Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5062348-90.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
24/08/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 27/08/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5062348-90.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: WILLY ELVER FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: DANIELE FRANCISCA BONACHINI REIS BERNARDES -
SP264439-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5062348-90.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: WILLY ELVER FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: DANIELE FRANCISCA BONACHINI REIS BERNARDES -
SP264439-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de
deficiência.
A sentença, prolatada em 05.04.2018, julgou o pedido improcedente nos termos que seguem:
"Posto isso, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por WILLY ELVER FERREIRA em
face do INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL - INSS e condeno a parte autora ao
pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, que arbitro em 10% do
valor da causa atualizado, observando-se o art. 98, § 3º, do CPC. P.R.I.”
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a
concessão do benefício assistencial.
Sem contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5062348-90.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: WILLY ELVER FERREIRA
Advogado do(a) APELANTE: DANIELE FRANCISCA BONACHINI REIS BERNARDES -
SP264439-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar
configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a
concessão do benefício. Confira-se:
“Em que pese a perícia médica realizada tenha concluído pela incapacidade total e permanente
da parte autora, o estudo social revelou que o requerente reside em companhia da mãe e da irmã
Anne Caroline. Atualmente reside na casa de sua mãe, de laje, que possui 07 cômodos: sala,
cozinha, quarto, banheiro, lavanderia e varanda, com móveis simples e servida pela rede de água
e esgoto. Sua genitora trabalha na Prefeitura Municipal de Gabriel Monteiro e possui renda
mensal de R$ 937,00. Já a irmã Anne Caroline trabalha em uma fábrica de sapatos e recebe um
salário de R$ 937,00. Além disso, o requerente recebe uma pensão de seu genitor, no valor de
R$ 530,00 (estudo social de fls. 105/106). Entende-se como família o conjunto de pessoas
elencadas no artigo 16 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo
teto (parágrafo primeiro do art. 20 da Lei 8.742/93). Não se verifica, pela leitura do estudo social
realizado, o estado de miserabilidade da parte autora. Observe-se, contudo, que o Supremo
Tribunal Federal, na Reclamação (RCL) 4374 e, sobretudo, nos Recursos Extraordinários (REs)
567985 e 580963 (ambos com repercussão geral), em 17 e 18 de abril de 2013, reconheceu
superado o decidido na ADI 1.232-DF, de tal modo que o critério de renda per capita de ¼ do
salário mínimo não é mais aplicável, motivo pelo qual a miserabilidade deverá ser aferida pela
análise das circunstâncias concretas do caso analisado (à míngua de novo critério normativo).
Aliás, esse já era o entendimento que vinha sendo consagrado pela jurisprudência, como se pode
notar no julgamento do REsp 314264/SP pelo Superior Tribunal de Justiça, 5ª Turma, Rel. Min.
Félix Fischer, j. 15/05/2001, v.u., DJ 18/06/2001, p. 185, afirmando que "o preceito contido no art.
20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não é o único critério válido para comprovar a condição de
miserabilidade preceituada no artigo 203, V, da Constituição Federal. A renda familiar per capita
inferior a ¼ do salário mínimo deve ser considerada como um limite mínimo, um quantum
objetivamente considerado insuficiente à subsistência do portador de deficiência e do idoso, o que
não impede que o julgador faça uso de outros fatores que tenham o condão de comprovar a
condição de miserabilidade da família do autor". No mesmo sentido, também no STJ, vale
mencionar o decidido nos EDcl no AgRg no REsp 658705/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Felix
Fischer, j. 08/03/2005, v.u., DJ 04/04/2005, p. 342, e ainda o teor do REsp 308711/SP, Sexta
Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 19/09/2002, v.u., DJ 10/03/2003, p. 323. De qualquer
forma, a dificuldade financeira enfrentada pela família da parte autora é a mesma dificuldade
inerente à maioria da população brasileira, não se vislumbrando sofrimento excessivo a
recomendar a concessão de amparo assistencial. Embora seja incabível a exigência relativa à
renda “per capita” (§3º, do artigo 20, da Lei 8.742/93), serve ela como parâmetro para se avaliar o
grau de miserabilidade do postulante. De outro lado, a ausência de prova de qualquer um dos
requisitos para a concessão do benefício assistencial, implica o indeferimento do pleito. No
presente caso, não estando demonstrada a condição de miserabilidade, a parte autora não faz jus
ao benefício assistencial preconizado pelo artigo 203, inciso V, da Constituição Federal.”
De fato, o estudo social (ID 7291354), elaborado em 05.09.2017, revela que a parte autora, 20
anos na data do laudo, reside com sua mãe, Iris Ferreira, e uma irmã, Anne Caroline Ferreira,
maior de idade, na casa da mãe que é dividida em 7 cômodos , sendo: sala, cozinha, quarto,
banheiro, lavanderia e varanda, contém móveis simples como: sofá, estante, 2 televisor 20
polegadas cubo, uma cama de casal, três guarda roupas, 2 camas de solteiro, mesa com seis
cadeiras, geladeira, fogão, armário, micro ondas, tanquinho e máquina de lavar. A casa é de laje
todos os cômodos, rede de água e esgoto, a rua é asfaltada e próxima da Unidade de Saúde.
A renda da casa advém do salário da mãe, como auxiliar odontológico na Prefeitura Municipal de
Gabriel Monteiro, no valor de R$ 937,00; da irmã que trabalha em fábrica de calçados, no valor de
R$ 937,00 e da pensão que o autor recebe do pai no valor de R$ 530,00, totalizando R$ 2.204,00.
No estudo social não foi informado gasto em relação a consumo.
Em consulta ao Sistema CNIS (ID 90298271) juntado pelo MPF, consta que a parte autora está
empregada desde 02.04.2018 com remuneração de R$ 998,00 (competência 07/2019), sua mãe
auferindo renda de R$ 1.247,50 e sua irmã com salário de R$ 1.160,87.
Depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de
dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não
estejam sendo supridas. Nesse sentido, nota-se a ausência de informação acerca de gastos
extraordinários com alimentação especial ou tratamento médico.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a
concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por
seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do
CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de
advogado arbitrados na sentença em 2%, devendo ser observada, se for o caso, a suspensão da
exigibilidade prevista no § 3º do artigo 98 daquele Codex.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo
85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor
arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à apelação da parte autora, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
