Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
0002733-82.2016.4.03.6005
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
29/07/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 31/07/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade
condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação não provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002733-82.2016.4.03.6005
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ZULMIRA MARTINEZ PERALTA
Advogados do(a) APELANTE: DEMIS FERNANDO LOPES BENITES - MS9850-A, JUCIMARA
ZAIM DE MELO - MS11332-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002733-82.2016.4.03.6005
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: ZULMIRA MARTINEZ PERALTA
Advogados do(a) APELANTE: DEMIS FERNANDO LOPES BENITES - MS9850-A, JUCIMARA
ZAIM DE MELO - MS11332-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 18.12.2018, julgou improcedente o pedido inicial sob o fundamento de
que não foi preenchido o requisito de miserabilidade, nos termos que seguem: “Posto isso,
julgoimprocedenteo pedido formulado na inicial, nos termos do art. 487, I, do CPC. Sem custas
pela parte autora em virtude dos benefícios da justiça gratuita que lhe foram deferidos, estando
isenta nos termos do disposto no art. 4º, II, da Lei nº 9.289/96. Condeno a parte autora em
honorários advocatícios, que fixo no percentual mínimo do §3º do art. 85 do CPC, de acordo com
o inciso correspondente ao valor atualizado da causa, observando o § 4º, II e § 5º, por ocasião da
apuração do montante a ser pago, ressalvando que a sua cobrança deve ficar sobrestada até que
seja feita prova (pela parte contrária) de que ela – parte autora - perdeu a condição de
necessitada, pelo prazo máximo de cinco anos, após o qual estará prescrita a pretensão,
conforme o disposto no § 3º do artigo 98 do CPC. Interposto recurso, dê-se vista à parte contrária
para contrarrazões. Em seguida, nos termos do art. 3º da Resolução Pres nº 142/2017 do TRF3,
intime-se o apelante para retirar os autos em carga a fim de promover sua virtualização e
inserção no sistema PJe, no prazo de 10 (dez) dias. Decorrido in albis o prazo, intime-se a parte
apelada para os mesmos fins (art. 5º). Digitalizados os autos por uma das partes, intime-se a
parte contrária para conferência dos documentos digitalizados, devendo apontar ao juízo, no
prazo de 05 (dias), eventuais equívocos, facultando-se corrigi-los incontinenti (art. 4º, I, “b”). Em
seguida, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com as
nossas homenagens.Com o trânsito em julgado, arquivem-se. Publique-se. Registre-se. Intimem-
se.”
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a
concessão do benefício.
Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002733-82.2016.4.03.6005
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
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ZAIM DE MELO - MS11332-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar
configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a
concessão do benefício.
Confira-se:
“No presente caso, aautora possui atualmente 75 (setenta e cinco) anos de idade, eis que
nascida em 05/11/1943. Assim,evidenciado o requisito etário, resta averiguar acerca da efetiva
existência da miserabilidade. Conforme o laudo socioeconômico realizado em 29/11/2017, a
autora reside com sua tia Silveria Morel de Martinez. Consta que Silveria é aposentada e aufere
mensalmente o valor de R$ 1.900,00 (mil e novecentos reais). Ainda segundo o laudo, a casa em
que a autora reside fica localizada na área urbana, é de alvenaria, com mobílias de grandes
dimensões, os utensílios domésticos encontram-se em ótimas condições de uso, possui água
encanada e energia elétrica, bem como a rua possui pavimentação. As despesas informadas
alcançaram a soma de R$ 700,00. Segundo a Sra. Assistente Social: “Mediante ao exposto e a
observação sore o requerente percebe total dependência de uma pessoa para auxiliar em
atividades simples como se alimentação ou a um banho, torna-se favorável o Amparo Social
(BCP) a Sra. Zulmira Martinez Peralta”. Não obstante, verifico que a tia da autora recebe o valor
de R$ 1.900,00 a título de aposentadoria. Dividindo-se a renda do núcleo familiar pelos dois
integrantes que o compõem, obtém-se o valor de R$ 950,00, superior a ¼ (um quarto) do salário
mínimo. Ademais, embora a casa em que reside a família seja simples e guarnecida com móveis
singelos, conta com pavimentação nas guias e asfalto, fornecimento de água e energia elétrica.
Além disso, o núcleo familiar não possui despesas com aluguel, o que é dado significativo quando
se leva em consideração o valor dos rendimentos do grupo familiar (R$ 950,00 por pessoa, ou
seja, montante bem superior a ¼ do salário-mínimo). Vale dizer, se o valor estabelecido pelo art.
20, §3º, da Lei nº 8.742/93 não pode ser encarado como absoluto, serve pelo menos como
parâmetro a ser considerado na análise dos numerosos e diferentes casos, especialmente para
que não se estabeleça elasticidade de tal monta que acabe acarretando distorções e injustiças.
Nesse contexto, este Juízo conclui que a parte autora não se enquadra dentre os destinatários do
benefício assistencial, que deve ser reservado àqueles que não possuem meios de sobreviver por
si próprios e não tenham, ainda, seus familiares meios de suprir-lhes tal falta, isto é, nos casos
extremos em que só resta o auxílio do Estado. Em assim sendo, nota-se que núcleo familiar da
parte autora, como acima elucidado, é dotado de condições para sua manutenção, não fazendo,
pois, jus ao benefício assistencial.”
O estudo social (ID 90050421), elaborado em 29/11/2017, complementado pelo estudo social (ID
90050429) de 07/08/2018, revela que a parte autora reside com Sua Tia, Silveira Morel de
Martinez em casa cedida pela mesma, edificada em alvenaria, localizado em área urbana, no
centro do Município, composto por cinco cômodos, 2 quartos, sala de estar, cozinha e banheiro,
dispondo de área externa com outra residência aos fundos. Os móveis e eletrodomésticos que
guarnecem a casa são suficientes ao conforto dos seus habitantes.
Quanto à renda familiar, consta que a Tia da parte autora recebe aposentadoria no valor de R$
1.900,00.
Em relação as despesas consta: Energia R$ 100,00; Água R$ 130,00; Alimentação R$ 400,00;
Gás R$ 70,00, totalizando R$ 700,00.
Nota-se que o grupo vive em imóvel próprio que oferece abrigo e conforto, não havendo indícios
de miserabilidade. Também não há relato de necessidades especiais quanto à alimentação ou
tratamento de saúde.
Depreende-se da leitura do estudo social que não há indícios de que as necessidades básicas da
parte autora não estejam sendo supridas e, nesse sentido, ressalto que o benefício assistencial
não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se
encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a
concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por
seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do
CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de
advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária
gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do
Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do
Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na
sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade
condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
