
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005231-95.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
REPRESENTANTE: LAZARA DIVINO MAIA DE CORDOBA
APELANTE: ELAINE CRISTIANE MAIA DE CORDOBA
Advogados do(a) APELANTE: GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N, MARILIA ZUCCARI BISSACOT COLINO - SP259226-A,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005231-95.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
REPRESENTANTE: LAZARA DIVINO MAIA DE CORDOBA
APELANTE: ELAINE CRISTIANE MAIA DE CORDOBA
Advogados do(a) APELANTE: GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N, MARILIA ZUCCARI BISSACOT COLINO - SP259226-A,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 15.01.2019, julgou o pedido improcedente nos termos que seguem: "Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, com fundamento no art. 487, 1, do Código de Processo Civil. Pela sucumbência, condeno o autor ao pagamento das despesas processuais, além dos honorários advocatícios da parte contrária, fixados estes em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2°, do CPC, ficando suspensa a exigibilidade de tais verbas enquanto perdurar o seu estado de pobreza (CPC, art. 98, § 30). Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com as devidas movimentações no sistema, independentemente de nova conclusão. P.I.C.”
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial. Prequestiona, a expressa manifestação a respeito das normas legais e constitucionais aventadas.
Sem contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0005231-95.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
REPRESENTANTE: LAZARA DIVINO MAIA DE CORDOBA
APELANTE: ELAINE CRISTIANE MAIA DE CORDOBA
Advogados do(a) APELANTE: GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N, MARILIA ZUCCARI BISSACOT COLINO - SP259226-A,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a concessão do benefício. Confira-se:
“No presente caso, a médica subscritora do laudo pericial concluiu que a autora apresenta incapacidade laboral total e permanente. Entretanto, quanto ao requisito da hipossuficiência financeira, nos termos do artigo 20, § 3°, da Lei n° 8.742/93, considera-se "incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a '/4 (um quarto) do salário mínimo", limite este com relação ao qual, em 18/04/2013, ao julgara Reclamação 4.374, o Supremo Tribunal Federal modificou seu entendimento e passou a considerá-lo parcialmente inconstitucional, sem pronúncia de nulidade. Assim, há de se verificar se, no caso concreto, é necessária a concessão do benefício de prestação continuada para que a autora tenha o mínimo necessário a uma vida digna. Depreende-se do estudo social que a autora vive com sua mãe, e que esta percebe renda mensal de dois salários mínimos, provenientes de benefícios previdenciários de aposentadoria por invalidez e pensão por morte, residem em casa própria e declararam gastos mensais referentes à energia elétrica (R$45,00); água (R$35,00); alimentação, gás, material de higiene e limpeza (R$ 500,00); medicamentos (R$200,00). Atento à decisão do Supremo Tribunal Federal no R.E 580.9631PR, excluo do cálculo da renda mensal "per capita" um dos benefícios previdenciários recebidos pela genitora da autora. Destarte, a renda mensal por cabeça do núcleo familiar é de meio salário mínimo. Conjugando-se a renda mensal "per capita" com as condições socioeconômicas descritas no Estudo Social, verifica-se que autora não se encontra em situação de miserabilidade, a justificar a intervenção da Assistência Social. A propósito, a Assistência Social é subsidiária, devendo atuar na hipótese de a família, por ser desvalida, não ter condição de garantir vida digna ao parente incapaz.”
De fato, o estudo social (ID 106544361 – pág. 100/104), elaborado em 06.02.2014, revela que a parte autora reside com sua mãe, em casa própria há mais de 27 anos. A casa é simples e modesta, construída com material de 2° categoria, com pintura gasta pelo tempo, necessitando de alguns reparos e manutenção. É coberta com telha romana, forrada com madeira e de piso frio. Composta por sete cômodos pequenos, sendo: uma sala, três quartos, um banheiro, uma copa, uma cozinha, pequena área de serviço e quintal. A mobília da casa é simples, antiga, porém bem conservada. Na ocasião da visita a casa estava limpa e organizada. Nos fundos em casa separada, reside a irmã casada.
A renda da casa advém da aposentadoria e da pensão da mãe da autora no valor de um salário mínimo cada, totalizando dois salários mínimos (R$ 1.448,00).
Informaram despesas com energia elétrica (R$ 45,00), água (R$ 35,00) alimentação, gás, material de higiene e limpeza (R$ 500,00), vestuário é difícil comprar, medicamentos (200,00), quando não são todos fornecidos pela Coordenadoria de Saúde do município. Não possuem outras despesas, totalizando R$ 780,00.
Depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas. Nesse sentido, nota-se a ausência de informação acerca de gastos extraordinários com alimentação especial ou tratamento médico.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, devendo ser observada, se for o caso, a suspensão da exigibilidade prevista no § 3º do artigo 98 daquele Codex.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
