, localizada na zona urbana
e periférica do município, em local de fácil acesso, dotada de todos os melhoramentos públicos,
tais como água encanada, esgoto, energia elétrica e coleta de lixo, sendo a moradia de
construção antiga, na sala TV LCD de 32 polegadas, parabólica, rack e sofá de dois lugares; na
cozinha fogão, micro-ondas e geladeira, armário, todos novos; dispensa; banheiro; três quartos
sendo um com uma cama e um freezer horizontal, outro com uma cama e cômoda e o terceiro
com cama de casal e guarda roupa; possuem um pequeno quintal com tanquinho que segundo a
mãe do requerente não funciona e uma residência nos fundos que é alugada para outra família.
Todas as informações acima são frutos de observação direta e perguntas ao requerente e sua
mãe” (fls. 62/63). Prosseguindo, o parecer social foi no sentido de que: “se considerarmos o grupo
familiar composto pelo requerente, sobrinha, mãe e pai, a per capta é acima de ¼ do salário
mínimo; se considerarmos o grupo familiar somente composto pela requerente, mãe e pai, a
renda per capta também fica acima de ¼ do salário mínimo mensal, diante do que de acordo com
o preconizado pela LOAS o requerente não é elegível para recebimento do benefício. A per capta
tanto contando três membros da família como quatro é maior que meio salário mínimo, mas a
renda familiar é menor que três salários mínimos mensais, o que nos permite inferir que o
requerente e demais familiares de acordo com o Decreto 6135 de 26 de junho de 2007, artigo 4º.,
inciso II, alínea b (Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal) , é público
considerado de baixa renda, enfrentando eventualmente ausências ou acesso insatisfatório aos
direitos sociais básicos” (fls. 63). Como se vê, encontra-se o autor inserido em família com
condições suficientes para prover o seu sustento com a dignidade preconizada pela Constituição
Federal, valendo destaca que a finalidade do amparo assistencial não é complementar a renda
familiar ou proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas permitir a subsistência de idoso ou
deficiente em estado de penúria, que preencha todos os requisitos legais. ”
De fato, o estudo social (ID 89144842), elaborado em 21.11.2017, revela que a parte autora
reside com seu pai, Ataíde Amando Agre, motorista aposentado, CPF 753.182.538-49 sua mãe,
Iracema de Andrade Agre, prendas do lar, CPF 112.914.808-46 e sua sobrinha materna, Gabriele
Agre de Oliveira, solteira, estudante, nascida em 21.03.2005.
O grupo familiar reside em casa própria de alvenaria, com forro de madeira, piso de cerâmica,
localizada na zona urbana e periférica do município, em local de fácil acesso, dotada de todos os
melhoramentos públicos, tais como água encanada, esgoto, energia elétrica e coleta de lixo,
sendo a moradia de construção antiga, na sala TV LCD de 32 polegadas, parabólica, rack e sofá
de dois lugares; na cozinha fogão, micro-ondas e geladeira, armário, todos novos; dispensa;
banheiro; três quartos sendo um com uma cama e um freezer horizontal, outro com uma cama e
cômoda e o terceiro com cama de casal e guarda roupa; possuem um pequeno quintal com
tanquinho que segundo a mãe do requerente não funciona e uma residência nos fundos que é
alugada para outra família.
A renda familiar advém do salário obtido com a aposentadoria por tempo de serviço recebida pelo
pai do requerente, no valor de R$1.900,00 mensais e um aluguel de uma edícula nos fundos pelo
qual recebem R$ 350,00 mensais, totalizando R$ 2.250,00.
Informaram despesas com luz: R$122,00 mensais; água: R$41,00 mensais, gás: R$65,00
mensais; um celular com conta fixa no valor de R$ 45,00 mensais; alimentação em torno de R$
700,00 mensais; IPTU da casa no valor de R$ 45,00 mensais, totalizando R$ 1.018,00/mês.
Depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de
dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não
estejam sendo supridas. Nesse sentido, nota-se a ausência de informação acerca de gastos
extraordinários com alimentação especial ou tratamento médico.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a
concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por
seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do
CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de
advogado arbitrados na sentença em 2%, devendo ser observada, se for o caso, a suspensão da
exigibilidade prevista no § 3º do artigo 98 daquele Codex.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo
85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor
arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à apelação da parte autora, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
