Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5569536-43.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
11/08/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 14/08/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5569536-43.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARIA ELZA DE AZEVEDO
Advogados do(a) APELANTE: VANDIR JOSE ANICETO DE LIMA - SP220713-A, QUERIA
CRISTINA DUARTE - SP335169-N, ALINE DA SILVA DUTRA - SP361992-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5569536-43.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARIA ELZA DE AZEVEDO
Advogados do(a) APELANTE: VANDIR JOSE ANICETO DE LIMA - SP220713-A, QUERIA
CRISTINA DUARTE - SP335169-N, ALINE DA SILVA DUTRA - SP361992-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de
deficiência.
A sentença, prolatada em 11.12.2018, julgou o pedido improcedente nos termos que seguem:
"Ante o exposto, resolvo o mérito do processo (NCPC, art. 487, I) e JULGO IMPROCEDENTE o
pedido ajuizado por Maria Elza de Azevedo em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS, todos qualificados. CONDENO a parte vencida ao pagamento de honorários aos
advogados da parte vencedora (NCPC, art. 85, caput), os quais fixo em 10% do valor atualizado
da causa (NCPC, art. 85, § 2º, I a IV; § 3º, I; § 4º, III; § 6º). Em razão da gratuidade, as
obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade
(NCPC, art. 98, § 3º). Requisite-se, via sistema AJG, o pagamento dos honorários periciais
referentes ao estudo social e à perícia médica realizados, no valor de R$ 400,00 para cada um
(Res. CJF nºs. 541 e 558/07; e Comunicado CG nº 1153/15 e Provimento CG nº 42/13), caso
ainda não providenciado. Publique-se. Intimem-se. Com o trânsito em julgado, arquivem-se
(61615). Ciência ao MP”
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a
concessão do benefício assistencial.
Sem contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5569536-43.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARIA ELZA DE AZEVEDO
Advogados do(a) APELANTE: VANDIR JOSE ANICETO DE LIMA - SP220713-A, QUERIA
CRISTINA DUARTE - SP335169-N, ALINE DA SILVA DUTRA - SP361992-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar
configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a
concessão do benefício. Confira-se:
“Todavia, sem descurar das ponderações acima, "o requisito da miserabilidade não pode ser
analisado tão somente levando-se em conta o valor per capita e a famigerada situação de "renda
zero", sob pena de nos depararmos com decisões completamente apartadas da realidade.
Destarte, a ausência, ou presença, desta condição econômica deve ser aferida por meio da
análise de todo o conjunto probatório" (TRF3 - 7ª Turma, Rel. Des. Fed. Carlos Delgado, AC
0033003-72.2015.4.03.9999/SP, j. de 24/10/2016, grifei). Tecidas estas considerações e
cotejando-se o estudo social realizado, entendo não demonstrada a situação de miserabilidade,
prevista no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93. Cumpre ressaltar que o benefício “possui caráter
nitidamente assistencial, devendo ser destinado somente àquele que dele necessita e comprova
a necessidade” e “não cumpre com a função de complementar a renda familiar, visto que o seu
fim precípuo é o de proporcionar as mínimas condições necessárias para a existência digna do
indivíduo” (TRF3 - 7ª Turma, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, AC 0019447-66.2016.4.03.9999/SP,
j. de 10/10/2016, grifei). Inclusive, “(...) não é via alternativa àqueles que permaneceram, ao longo
da vida laborativa, à margem do Regime Geral da Previdência Social” (TRF3 - 7ª Turma, Rel.
Des. Fed. Carlos Delgado, AC 0033254-90.2015.4.03.9999/SP, j. de 21/11/2016, grifei).
Conforme lições do ilustre Desembargador Federal Carlos Delgado: “É preciso que reste claro ao
jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é auxílio que deve ser
prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas
situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de
quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador
para a livre interpretação do Poder Judiciário. Ciente está este julgador de que, infelizmente,
grande parte dos trabalhadores de nosso país não possui qualificação técnica regular, em sua
imensa maioria provenientes das classes mais humildes da população, e, portanto, não têm
efetivas condições de competir no mercado de trabalho. Esta dolorosa situação resulta de uma
ineficiente política educacional levada a efeito pelo Estado, que não fornece educação que atenda
níveis mínimos de qualidade, demonstrando o desinteresse estatal na preparação de seus
trabalhadores para competição no atual mercado de trabalho, que vem se tornando cada vez
mais exigente. Entretanto, o benefício assistencial da prestação continuada não existe para a
correção deste tipo de mazela, mas sim para auxiliar a sobrevivência das pessoas portadoras de
impedimento de longo prazo, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou psíquicas para o
trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento. O dever,
portanto, é, em primeiro lugar, da família. Repito que o benefício em questão, que independe de
custeio, não se destina à complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do
julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de
miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer”
(TRF3 - 7ª Turma, AC 0039928-02.2006.4.03.9999/SP, de 05/12/2016, grifei). Como se não
bastasse, “os elementos constantes dos autos apontam no sentido da existência de parentes
próximos com capacidade financeira para auxiliar no sustento da autora, cabendo considerar que
(...) a atuação estatal possui caráter supletivo, conforme, ademais, dispõem os artigos 1.694,
1.695 e 1.696 do Código Civil” (TRF3 - 7ª Turma, Rel. Des. Fed. Carlos Delgado, AC 0023269-
97.2015.4.03.9999/MS, j. de 05/12/2016, grifei). Portanto, a improcedência é de rigor.”
De fato, o estudo social (ID 55753028), elaborado em 30.09.2018, revela que a parte autora
reside com seu esposo, João Pinheiro de Azevedo, 64 anos, autônomo em uma casa simples,
alugada, composta por três quartos, sala, cozinha e banheiro, em uma propriedade rural, espaço
amplo, porém com pouco conforto, sem laje e chão tipo vermelhão e forro de PVC, guarnecido de
todos os móveis, simples, porém bem organizados.
A renda da casa advém do salário do esposo da requerente, como autônomo (fretes), um valor
variável entre R$ 1.200 a R$ 1.500 por mês.
Informaram despesas com aluguel R$ 400,00, energia elétrica R$ 170,00, medicamentos cerca
de R$ 300,00, totalizando cerca de R$ 870,00.
Depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de
dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não
estejam sendo supridas. Nesse sentido, nota-se a ausência de informação acerca de gastos
extraordinários com alimentação especial ou tratamento médico.
Tem-se ainda que a autor possui duas filhas com vida independente, que em caso de urgência
podem e devem socorrê-la.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a
concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por
seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do
CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de
advogado arbitrados na sentença em 2%, devendo ser observada, se for o caso, a suspensão da
exigibilidade prevista no § 3º do artigo 98 daquele Codex.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo
85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor
arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à apelação da parte autora, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
