Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5899941-86.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
29/07/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 31/07/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade
condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação não provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5899941-86.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: JOSE PEREIRA DA SILVA
Advogados do(a) APELANTE: GRAZIELLA FERNANDA MOLINA - SP248151-A, LARISSA
BORETTI MORESSI - SP188752-A, GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N,
CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5899941-86.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: JOSE PEREIRA DA SILVA
Advogados do(a) APELANTE: GRAZIELLA FERNANDA MOLINA - SP248151-A, LARISSA
BORETTI MORESSI - SP188752-A, GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N,
CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 23.03.2018, julgou improcedente o pedido inicial sob o fundamento de
que não foi preenchido o requisito de miserabilidade, nos termos que seguem: “Ante o exposto e
à vista de todo o mais que consta nos autos, JULGO IMPROCEDENTE A AÇÃO, nos termos do
artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil e, condeno a autora no pagamento de honorários
advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, observando-se o disposto no §
3º do artigo 98 do CPC. Custas na forma da lei, observada a gratuidade processual. Cumpridas
as exigências legais, ao arquivo. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se.”
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a
concessão do benefício. Prequestiona, a expressa manifestação a respeito das normas legais e
constitucionais aventadas.
Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo regular prosseguimento do feito.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5899941-86.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: JOSE PEREIRA DA SILVA
Advogados do(a) APELANTE: GRAZIELLA FERNANDA MOLINA - SP248151-A, LARISSA
BORETTI MORESSI - SP188752-A, GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N,
CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar
configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a
concessão do benefício.
Confira-se:
“No caso em tela, nota-se que o autor não provou que sua família não tem condições de prezar
por sua manutenção, pelo contrário, ficou demonstrado que o autor mora com sua esposa, duas
filhas, genro, neto e bisneto, em moradia alugada, composta por oito cômodos auferindo uma
renda mensal familiar equivalente à R$ 6.904,69 (seis mil e novecentos e quatro reais e sessenta
e nove centavos), como bem observado no Parecer Ministerial, sendo a renda per capta
equivalente à R$ 986,38 (novecentos e oitenta e seis reais e trinta e oito centavos). Ademais, pelo
estudo social realizado é capaz de evidenciar que embora o autor sobreviva com as dificuldades
cotidianas, não há nos autos documentos hábeis a auferir, com certeza a incapacidade
econômica financeira do autor, que comprovadamente é maior que ¼ do salário mínimo. Assim,
ausente o requisito da incapacidade econômica e financeira do requerente, impõe-se a rejeição
do pleito inicial.”
O estudo social (ID 82804953), elaborado em 13.09.2017, revela que a parte autora reside com
sua esposa, Luzia; suas duas filhas, Oseni e Célia; seu genro, Edson; seu neto Diego e seu
bisneto, Edson, em imóvel, de alvenaria, com três quartos, sala, cozinha, dois banheiro e
varandas, o piso é de cerâmica, paredes de tijolo e com reboco e pintura. A casa está guarnecida
com móveis e eletrodomésticos, contando com TV grande, geladeira, micro-ondas, freezer,
máquina de lavar e tanquinho elétrico. Célia possui um veículo Uno ano 2000, sem
documentação.
Quanto à renda familiar, consta que a esposa da parte autora recebe aposentadoria de R$
937,00, seu genro Edson, recebe aproximadamente R$ 1.500,00, seu neto Diego recebe
aproximadamente R$ 1.500,00. O extrato do sistema CNIS (ID 82805041) demonstra que a Célia,
filha do autor recebeu na data da perícia, renda de R$ 2.967,69 não informado no laudo social,
demonstrando assim uma renda familiar mensal de R$ 6.904,69.
As despesas elencadas são: Energia elétrica R$ 230,00, Água e esgoto R$ 69,00, Gás R$ 60,00,
Alimentação, higiene e limpeza R$ 2000.00(aproximadamente), Transporte R$ 300,00,
Medicamentos R$ 300,00 (aproximadamente) Aluguel R$ 1.000,00, Telefone fixo R$ 40,00,
totalizando R$ 3.999,00.
Nota-se que o grupo vive em imóvel que oferece abrigo e conforto, não havendo indícios de
miserabilidade. Também não há relato de necessidades especiais quanto à alimentação ou
tratamento de saúde.
Tem-se ainda que a autora possui duas filhas com vida independente, que em caso de urgência
podem e devem socorrê-la.
Depreende-se da leitura do estudo social que não há indícios de que as necessidades básicas da
parte autora não estejam sendo supridas e, nesse sentido, ressalto que o benefício assistencial
não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se
encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a
concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por
seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do
CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de
advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária
gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do
Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do
Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na
sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade
condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto
que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
