
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5378438-32.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARLI APARECIDA PAINCO
Advogados do(a) APELANTE: LARISSA BORETTI MORESSI - SP188752-A, GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5378438-32.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARLI APARECIDA PAINCO
Advogados do(a) APELANTE: LARISSA BORETTI MORESSI - SP188752-A, GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença, prolatada em 16.06.2020, julgou o pedido improcedente nos termos que seguem: "Ante o exposto e o mais que dos autos constam, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por MARLI APARECIDA PAINÇO em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL INSS e, por conseguinte, JULGO EXTINTO o feito com resolução de mérito nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Em razão da sucumbência, condeno a autora ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado dado à causa, nos termos do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil, observando-se o artigo 98, §3º, do Código de Processo Civil. Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, procedendo-se as anotações e comunicações de praxe. P.I.."
Apela a parte autora alegando para tanto que preenche os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial. Prequestiona, a expressa manifestação a respeito das normas legais e constitucionais aventadas.
Sem contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso da parte autora.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5378438-32.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: MARLI APARECIDA PAINCO
Advogados do(a) APELANTE: LARISSA BORETTI MORESSI - SP188752-A, GUSTAVO MARTIN TEIXEIRA PINTO - SP206949-N, CASSIA MARTUCCI MELILLO BERTOZO - SP211735-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base nos elementos contidos no estudo social, tendo se convencido não restar configurada a condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a concessão do benefício. Confira-se:
“No que tange ao relatório socioeconômico elaborado às fls. 168/172 pela Sra. Assistente Social, este foi conclusivo no sentido de que o núcleo familiar é constituído pela autora e seu cônjuge, sendo que a requerente não possui renda, mas a tem suprida pelo núcleo familiar com renda mensal aproximada de R$1.200,00 (mil e duzentos reais), do trabalho de pedreiro exercido pelo marido da autora, como autônomo, tendo como renda per capita familiar o valor de R$600,00 (seiscentos reais), sendo, portanto, superior a ¼ do salário mínimo vigente e, os gastos mensais da família são: R$62,54 com luz, R$45,37 com água, R$100,00 com medicamentos, R$500,00 com alimentação, R$70,00 com gás de cozinha, R$35,00 com IPTU, R$385,00 com prestação de veículo e R$250,00 com combustível. Concluiu, ainda, que a família reside em casa própria, edificada em alvenaria, coberta com telhas de fibrocimento, com laje, piso de cerâmica, composta por dois quartos, uma sala, uma cozinha e um banheiro, em bom estado de higiene e organização, sendo que os móveis que compõem a residência são básicos, simples e estão em condições regulares de uso e conservação. (...). Ademais, a renda per capta da família ultrapassa e muito ½ (meio) salário mínimo mensal, apesar da autora haver declarado que seu marido possui renda mensal de R$1.200,00, tal fato não condiz com a realidade já que os gastos mensais ultrapassam a quantia de R$1.440,00, conforme também declaração da autora no estudo social realizado às fls. 168/172. Nesse passo, a autora não faz jus ao benefício pleiteado, uma vez que, embora não possa exercer trabalho remunerado, sua família ostenta condições para prover as suas necessidades básicas, não havendo, assim, que se falar em vulnerabilidade socioeconômica, requisito necessário para a concessão do benefício ora em apreço. Deste modo, verifica-se que a autora não preenche o requisito atinente a miserabilidade, não fazendo jus ao benefício pleiteado. ”
De fato, o estudo social (ID 149508907), elaborado em 09.10.2018, revela que a parte autora reside com seu cônjuge, Mauro Painço, em casa própria, edificada em alvenaria, com telhado de fibrocimento, forro de madeira e piso de cerâmica, composta por 2 (dois) quartos, 1 (uma) sala,1 (uma) cozinha e 1 (um) banheiro em bom estado de higiene e organização. Os móveis que compõem a residência são básicos, simples e estão em condições regulares de uso e conservação. O imóvel fica em bairro periférico, a rua é pavimentada, possui água encanada, energia elétrica e esgoto regulares. Possui infraestrutura de serviços públicos próximos, como Escola e Unidade de Saúde.
A renda da casa advém do trabalho autônomo de pedreiro, do Sr. Mauro no valor de aproximadamente R$ 1.200,00.
Informaram despesas com água R$ 45,37; luz R$ 62,54; medicamentos aproximadamente R$ 100,00; alimentação R$ 500,00; gás R$ 70,00; IPTU R$ 35,00; prestação do veículo R$ 385,00 e combustível R$ 250,00 totalizando aproximadamente R$ 1.447,91.
A perita social emitiu parecer, conforme ora transcrevo:
“Com base na exposição dos fatores socioeconômicos utilizados para análise, constata-se que a requerente não possuí meios de prover sua subsistência, mas pode de tê-la provida por seu cônjuge, situação não condizente com o art.20 da Lei 8.742/93 onde diz que “O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 65 anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família”. Considerando a estrutura socioeconômica descrita acima, o parecer não é favorável à concessão do Benefício de Prestação Continuada a Marli Aparecida Painço, sujeito da nossa ação profissional do processo de estudo social. É o que tenho a relatar. ”
Depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não estejam sendo supridas. Nesse sentido, nota-se a ausência de informação acerca de gastos extraordinários com alimentação especial ou tratamento médico.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico, mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Verifica-se, assim, que o MM. Juiz sentenciante julgou de acordo com as provas carreadas aos autos e não comprovada a condição de miserabilidade, pressuposto indispensável para a concessão do benefício, de rigor a manutenção da sentença de improcedência do pedido por seus próprios fundamentos.
Considerando o não provimento do recurso, de rigor a aplicação da regra do §11 do artigo 85 do CPC/2015, pelo que determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, devendo ser observada, se for o caso, a suspensão da exigibilidade prevista no § 3º do artigo 98 daquele Codex.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação da parte autora e, com fulcro no §11º do artigo 85 do Código de Processo Civil, majoro os honorários de advogado em 2% sobre o valor arbitrado na sentença, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Sucumbência recursal. Honorários de advogado majorados em 2% do valor arbitrado na sentença. Artigo 85, §11, Código de Processo Civil/2015. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação da parte autora não provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
