
| D.E. Publicado em 22/03/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0038379-05.2016.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa idosa.
A sentença prolatada em 27.08.2016 julgou o pedido procedente nos termos que seguem: "Diante do exposto e de tudo o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a presente ação, CONDENANDO o réu INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL INSS a pagar à autora MARIA APARECIDA BOM STARK SIQUEIRA o benefício consistente em amparo assistencial, no valor de um salário mínimo por mês desde a citação em 01/07/2015 (fls. 84), com fundamento no artigo 487, inciso I, do Novo Código de Processo Civil. Presentes os pressupostos legais, havendo elementos suficientes que evidenciam a probabilidade do direito, bem como o perigo de dano em decorrência de sua natureza alimentar, CONCEDO A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA pleiteada para que o autor passe a receber desde já os benefícios decorrentes do amparo assistencial, antes do trânsito em julgado desta decisão, nos termos do artigo 330 do Novo Código de Processo Civil. Oficie-se solicitando a imediata implantação do benefício. As prestações vencidas deverão ser pagas de uma só vez, incidindo: a) os juros de mora, contados desde a citação, conforme a seguinte sistemática: 1) no patamar de 0,5% ao mês, nos termos dos arts. 1062 do Código Civil de 1916 e 219 do Código de Processo Civil de 1973 até a entrada em vigor do Novo Código Civil, ou seja, até 11.01.2003; 2) a partir desta data, juros de 1% ao mês, de acordo com o artigo 406 do novo Código Civil c.c artigo 161, §1º, do Código Tributário Nacional, até 30/06/2009 (quanto entrou em vigor a Lei nº 11.960/09); 3) a partir disso, juros moratórios calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos do disposto no art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/2009; b) Correção monetária, sobre as prestações em atraso, desde as respectivas competências, da seguinte forma: 1) pelo INPC, a partir de 11.08.2006 até 30.6.2009, conforme art. 31, da Lei nº 10.741/2003, c.c. o art. 41-A, da Lei nº 8.213/91 (redação dada pela MP 316/06, convertida na Lei nº 11.340, de 26/12/2006); 2) após 30.06.2009, com base no índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos da Emenda Constitucional nº 62/2009, até 25.03.2015; 3) após 25.03.2015, Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), de acordo com decisão do Supremo Tribunal Federal em questão de ordem nas ADIs 4357 e 4425.Isento de custas, em razão da sucumbência, o requerido pagará os honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor das prestações vencidas até a presente data, devidamente corrigidos quando do efetivo pagamento (art. 85, § 3º, NCPC).Dispenso a presente decisão do reexame necessário, em razão do disposto no artigo 496, §3º, inciso I, do Novo Código de Processo Civil, tendo em vista que o valor das prestações, considerando o início do benefício, em tese, não ultrapassa 1.000 salários mínimos. Expeça-se o necessário. Oportunamente, arquivem-se. P.R.I.C.".
Apela o INSS alegando para tanto que o requisito de miserabilidade não foi preenchido. Subsidiariamente, caso mantida a procedência do pedido, pede a reforma da sentença no tocante à correção monetária.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
A questão vertida nos presentes autos diz respeito à exigência de comprovação dos requisitos legais para a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Conforme cópia do documento de identidade acostada aos autos às fls. 16, tendo a autora nascido em 25 de setembro de 1942, contava com 72 anos de idade no momento do ajuizamento da ação, e, portanto já estava compreendida no conceito legal de idosa para fins de concessão do benefício assistencial.
Assim, restando atendido um dos critérios fixados no caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011 c/c o art. 34 da Lei nº 10.741/2003, necessário averiguar-se o preenchimento do requisito da miserabilidade, uma vez que a lei exige a concomitância de ambos para que o benefício assistencial possa ser concedido.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
Com relação ao cálculo da renda per capita, a Lei 10.741/03 assim preceitua:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. (Vide Decreto nº 6.214, de 2007)
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas."
