Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5690627-03.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
09/09/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 14/09/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5690627-03.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: R. R. M.
REPRESENTANTE: PATRICIA RUSSO MOIA
Advogado do(a) APELANTE: HELEN CARLA SEVERINO - SP221646-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5690627-03.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: R. R. M.
REPRESENTANTE: PATRICIA RUSSO MOIA
Advogado do(a) APELANTE: HELEN CARLA SEVERINO - SP221646-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de
deficiência.
A sentença, prolatada em 20.07.2018, julgou o pedido improcedente nos termos que seguem:
"Diante do exposto JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por RAPHAEL RUSSO MOIA,
menor representado pela genitora, PATRÍCIA RUSSO MOIA, em face do INSTITUTO NACIONAL
DO SEGURO SOCIAL - INSS, extinguindo o processo, nos moldes do artigo 487, inciso I, do
Novo Código de Processo Civil. No caso, considerando o valor da causa muito baixo para fins de
fixação de honorários, fixo-os por apreciação equitativa, nos moldes do artigo 85, § 8º, NCPC.
Assim, ante a sucumbência, condeno o autor ao pagamento de custas e despesas processuais,
bem como de honorários advocatícios, que ora fixo em R$ 800,00 (oitocentos reais), observando-
se o disposto no artigo 98, § 3º, do NCPC. Ciência ao Ministério Público. P.R.I.C.”
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a
concessão do benefício assistencial.
Sem contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5690627-03.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: R. R. M.
REPRESENTANTE: PATRICIA RUSSO MOIA
Advogado do(a) APELANTE: HELEN CARLA SEVERINO - SP221646-N,
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar
configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a
concessão do benefício. Confira-se:
“E, no caso, observa-se da documentação constante dos autos, que o autor não vive em
condições de miserabilidade. O relatório social informou que o autor reside juntamente com seus
genitores em um imóvel cedido pela avó paterna, de médio porte. Informou, ainda, que as
despesas da família são custeadas com a remuneração mensal recebida pela genitora do autor,
no valor de R$ 1.250,00 e do ticket alimentação, no valor de R$ 500,00, e que também recebe
auxílio da avó paterna para aquisição de gêneros alimentícios. Informou, ainda, que os genitores
optaram por contratar convênio médico para o filho (fls. 110/113). O CNIS em nome da genitora
do autor, encartado a fls. 128/135, mostra que a mesma possui vínculo empregatício e aufere
renda mensal, em valor equivalente a R$ 1.250,00. O CNIS do genitor, por sua vez, mostra que
ele sempre trabalhou, tendo seu último vínculo cessado em setembro de 2016, com remuneração
de R$ 1.395,87, na época. Consta que atualmente ele está desempregado e em tratamento
médico para problema psíquico, nada indicando que ele não terá mais condições de trabalhar.
Assim, considerando o acima exposto, conclui-se que não se trata de família em condições de
miserabilidade.”
De fato, o estudo social (ID 65242802), elaborado em 15.05.2018, revela que a parte autora
reside com sua mãe, Patrícia, 35 anos; seu pai, Marcos, 42 anos e seu irmão, Marcos Miguel, 15
anos, em imóvel cedido pela avó paterna, sendo 03 quartos, 01 sala, 01 cozinha. Apresenta-se
com características simples e localiza-se nos fundos do terreno, sendo que na frente há outro
imóvel, ocupado pela avó paterna do autor.
A renda da casa advém do salário da mãe do autor no valor de R$ 1.250,00 e do Ticket
alimentação no valor de R$ 500,00, totalizando R$ 1.750,00.
Informaram despesas com medicamentos no valor de R$ 687,00, também despesas com energia
elétrica, água, gás e convênio médico do autor (sem mencionar valores). Recebem ajuda da avó
paterna com gêneros alimentícios.
A perita social emitiu parecer favorável, considerando que necessitam de ajuda da avó paterna
para complementação de alimentos e cessão do imóvel.
Entretanto, depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de
dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não
estejam sendo supridas. Nesse sentido, nota-se a ausência de informação acerca de gastos
extraordinários com alimentação especial ou tratamento médico.
Consta ainda que o genitor da parte autora, 42 anos, no momento desempregado e em
tratamento psiquiátrico, nada indicando que não possa voltar ao mercado de trabalho.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a
concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por
seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do
CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de
advogado arbitrados na sentença em 2%, devendo ser observada, se for o caso, a suspensão da
exigibilidade prevista no § 3º do artigo 98 daquele Codex.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo
85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor
arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à apelação da parte autora, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
