
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5304446-38.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: APOLINARIO FERREIRA COUTINHO
Advogado do(a) APELANTE: LOURDES LOPES FRUCRI - SP304763-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5304446-38.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: APOLINARIO FERREIRA COUTINHO
Advogado do(a) APELANTE: LOURDES LOPES FRUCRI - SP304763-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 24.04.2020, julgou improcedente o pedido inicial sob o fundamento de que não foi preenchido o requisito de miserabilidade, nos termos que seguem: “Dessa forma, em vista do exposto e do mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão ajuizada por APOLINARIO FERREIRA COUTINHO em face do INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL INSS, e extingo o processo, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil. Diante da sucumbência da parte autora, condeno-a ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios da parte contrária que, à falta de condenação, fixo, por equidade (art. 20, parágrafo 4 °, CPC), em trezentos e cinquenta reais, corrigidos pela tabela prática do Tribunal de Justiça, a partir da data desta sentença. Por ser a parte autora beneficiária da gratuidade da justiça, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado desta decisão, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário (CPC, artigo 98, §§ 2º e 3º). Na forma do disposto no artigo 496, § 3º, inciso I, do Código de Processo Civil, não se aplica na hipótese, o reexame necessário da matéria. As unidades judiciárias estão dispensadas do cálculo e da indicação do valor do preparo recursal, cabendo à parte apelante as providências necessárias (Comunicado CG nº 916/2016 - Processo CG nº 2015/65007). Nos termos do artigo 304, das NSCGJ, fica dispensado o registro da sentença, a elaboração do livro próprio e a certidão, uma vez que cadastrada no sistema informatizado oficial e com assinatura digital. Anote-se na movimentação unitária, afixando a tarja referente à prolação da sentença e intimem-se. Oportunamente, arquivem-se.”
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a concessão do benefício.
Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento da apelação da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5304446-38.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: APOLINARIO FERREIRA COUTINHO
Advogado do(a) APELANTE: LOURDES LOPES FRUCRI - SP304763-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a concessão do benefício.
Confira-se:
“E conforme consta nos autos, às fls. 501/517, o autor, mora com sua cônjuge, que percebe um salário mínimo pelo benefício de assistência continuada. Dessa forma, o montante de um salário mínimo deve ser dividido por apenas duas pessoas, tornando patente que a renda per capita da família do autor é superior à quarta parte do salário mínimo. Ademais, não há que se falar em miserabilidade considerando que o autor não possui gastos com habitação e possui um veículo próprio (VW/FOX). Não há que se falar em comprometimento de grande parte da verba com medicamentos, eis que a própria perita apurou um gasto mensal de R$ 200,00 (duzentos reais) com remédios. Destarte, o benefício é indevido, pois ele agracia pessoas idosas ou deficientes em estado de miserabilidade, o que não é o caso, eis que o valor percebido é superior ao limite legal e mais do que suficiente para suprir os gastos familiares apesentados pela perícia social.”
O estudo social (ID 139454380), elaborado em 26.11.2019, revela que a parte autora reside com sua cônjuge, Nilza de oliveira Coutinho, 54 anos, em imóvel cedido a três anos. Sobrado, de alvenaria, situada no piso superior, com área nos fundos e pintura desgastada. É composta por cinco cômodos, ou seja, dois quartos, uma sala, uma cozinha e um banheiro. Próximo dos equipamentos públicos, localizada no centro da cidade. É equipada com eletrodomésticos de uso essencial, compatível com a realidade. Possui rede de esgoto e asfalto. Possuem um veículo VW/FOX.
Quanto à renda familiar, consta que a Sra. Nilza recebe benefício assistencial no valor de R$ 998,00.
As despesas relatadas foram: Água R$ 44,05; Luz R$ 78,54; Alimentação R$ 400,00; Gás R$ 80,00; Remédio R$ 200,00 e outros R$ 150,00 totalizando R$ 952,59. Recebem ajuda da Igreja.
Em que pese a existência de eventuais dificuldades financeiras, não há evidência de que as necessidades básicas do autor não estejam sendo supridas. Nesse sentido, apura-se que a família vive em imóvel que oferece o abrigo necessário, e não havendo comprovação da existência de despesas extraordinárias essências à manutenção da vida do autor, conclui-se, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993
Tem-se ainda que o autor possui dois filhos com vida independente, que em caso de urgência podem e devem socorrê-lo.
Depreende-se da leitura do estudo social que não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas e, nesse sentido, ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