Entretanto, a Suprema Corte, no RE 580.963/PR, sob regime de repercussão geral, declarou a inconstitucionalidade parcial, por omissão, sem pronúncia de nulidade da norma em comento, ante a inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em, relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo.
E nesse sentido, assim o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu em sede de julgamento de recurso repetitivo: "(...) 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93." RECURSO REPETITIVO (Tema: 640) REsp 1355052 / SP RECURSO ESPECIAL 2012/0247239-5 Relator(a) Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142)Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 25/02/2015, Data da Publicação/Fonte DJe 05/11/2015)
Indo mais além, a constitucionalidade do próprio § 3º, artigo 20 da Lei 8742/93, também foi questionada na ADI 1.232-1/DF, que, todavia, foi julgada improcedente.
Embora reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impede o exame de situações específicas do caso concreto, a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Ou seja, a verificação da renda per capita familiar seria uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única.
Neste sentido decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(STJ, Terceira Seção, REsp 1112557/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade e o entendimento firmado no julgamento da ADI 1.232-DF levou a Corte Suprema a enfrentar novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993. O julgado reconheceu a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
O reconhecimento da inconstitucionalidade parcial sem nulidade do § 3º, art. 20 da Lei 8742/93 indica que a norma só é inconstitucional naquilo em que não disciplinou, não tendo sido reconhecido a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência.
Cabe ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial, e suprimir a inconstitucionalidade apontada.
Dessa forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
Tecidas tais considerações, no caso concreto o estudo social realizado em 14.12.2015 (fls. 89/90) revela que a parte autora reside com seu marido e uma filha viúva em imóvel cedido por familiares, com quatro cômodos simples, guarnecido com móveis necessários para cada ambiente.
Informaram que a renda da casa advém da aposentadoria recebida pelo marido da parte autora e da pensão por morte que a filha recebe que perfazem cerca de R$ 1.600,00.
Relataram despesas com água (R$ 30,00), energia elétrica (R$ 150,00), alimentação (R$ 500,00), medicamentos (R$ 250,00) e suplementos alimentares da autora (R$ 100,00), totalizando um gasto mensal de R$ 1.030,00. Há também relato de que há dívidas que foram feitas em razão de problemas de saúde da autora, mas não há informação quanto ao valor.
Em que pese a condição humilde da autora, nota-se que as despesas relatadas não superam a renda da casa, e que as necessidades básicas da autora estão sendo supridas, não estando evidenciada a existência de vulnerabilidade socioeconômica.
Tem-se ainda que embora tenham informado rendimentos no importe de R$ 1.600,00, os extratos do sistema PLENUS de fls. 103 e 105 demonstram que o marido da autora recebe aposentadoria por idade no valor de R$ 880,00, e a filha aufere R$ 1.275,05 mensais a título de pensão por morte, de forma que o grupo familiar recebe mensalmente R$ 2.155,05.
De fato, o relatório social não informa a existência da condição de miserabilidade, mas tão somente aponta que a concessão do benefício acarretaria em melhora na qualidade de vida, e nesse sentido, é importante ressaltar que o benefício assistencial não se prestar à complementação de renda.
Desta forma, diante do conjunto probatório que se apresenta nos autos, verifico que não restou caracterizada a condição de miserabilidade necessária para concessão do benefício assistencial, que resta indevido.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno a parte autora ao pagamento de honorários de advogado que ora fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), de acordo com o §8º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Por fim, revogo a tutela antecipada. Esclareço, todavia, que tratando-se de benefício assistencial, entendo indevida a devolução dos valores indevidamente pagos a esse título, não se aplicando ao caso o entendimento firmado pelo STJ no REsp nº 1401560/MT, referente apenas aos benefícios previdenciários.
Diante do exposto DOU PROVIMENTO à apelação do INSS, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
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| Data e Hora: | 15/03/2019 14:18:15 |
