Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5726630-54.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
30/03/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 01/04/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade
condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5726630-54.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ISABEL BENEDITA RODRIGUES DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: EDVALDO LUIZ FRANCISCO - SP99148-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5726630-54.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ISABEL BENEDITA RODRIGUES DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: EDVALDO LUIZ FRANCISCO - SP99148-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação
continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 13.03.2019, julgou improcedente o pedido inicial nos seguintes termos:
“Diante do exposto, julgo improcedente o pedido inicial formulado por ISABEL BENEDITA
RODRIGUES DOS SANTOS, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Sem
custas, por ser o autor beneficiário da assistência judiciária e gozar o instituto vencido de isenção.
No entanto, condeno a autora no pagamento de honorários advocatícios, que arbitro em 15%
sobre o valor atualizado da causa, cuja cobrança fica suspenso por ser a autora beneficiária da
isenção legal. P.I.C.”
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a
concessão do benefício assistencial, aduzindo que é pessoa inválida e encontra-se
impossibilitada de prover seu próprio sustento.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo provimento da apelação da parte
autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5726630-54.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ISABEL BENEDITA RODRIGUES DOS SANTOS
Advogado do(a) APELANTE: EDVALDO LUIZ FRANCISCO - SP99148-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição
Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação
dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei
nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la
provida por sua família.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência
aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir
sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula
nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a
vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas
também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de
prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não
integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos, observa-se que a sentença de primeiro grau
julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no laudo médico pericial e no
estudo social, tendo se convencido não restar configurada a existência de incapacidade laboral e
a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a concessão do
benefício.
Confira-se:
“O laudo pericial médico de fls. 103/105 atesta a incapacidade, mas apenas parcial, da parte
autora. Diz que ela é portadora de sequelas decorrente de retirada de tumor (adenoma de
hipófise) e que em virtude disso possui quadro de falta de hormônios. No entanto, o relatório
socioeconômico de fls. 87/89 dá conta que a autora integra núcleo familiar de renda modesta, no
entanto, encontra-se amparada pelo marido, que é aposentado e recebe proventos. Além disso, o
estudo social também revelou que a autora possui filhos emancipados e independentes, que
poderiam auxiliá-la na renda familiar. Por esses fatores encontrados, impõe-se a conclusão de
que, em consideração às particularidades do caso, a autora não merece a tutela assistencial do
Estado, nos termos do artigo 203, inciso V, da Constituição Federal. ”
O laudo médico pericial (ID 68173918), elaborado em 26.09.2018, revela que a parte autora após
intervenções em hipófise, desenvolveu quadro decorrente da falta de hormônios, tem também,
astenia, dificuldade para ouvir e ver. Em resposta aos quesitos conclui que: “ A autora tornou
muito limitada para realizar as tarefas do dia adia, necessitando muitas vezes do auxílio de
terceiros”
Ainda, verifica-se que a autora é idosa completando 66 anos de idade no curso do processo (ID
68173847).
Todavia, em que pese a existência de restrição para o labor e para o convívio em sociedade, não
restou demonstrada a existência de miserabilidade.
O laudo social (ID 98173906), elaborado em 06.07.2018, revela que a autora vive com seu
esposo, José Aparecido dos Santos, aposentado, CPF 020.859.618-60 em imóvel cedido
(vendido recentemente para quitação de dívidas), composto por 06 cômodos: 03 quartos, 01 sala,
01 cozinha e 01 banheiro. Localizado em área urbana, com mobílias simples e em razoável
condição de higiene limpeza. Os eletrodomésticos são: 01 TV, 01 fogão, 01 geladeira, 01 micro-
ondas e 01 máquina de lavar.
A renda familiar advém da aposentadoria do Sr. José no valor bruto de R$ 1.211,65.
Relataram despesas com: alimentação/higiene pessoal (R$ 400,00), gás (R$ 49,00), água (R$
92,00), energia elétrica (R$110,00), empréstimos consignados (R$ 411,80), telefone (R$ 67,00) e
medicação (R$ 200,00), totalizando R$ 1.329,80.
Salienta-se que no estudo social consta que a autora possui dois filhos (emancipados), os quais
têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, artigo 229 CF.
Depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de
dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não
estejam sendo supridas e, nesse sentido, ressalto que o benefício assistencial não se destina a
complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo
estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a
concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do
CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de
advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária
gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do
Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do
Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na
sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade
condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
