Processo
ApReeNec - APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO / SP
5564465-60.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
29/01/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 04/02/2020
Ementa
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do
artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação do INSS provida.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº5564465-60.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLEIDE MARIA GOMES GEMIGNANI
Advogado do(a) APELADO: ALTEVIR NERO DEPETRIS BASSOLI - SP160800-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº5564465-60.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLEIDE MARIA GOMES GEMIGNANI
Advogado do(a) APELADO: ALTEVIR NERO DEPETRIS BASSOLI - SP160800-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada
(LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal.
A sentença, prolatada em 1812.2018, julgou procedente o pedido nos termos que seguem: “
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por CLEIDE MARIA GOMES
GEMIGNANI em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, condenando o
requerido à implantação do benefício de assistência social à pessoa idosa no valor de um salário
mínimo. O benefício, mensal, deverá ser calculado de acordo com a legislação vigente e é devido
a partir da propositura desta demanda. As prestações vencidas deverão ser pagas devidamente
atualizadas na forma estabelecida pelo manual de cálculos judiciais da Justiça Federal e juros
moratórios nos mesmos moldes aplicados à caderneta de poupança, contados da citação.
Sucumbente, condeno-o, por fim, ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% do
valor atribuído à causa. Com reexame necessário. Transitada em julgado, aguarde-se eventual
provocação tendente à execução desta sentença. Publique-se e intime-se.”
Apela o INSS pugnado pela improcedência do pedido inicial, alegando para tanto que não restou
preenchido o requisito de miserabilidade. Nesse sentido argumenta: “A r. sentença de fls. 85/87
condenou o INSS a conceder o benefício assistencial de amparo ao idoso. Data máxima vênia,
merece ser reformada a r. sentença, pois contrária ao ordenamento jurídico vigente. (...) no caso
dos autos, definitivamente não restou demonstrada a condição de miserabilidade da família. Com
efeito, há diversas inconsistências no estudo social. Veja-se. Primeiramente, insta observar que o
marido da autora encontra-se aposentado, e segundo informações apresentadas no laudo
pericial, recebe o valor de R$954,00 por mês, de modo que a renda per capita corresponde a
meio salário mínimo (alerte-se que o estudo social indica que a autora reside somente com o
marido). Ainda, o filho João Manoel é funcionário público, tendo renda superior a 4 mil reais por
mês, podendo, claramente, prestar assistência aos pais. Pesquisa às redes sociais de João
Manoel apontam fotos de viagens e vida incompatível com a dita miserabilidade apontada por
seus pais. Quanto à filha, os autores alegaram que ela ajuda nas despesas da casa, mas não foi
dito nada sobre sua renda. Por fim, o próprio estudo social indica que havia dois automóveis na
residência da autora no momento. Não cabe ao INSS prestar auxílio a cidadãos que detém renda
superior a estabelecida legalmente para o amparo social, para que possam quitar despesas não
essenciais. Sendo assim, não tendo logrado comprovar seu enquadramento na hipótese
constitucional e legal de garantia do benefício, não tem a parte autora direito à prestação
assistencial pretendida, razão pela qual seu pedido deve ser indeferido.”. Subsidiariamente, pede
a reforma da sentença no tocante a correção monetária.
Prequestiona, a expressa manifestação a respeito das normas legais e constitucionais aventadas.
Com contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso.
É o relatório.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO (1728) Nº5564465-60.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLEIDE MARIA GOMES GEMIGNANI
Advogado do(a) APELADO: ALTEVIR NERO DEPETRIS BASSOLI - SP160800-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Considerando que a sentença se enquadra entre as hipóteses de exceção de submissão ao
reexame necessário previstas nos § 3º e 4º do artigo 496 do CPC/2015, restrinjo o julgamento
apenas à insurgência recursal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei
nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Quanto os critérios econômicos necessários para a concessão do benefício assistencial, o artigo
20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou
idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
(Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
A constitucionalidade dessa norma foi questionada na ADI 1.232-1/DF, tendo o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidido pela improcedência do pedido, ao fundamento
que a fixação da renda per capita no patamar de ¼ do salário mínimo sugere a presunção
absoluta de pobreza. Concluiu, contudo, que não é a única forma suscetível de se aferir a
situação econômica da família do idoso ou portador de deficiência.
Posteriormente, a Corte Suprema enfrentou novamente a questão no âmbito da Reclamação
4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconhecendo a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993, decorrente de notórias mudanças
fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos
patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais
por parte do Estado brasileiro).
Restou decidido que a norma é inconstitucional naquilo que não disciplinou, não tendo sido
reconhecida a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência, cabendo
ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial a fim de
suprimir o vício apontado.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de
pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em
se tratando de pessoa idosa ou com deficiência, é através da própria natureza de seus males, de
seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar, nem tampouco entender
que aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo fazem jus obrigatoriamente ao
benefício assistencial ou que aqueles que tenham renda superior não o façam.
Com relação ao cálculo da renda per capita em si, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de
recurso repetitivo REsp 1.355.052/SP, em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo
Tribunal Federal no RE 580.963/PR, definiu que a se aplica, por analogia, a regra do parágrafo
único do artigo 34 do Estatuto do Idos0 (Lei 10.741/03), a pedido de benefício assistencial
formulado por pessoa com deficiência, a fim de que qualquer benefício previdenciário recebido
por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado na sua aferição.
