Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5005965-24.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
30/11/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/12/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5005965-24.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: BRUNA CORREIA TEODORO
Advogado do(a) APELANTE: SILVANA DE CARVALHO TEODORO ZUBCOV - MS5547-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5005965-24.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: BRUNA CORREIA TEODORO
Advogado do(a) APELANTE: SILVANA DE CARVALHO TEODORO ZUBCOV - MS5547-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de
deficiência.
A sentença, prolatada em 10.12.2019, julgou o pedido improcedente nos termos que seguem:
"ISSO POSTO, com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo improcedente o
pedido formulado na inicial. Condeno a autora no pagamento das custas e despesas processuais,
bem como dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), com fulcro no art.
20, § 4º, do Código de Processo Civil, ficando suspensa a exigibilidade em razão do disposto no
art. 12 da Lei n. 1.060/50, tendo em vista o benefício da assistência judiciária gratuita concedido.
Requisite-se o pagamento dos honorários periciais fixados à f. 23. Publique-se. Registre-se.
Intimem-se."
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a
concessão do benefício assistencial.
Sem contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5005965-24.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: BRUNA CORREIA TEODORO
Advogado do(a) APELANTE: SILVANA DE CARVALHO TEODORO ZUBCOV - MS5547-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o
pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar
configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a
concessão do benefício. Confira-se:
“A propósito, retira-se do laudo social que a família (que vive sob o mesmo teto) é composta pela
autora e seus genitores, sua irmã (25 anos), e a sobrinha (06 anos). Consta no relatório que a
renda da família provém somente do trabalho do pai da autora, no valor de R$ 1.643,00 (um mil
seiscentos e quarenta e três reais). Outrossim, entendo que o critério de miserabilidade não
restou preenchido, pois o fato da mãe da autora, de 39 anos de idade, e de sua irmã, com 25
anos, estarem desempregadas, o que, por certo, traz pro núcleo familiar uma certa dificuldade
financeira, não é capaz de acarretar a concessão do benefício, o qual não é fonte de
complemento de renda familiar. Lembre-se que o benefício de prestação continuada, por não
depender de contraprestação financeira do beneficiário, tem natureza assistencial e, portanto,
deve ser destinado aos verdadeiramente vulneráveis, o que não é o caso dos autos. Outrossim,
conforme consta no laudo pericial e no laudo de f. 18 a autora possui obesidade mórbida, e
necessita de dieta especial, com tratamento psicológico e cirúrgico, os quais são disponibilizados
pelo SUS (nutricionista e psicólogo de forma imediata). Assim, não caracterizada a situação de
miserabilidade, tenho que a improcedência do pedido é medida que se impõem.”
De fato, o estudo social (ID 140391823 – pág. 60/65), elaborado em 22.02.2018, revela que a
parte autora, 22 anos, reside com seu pai, Carlito Cordeiro, 49 anos, sua mãe, Lucilene Correia,
39 anos, sua irmã, Beatriz Correia, 25 anos e sua sobrinha, Emily, 6 anos, em imóvel próprio
edificada em alvenaria, com pintura, modesta, oferece satisfatória acomodação para seus
moradores. É coberta em telhas de cerâmica, com forro na sala e dormitórios, chão de cimento
queimado com rachaduras e piso apenas na varanda frontal. O ambiente interno é composto por
02 dormitórios, 01 sala, 01 cozinha e 01 banheiro, ambiente externo conta com 02 varandas,
sendo 01 com área de serviço. O quintal é amplo e todo em areia, parte murado e parte cercado
nas laterais e fundos. Contam com mobília, utensílios e eletrodomésticos basilares, em razoável
estado de conservação e parcialmente suficientes ao conforto da família. A casa é abastecida
pelos serviços de água encanada e energia elétrica, não contando com rede de esgoto, somente
fossa séptica. É beneficiada pelo sistema público de coleta de resíduos sólidos e não possui
pavimentação asfáltica. Não possuem outros bens.
A renda da casa advém do salário do genitor da autora no valor de (R$ 1.643,00), da pensão
paga pelo genitor de Emily no valor de (R$ 160,00), dos cadastros do Bolsa Família de Bruna (R$
80,00) e Lucilene (R$ 170,00), totalizando R$ 2.053,00. A cada três meses recebem doação de
carne do proprietário da fazenda onde Carlito trabalha.
Informaram despesas com água (R$42,70), luz (R$50,80), alimentos, produtos de higiene e
limpeza (R$800,00), recarga de botijão de gás (R$83,00), medicamentos (R$50,00), cartões de
créditos para celulares (R$80,00), internet (50,00) e esporadicamente vestuário, totalizando R$
1.156,50.
A perita social emitiu parecer conforme ora transcrevo:
“O núcleo familiar em que a autora se encontra inserida estão assistidos por moradia própria e se
mantém modestamente dentro de suas possibilidades financeiras, não vivenciando
continuamente dificuldades para custearem as despesas basilares, mas qualquer despesa
adicional os vulnerabiliza por falta de condições, a exemplo de realização de tratamentos saúde,
uma vez que o município não dispõe de várias especialidades médicas, nem doa gratuitamente
todos os medicamentos que fazem uso, bem como os produtos que compõem a dieta nutricional
prescrita a autora. Também não reúnem condições para reformar e/ou ampliar a casa e
adquirirem móveis, para melhor acomodação dos moradores. Desse modo, a autora depende
financeiramente de seu genitor para se manter e tem que conviver dentro das condições
socioeconômicas que lhe são colocadas. Entretanto, lembramos que os resultados descritos
referem-se aos aspectos socioeconômicos e familiares nesse momento, não podendo ser
considerados estanques ou imutáveis.”
Em que pese a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há evidência de que as
necessidades básicas do autor não estejam sendo supridas. Nesse sentido, apura-se que a
família vive em imóvel próprio que oferece o abrigo necessário, e não havendo comprovação da
existência de despesas extraordinárias essências à manutenção da vida da autora, conclui-se,
que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de
sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993
Consta ainda que o grupo conta com elementos jovens e aptos ao trabalho.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos
autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a
concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por
seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do
CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de
advogado arbitrados na sentença em 2%, devendo ser observada, se for o caso, a suspensão da
exigibilidade prevista no § 3º do artigo 98 daquele Codex.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo
85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor
arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na
sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese
prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à apelação da parte autora, nos termos do relatório
e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
