
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5166301-02.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: JOSEFA VIANA MORAES
Advogados do(a) APELANTE: PAMELA CAROLINA FORMICI - SP390740-N, HUBSILLER FORMICI - SP380941-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5166301-02.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: JOSEFA VIANA MORAES
Advogados do(a) APELANTE: PAMELA CAROLINA FORMICI - SP390740-N, HUBSILLER FORMICI - SP380941-N
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença, prolatada em 19.09.2018, julgou improcedente o pedido inicial sob o fundamento de que não foi preenchido o requisito de miserabilidade, nos termos que seguem: “Ante o exposto e considerando tudo mais que do processo consta, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação, condenando a autora ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% do valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §2º do Código de Processo Civil. Tal condenação fica adstrita ao preceituado no artigo 98, §3º, do Código de Processo Civil. P. I. C.”
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a concessão do benefício.
Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento da apelação da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5166301-02.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: JOSEFA VIANA MORAES
Advogados do(a) APELANTE: PAMELA CAROLINA FORMICI - SP390740-N, HUBSILLER FORMICI - SP380941-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a concessão do benefício.
Confira-se:
“No caso em exame, em que pese restar demonstrado que a autora é idosa e preenche o requisito idade, tem-se que a condição financeira da família do mesma impede a concessão do benefício do amparo social. Evidente que a requerente vive de forma simples e apenas com os recursos básicos para sobreviver. Entretanto, as condições sócio-econômicas da família não indicam que seja o caso de concessão de amparo social. O relatório do estudo social aponta que a autora vive em companhia de seu esposo e de um filho, em residência própria com 3 quartos e que renda familiar é proveniente da aposentadoria percebida pelo seu marido. Neste sentido, os documentos de fls. 29 e 87 demonstram que a aposentadoria percebida pelo esposo da autora Osmar Moraes é de R$ 2.489,21, do que se concluiu que a renda mensal “per capita” é superior a ¼ do salário mínimo. Ademais, a prova oral colhida demonstrou que a família possui automóvel, o que corrobora com o relatório do estudo social que elenca gasto da família com combustível. Dessa forma, reputo que, apesar da difícil situação econômica vivida pela autora e sua família, os recursos financeiros são suficientes para a manutenção do lar, não sendo caso de concessão de amparo social.”
O estudo social (ID 124616464), elaborado em 09.04.2018, revela que a parte autora reside com seu esposo, Sr. Osmar Moraes, aposentado, 74 anos e seu filho, Admilson Moraes, 47 anos, desempregado, em imóvel próprio, murado e simples. A moradia dispõe de três dormitórios, sala, cozinha, banheiro com móveis básicos. No fundo há uma edícula, habitada pela família da sobrinha do casal, não pagam aluguel, não gerando renda. O imóvel é beneficiado por asfalto, rede de esgoto, água e energia elétrica.
Quanto à renda familiar, o extrato do Sistema Único de Benefício DATAPREV (ID 124616488) consta que o marido da parte autora recebe aposentadoria no valor de R$ 2.489,21.
As despesas relatadas são: água R$ 130,00; Energia R$ 130,00; Gás R$ 75,00; Plano telefônico R$ 55,00; Farmácia R$ 50,00; Telefone R$ 39,90; Combustível R$ 200,00; Empréstimos R$ 746,70; Alimentação R$ 700,00, totalizando R$ 2086,70.
Foi produzida prova testemunhal (ID 124616523) que por si só não constitui prova suficiente para reconhecimento da existência de miserabilidade alegada.
A testemunha Santina da Rocha Bueno informa ser vizinha da parte autora; perguntada se a casa da autora é própria respondeu que moram em casa própria e possuem um carro; perguntada respondeu ainda que sabe que o marido da parte autora é aposentado e o filho está desempregado; perguntada respondeu que a parte autora passa por dificuldade financeira e quando pode ajuda com saco de arroz e açúcar.
A testemunha Maria de Lourdes Silva Rodrigues alega ser vizinha da parte autora há dez anos; perguntada respondeu que a parte autora mora com o marido e o filho. Perguntada, respondeu que a parte autora passa por dificuldades financeiras e que ajuda, quando pode, com arroz, feijão e óleo.
Tem-se ainda que a autora possui filho, com vida independente, que em caso de urgência pode e deve socorrê-la.
Depreende-se da leitura do estudo social que não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas e, nesse sentido, ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparado pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