Por fim, entende-se por família, para fins de verificação da renda per capita, nos termos do §1º do
artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.435/2011, o conjunto de pessoas
composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de
um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Contudo, em que pese a princípio os filhos casados ou que não coabitam sob o mesmo teto não
integrarem o núcleo familiar para fins de aferição de renda per capita, nos termos da legislação
específica, não se pode perder de vista que o artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece
que o benefício é devido quando o idoso ou deficiente não puder prover o próprio sustento ou tê-
lo provido pela família. Por sua vez, a regra do artigo 229 da Lei Maior dispõe que os filhos
maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, premissa
também assentada nos artigos 1694 a 1697 da lei Civil.
Depreende-se assim que o dever de sustento do Estado é subsidiário, não afastando a obrigação
da família de prestar a assistência, pelo que, como já dito, o artigo 20, § 3º, da LOAS não pode
ser interpretado de forma isolada na apuração da miserabilidade.
Tecidas tais considerações, no caso dos autos a sentença de primeiro grau julgou procedente o
pedido com base no conjunto probatório apresentado, tendo se convencido restar configurada a
condição de hipossuficiência financeira ou miserabilidade necessárias para a concessão do
benefício. Confira-se:
“Conforme se verifica do documento encartado a págs. 07/08, a autora conta atualmente com
mais de 67 anos de idade, sendo considerado pessoa idosa, razão pela qual o parâmetro para
concessão do benefício pleiteado será a renda “per capita” familiar. Nesse passo, tem-se que o
laudo da assistente social bem informou que a autora vive com parcos recursos provindos da
aposentadoria recebida por seu marido no valor de um salário mínimo, em imóvel simples.
Depende da ajuda dos filhos para complementar as despesas com alimentação e demais
despesas cotidianas. Não há, pois, no âmbito familiar renda suficiente para manutenção da casa,
aquisição de medicamentos e sustento, sendo forçoso reconhecer que a autora deve ser
considerada em situação de vulnerabilidade social. Cabe ressaltar, por fim, que o benefício
previdenciário no valor de um salário mínimo recebido por outro membro da família não deve ser
considerado para composição da renda familiar per capita, conforme se extrai da redação do
artigo 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003, conforme bem asseverou o DD. Representante do
Ministério Público em sua manifestação. Preenchidos, assim, estão os requisitos objetivos e
subjetivos do artigo 203, inciso V da Constituição Federal, posto ter a autora comprovado não
possuir meios de prover sua subsistência ou de tê-la provida por sua família, bem como ser
pessoa idosa. Tal é o que basta para fazer trazer à esfera jurídica o interesse da autora ao
benefício de prestação continuada. ”
O estudo social (ID 55365473), elaborado em 02.11.2018, revela que a parte autora vive com seu
marido, em casa financiada, de alvenaria, dispõe de serviço de energia e água, rede de esgoto,
telha de barro, quintal de cimento, chão piso frio, quatro cômodos pequenos, um banheiro, pintura
conservada, insuficiência de acabamento no local, portas e janelas simples; Mobílias e eletrônicos
simples e de uso diário; Espaço suficiente para abrigar duas pessoas; Residem há doze anos no
local.
Quanto à renda familiar informaram que o marido da autora, David Gemignani, recebe
aposentadoria no valor de um salário mínimo (R$ 954,00).
Relataram despesas com alimentação (R$ 300,00), energia (R$ 90,00), água (R$ 60,00), gás (R$
75,00), Financiamento da casa (R$ 167,82), Plano funerário (R$ 34,00), Empréstimo bancário de
David (R$ 254,00) perfazendo total de R$ 980,82.
Depreende-se da leitura do estudo social que, apesar de não se negar a existência de
dificuldades financeiras, não há indícios de que as necessidades básicas da parte autora não
estejam sendo supridas.
Consta que a autora possui acompanhamento do posto de saúde do bairro, e apesar das
enfermidades que apresenta (hipertensão, varizes, pré diabete, depressão, problemas no braço
esquerdo e insuficiência no olho esquerdo), não necessita de acompanhamento de terceiros.
Por fim, anote-se que a autora possui no total dois filhos (Renata e João Manoel), que em caso
de emergência, podem e devem socorrê-la.
Ressalto que o benefício assistencial não se destina a complementar o orçamento doméstico,
mas sim prover aqueles que se encontram em efetivo estado de necessidade.
Conclui-se, desta forma, que as provas trazidas aos autos não foram hábeis à demonstração da
impossibilidade de sustento, como exige o art. 20 da Lei 8.742/1993, e, portanto, ausente o
requisito de miserabilidade, inviável a concessão do benefício assistencial, posto que não se
presta a complementação de renda.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de
advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §8º do artigo 85 do
Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe
foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo
Civil/2015.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar
improcedente o pedido inicial, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. HIPOSSUFICIÊNCIA/MISERABILIDADE NÃO
DEMONSTRADA. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da
Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco)
anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, nos termos dos artigos 20, § 3º, da
Lei nº 8.742/93.
2. Requisito de miserabilidade/hipossuficiência não preenchido. Laudo social indica que a parte
autora encontra-se amparada pela família e não há evidência de que suas necessidades básicas
não estejam sendo supridas. O benefício assistencial não se presta a complementação de renda.
3. Benefício assistencial indevido.
4. Inversão do ônus da sucumbência. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no § 3º do
artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
5. Apelação do INSS provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu DAR PROVIMENTO à apelação do INSS reformando a sentença para julgar
improcedente o pedido inicial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
