
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0011580-90.2014.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ROBERTO ANTONIO DE PADUA BATISTA
Advogado do(a) APELANTE: FLAVIO ANTONIO MENDES - SP238643-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0011580-90.2014.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ROBERTO ANTONIO DE PADUA BATISTA
Advogado do(a) APELANTE: FLAVIO ANTONIO MENDES - SP238643-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação em que se objetiva a concessão de benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 11.07.2017, julgou improcedente o pedido inicial conforme dispositivo que ora transcrevo: “Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial, dando por extinto o processo nos termos do art. 487, 1, do Código de Processo Civil. Em razão da sucumbência, condeno a autora ao pagamento de custas e despesas, bem como honorários advocatícios, que arbitro, em R$ 800,00, observando que é beneficiário da gratuidade processual. Fixo os honorários periciais da médica e da assistente social no valor máximo da tabela. Requisite-se o pagamento junto ao TRF. PI.”
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo provimento da apelação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0011580-90.2014.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ROBERTO ANTONIO DE PADUA BATISTA
Advogado do(a) APELANTE: FLAVIO ANTONIO MENDES - SP238643-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O benefício assistencial de prestação continuada, previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Para efeito de concessão do benefício assistencial, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, no mínimo de dois anos, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 12.470/2011, art. 3º).
A respeito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 29, que institui: "Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento."
No tocante ao requisito da miserabilidade, o artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitem sob o mesmo teto não integrem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos, observa-se que a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no laudo médico pericial e no estudo social, tendo se convencido não restar configurada a existência de incapacidade laboral e a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a concessão do benefício.
Confira-se:
“Não é o que ocorre na situação vertente. Primeiro, não ficou comprovado que o autor está incapacitado de forma total e definitiva para o trabalho e para os atos da vida civil. O laudo médico indica que a requerente presente enfermidade, mas ela não ocasiona completo e irreversível comprometimento da aptidão para o labor. Outrossim, não está demonstrado que a demandante se encontra desamparada, ou seja, que não possa, juntamente com a família, prover a própria subsistência. Ao que consta, a renda da família é suficiente para atender às necessidades do requerente, não havendo efetiva situação de miserabilidade. Desta forma, não estando o autor incapacitado definitivamente, nem tampouco desamparada, é impossível a concessão do benefício assistencial.”
O laudo médico pericial, elaborado em 30.03.2016 (ID 89033738 – pág. 160/169) informa que o autor “se apresenta em bom estado geral e com ausência de alterações na semiologia psiquiátrica, inexistindo, desse modo, quadro mórbido que o impeça exercer atividades laborativas. E importante ressaltar que o exame pericial constatou quadro depressivo totalmente controlado com medicação adequada e não incapacitante para o trabalho.”
A segunda perícia realizada em 16.01.2017 (ID 89033738 – pag. 206/2015), revela que o autor: “se apresenta com alterações na semiologia psiquiátrica em decorrência de Transtornos Depressivos Ansiosos, cujo quadro mórbido o impede trabalhar, no presente momento, necessitando de afastamento do trabalho e tratamento especializado.”, e conclui que: “03- Assim, em face aos elementos clínicos encontrados no exame pericial realizado por este Auxiliar do Juízo associado às informações médicas em anexo, nos permite afirmar que o Autor_______ portador de Transtornos Depressivos Ansiosos, cujo males o impede trabalhar atualmente, necessitando de tratamento psiquiátrico, além de afastamento do trabalho _____apresenta-se Incapacitado de forma Total e Temporária para o Trabalho com período estimado em 06 (seis) meses para tratamento especializado.”
Quanto ao termo inicial da doença e da incapacidade o perito informa que: “02- Com relação ao início das doenças vide resposta na História da Doença Atual onde o próprio Autor informa. No tocante ao início da Incapacidade Total e Temporária para o Trabalho o atestado médico emitido em 07/10/2010 pelo médico psiquiatra Dr. João Paulo J. Mansu mostra que naquela data o Autor já era portador de incapacidade, ou seja, a mesma incapacidade constatada na data da Perícia Médica por este Médico Perito”
Depreende-se da leitura do laudo que a parte autora está acometida de patologias que resultam em incapacidade de longo prazo que constitui impedimento para o desenvolvimento de atividades que lhe garantam o sustento, no sentido exigido pela legislação aplicável à matéria.
Todavia, em que pese a existência de restrição para o labor, não restou demonstrada a existência de miserabilidade.
O laudo social (ID 89033738 – pag. 136/140), elaborado em 03.04.2015, revela que o autor vive com seu irmão em imóvel próprio de herdeiros. Trata-se de construção nas seguintes condições: “O padrão da residência é simples, trata-se de uma antiga casa de alvenaria com cobertura de telhas de cerâmica, possui forro em toda sua extensão e o piso é de madeira, exceto na cozinha. Apresenta precário estado de conservação, não há necessidade de reparos e manutenção. Possui cerca de 70 m2 de área construída. O imóvel é abastecido pela rede de saneamento básico, energia elétrica, pavimentação e coleta de resíduos. Possui os seguintes cômodos: Duas salas, uma delas com dois sofás e uma mesa com uma TV de 14 polegadas e a outra com uma mesa e dois armários. O Uma cozinha que contém uma pia, um fogão de quatro bocas e um refrigerador. Três dormitórios, sendo que o primeiro possui uma cama de solteiro, uma rack com uma TV de 29 polegadas e um armário; no segundo há uma cama de solteiro e um guarda roupas e, o terceiro tem uma cama, um aparelho de som e um televisor. Um banheiro azulejado constituído por chuveiro elétrico, vaso sanitário e pia. O mobiliário disponível não apresenta boas condições de uso, são móveis antigos, contudo em quantidade suficiente para atender a demanda familiar.”
Quanto à renda da casa informa que o irmão do autor exerce atividade de serviços gerais como autônomo, mas que em razão de relação intrafamiliar conflituosa o autor desconhece o valor da renda de seu irmão. Consta ainda que o autor aufere rendimento mensal de aproximadamente R$ 70,00 referente à atividade de coleta e venda de sucata. Por fim, há relato de que uma das irmãs do autor lhe fornece alimentação mensalmente.
Quanto às condições socioeconômicas da família o laudo social informa que: “Ressalta-se que em visita domiciliar realizada, o autor recebeu-nos em companhia de seu primo, Sr. Antonio, disse-nos que o irmão estava trabalhando. Em seu relato afirma que o relacionamento com o irmão é quase inexistente, observamos que há separação dentro da residência com a utilização dos espaços e acesso a cômodos e objetos domésticos, bem como para o preparo de refeições, pois cada um fica responsável por sua alimentação. O autor informa que possui seis irmãos destes três residem em São Paulo e os demais no mesmo município, todavia somente sua irmã Terezinha é quem o auxilia, fornecendo-lhe alimentação. O mesmo é independente para realizar as atividades da vida cotidiana. Declara que não recebe auxilio de terceiros e se mantém com o a venda de sucata. Não apresenta gastos fixos ao mês, informa que quando tem condições ajuda com o valor R$ 20,00 (vinte reais) para despesa de água. Segundo o mesmo os gastos domésticos refere-se com Água (R$ 24,00), Energia Elétrica (R$ 58,00) e Gás (R$ 45,00).”
Depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas. Nesse sentido, apura-se que o autor vive em imóvel próprio que oferece o abrigado necessário, as despesas corriqueiras da casa são cobertas pelo irmão que com ele reside, uma irmã fornece alimentação e, no mais, o autor mantem-se com a venda de sucatas.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
