Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5003340-86.2017.4.03.6130
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
16/06/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 19/06/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade
condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação não provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003340-86.2017.4.03.6130
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: FLORIPES MARIA DE JESUS MARTINS
Advogado do(a) APELANTE: ALVARO PROIETE - SP109729-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003340-86.2017.4.03.6130
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: FLORIPES MARIA DE JESUS MARTINS
Advogado do(a) APELANTE: ALVARO PROIETE - SP109729-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 17.07.2017, julgou improcedente o pedido inicial sob o fundamento de
que não foi preenchido o requisito de miserabilidade, nos termos que seguem: “Pelo exposto,
JULGO IMPROCEDENTE o pedido e extingo o processo, com resolução do mérito, nos termos
do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Revogo a tutela antecipada concedida.
Oficie-se. Condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais havidas e dos
honorários advocatícios os quais são fixados em 10% sobre o valor da causa. Esta condenação
fica suspensa enquanto gozar dos benefícios da assistência judiciária, nos termos do artigo 12 da
Lei 1.060/50. Custa ex lege.”
Apela a parte autora, alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a
concessão do benefício.
Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do apelo interposto pela parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5003340-86.2017.4.03.6130
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: FLORIPES MARIA DE JESUS MARTINS
Advogado do(a) APELANTE: ALVARO PROIETE - SP109729-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar
configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a
concessão do benefício.
Confira-se:
“Nesta senda, a primeira parte desse requisito (não possua meios para prover a própria
subsistência) não restou demonstrada, visto que a autora é locadora de três imóveis em seu
terreno, totalizando uma renda per capita de R$ 1.280,00 (hum mil, duzentos e oitenta reais). Isto
por que, conforme a lei, não se pode considerar a renda recebida por sua filha no computo da
renda auferida pelo seu núcleo familiar. Noutro giro, há de se considerar a própria filha da parte
autora como participante do rateio da renda auferida com os alugueres, razão pela qual,
considerar-se-á a totalidade dos valores auferidos a este título, sem dividi-la por cabeça, já que
sua filha tem uma renda própria apartada, nos termos da legislação. Além disso, a autora é mãe
de cinco filhos maiores, sobre os quais não houve relato sobre suas condições financeiras, mas
sobre o que vale registrar o meu posicionamento excepcional e subsidiário no sentido de que, em
casos de existência de parentes no art. 20, § 1°, da Lei n° 8.742/93 que tenham rendimento muito
superior ao valor do salário mínimo, mas que não viviam mais sob o mesmo teto, o benefício não
será devido, em razão exatamente da grande melhoria econômica, quando deve prevalecer seu
dever legal de alimentos. Assim, os elementos constantes do estudo socioeconômico estão,
portanto, a demonstrar que, embora a autora possa ter um padrão de vida simples, como o de
tantos brasileiros, não pode ser qualificada como hipossuficiente, nos termos da lei, sendo que,
apesar de todas as dificuldades alegadas, não é possível vislumbrar, na espécie, o requisito
miserabilidade justificador do benefício assistencial pleiteado, sendo inviável a sua concessão. “
O estudo social (ID 31364391), elaborado em 28.03.2017, revela que a parte autora reside com
sua filha, Tatiana Martins de Oliveira, deficiente, 35 anos em casa própria edificada em alvenaria
com laje localizada no 1º andar composta por: quatro quartos, sala, cozinha, dois banheiros e
área de serviço, sendo o piso de cerâmica. Os móveis e eletrodomésticos que guarnecem o local
estão em bom estado de conservação, no mesmo terreno existem cinco outras edificações (de
propriedade da autora): uma é ocupada pelo irmão da requerente, a outra está desocupada, as
outras três estão alugadas. A rua é pavimentada, com guias, sarjetas e conta com iluminação
pública, possuem serviço de energia elétrica, abastecimento de água e coleta de lixo. A
residência possui telefone fixo e a autora possui um automóvel modelo Corsa, ano 1995.
Quanto à renda familiar, consta o recebimento do Benefício LOAS da autora e de sua filha
Tatiana no valor de R$ 1.874,00 e da renda dos aluguéis no valor de R$ 1.280.00, totalizando R$
3. 154,00.
As despesas são: luz (R$ 99,26); água (R$ 34,00); telefone (R$ 69,51); TV por assinatura (R$
121,41); IPTU (R$ 268,45); convênio médico de ambas (R$ 330,39); medicamentos (R$ 450,00);
combustível (R$ 80,00); carnê do Baú da Felicidade (R$10,00); gás (R$ 65,00);
alimentação/higiene/limpeza (R$ 600,00), totalizando R$ 2.128,02.
Tem-se ainda que a autora possui mais cinco filhos, casados, com vida independente, que em
caso de urgência podem e devem socorrê-la.
Depreende-se da leitura do estudo social que não há indícios de que as necessidades básicas da
parte autora não estejam sendo supridas e, nesse sentido, ressalto que o benefício assistencial
não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se
encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a
concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por
seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do
CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de
advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária
gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do
Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do
Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na
sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade
condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu , negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
